sábado, 14 de novembro de 2009

Imagens de Outono



Não sei. Deve ter sido no Outono, porque as folhas ferviam vermelho no ferrete do muro. Em brasa eram as horas em que descia e subia no corpo, na alma e no espírito, uma dança voraz, uma paz doce e dormente entrega, uma subida de mim à coroa, uma vontade vaga e lassa de ser triste. Coisas de mulher a quem o céu amanheceu tardio. Porque, assim, a vinha ganhou aquela cor que ao branco do muro arranha, e à alma dorida faz vibrar em mais alto tom as cordas afinadas do violino breve. O poente atravessa a ponte e eu, que nem sequer existo, sou a ponte que entra no mar afunilando a distância, como uma serpente de madeira que em deserto e ondulado rio, entra invisível no azul. Não sei onde vai dar esse caminho, mas pode a vida perder-se nesse lugar: uma Veneza de alma, funâmbula, gótica. Moribunda, a lua bate no clarão do rosto em rima e som tão ardente como a clara Aurora a nascer do passado poente.
Passamos a ponte, para o outro lado do rio. Para o rio lavado de uma moldura de árvores respirando o verde; cobrindo de sons de flauta os trigais e os roseirais floridos. Há-de rebolar-se pela encosta a redonda palavra levantada em chamas. Hão-de pisá-la as folhas que caem persistentemente; vermelhas, em vento levadas. Para que ardam de uma treva eterna os ventos, os nevoeiros e as gotas lentas, redondas e grossas, que se ouvem longe. Lá onde dormem as rãs e os olhares se viram para a beleza nostálgica de um sombrio postal em prateado rio. Aqui chegado pelo mesmo caminho e corrente de pensamento.
Outras correntes são como os livros e a Vida. Levam águas que se misturam e rios que se bifurcam de amanhecente e anoitecente rima e som e tom. A Poesia é como a beleza, mas não é a Beleza. Cristo não teria olhos azuis e Deus não tem face. A beleza tem apenas, do rosto, a rota e a ilusão da face. Os padrões são marcos de pedra e colunas de nada. Não é a poesia medida de clara fonte, nem o é o murmúrio fundo e cavernoso, já que a Poesia, como a Beleza não têm padrão. Não podemos acorrentá-la a um padrão, pois que o não há para a extrema beleza de uma sombra no muro, onde há feixes de luz futuros e passados. Tudo a acontecer. Tudo a mostrar-se! E a poesia crepuscular é como a outonal beleza de uma baga dourada na sombra do muro; um céu abísmico de nuvens pretas e uma árvore nua de ramos duros e doridos na paisagem da tarde que se afunda em poente renascente e belo. Nascemos e morremos em nós, onde mora a poesia e nos visita Deus, ou a sombra dele, a sua assombração. A poesia é a linguagem do ser. Provavelmente tinha razão, Heidegger!
Não sei, devia de ter sido no Outono que esta vaga saudade se me nasceu alto som, e me morre, em silente dança: uma queda nascente de uma remanescente e antiquíssima Origem e fonte. Um levantado sonho, alumiando a morte, como Pascoaes prevê que seja a Vida que se esqueceu de regressar. Não sei. Não devo querer saber! Sei que a vide atou ao pescoço do limoeiro, aquela fita em fogo! Outras correntes... são como asas... fazem um som uníssono quando voam juntas e súbitas; cortam como lâminas o céu nublado da manhã.

20 comentários:

  1. São fotografias da minha máquina.
    Pela última, a mais rápida... esperei mais tempo.
    As pombas não paravam de voar, fazendo sempre o mesmo percurso e ovindo-se, de súbito, o mesmo som de asas. Belo! Por isso a acrescentei ao texto que já tinha publicado no jardim.

    Bom dia outonal.

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  2. e as flores (buganvíleas) também são do teu jardim
    lindas - não tanto quanto a beleza das palavras

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  3. As pombas mais pombásticas estão no texto, ;)

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  4. Platerito,

    Parecem-te buganvílias, porque ficaste a ver pior desde que fixaste o POEMAGATO... à volta dos atacadores de deus...
    Também lá tenho essas, Platero, mas não se estão a dar bem(não tenho falado com elas!) Estas são vinha virgem que enlouqueceu vermelha este Outono...

    Um beijo e obrigada pelas palavras.

    Paulo Feitais
    :)

    Pombas pombásticas! Hum! Estão no texto?!

    Um beijo.

    Errata: Aproveito para emendar a palavra "ouvindo-se", que no comentário está "ovindo-se"...
    De Ov'O. Está certo... ou está errado?

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  5. Um texto é uma viagem...
    Eu dou aulas três vezes por semana numa sala quem tem uma só janela e esta dá para um pombal.
    Foi obervando essa paisagem estranha que recebi todo o impacto do Outono...
    Este texto mexeu com isso,
    :)

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  6. perdão

    vinha virgem é o rosa-velho outono que se esparrama por ali.
    Verde, dois raminhos a interceptarem
    o rosado Ofélia na parede - garanto é mesmo buganvília

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  7. Platerito, meu Amigo,

    Não quero encetar contigo uma lição sobre assunto em que és mestre... mas não sendo Ophélia, o quintal é o cá de casa e... nesse muro estão os raminhos verdes que são da hera e a vinha que representa a "praguinha" de que tenho tentado em vão libertar-me: a tal de vinha...

    Meu lindo, não sou especialista, mas buganvíla, como estás farto de saber, antes da vista ter vindo a piorar, quiça de olhar nos olhos do gato-poema, é uma planta da Família: Nyctaginaceae
    Nome comum: Buganvília; Flor de Papel
    Outras variedades: B. glabra “Harrisii” e “Sandevana variegata”, B. spectablilis e B. buttiana

    Descrição: A Buganvília é uma trepadeira comum em Portugal, cujas flores no Verão atraem a atenção de quem passa onde quer que se encontre. A mais comum é a de cor roxa, mas nos anos mais recentes podem facilmente encontrar-se outras cores em qualquer viveiro. O seu nome provém de Louis Antoine de Bougainville, capitão de navio, advogado, matemático e explorador, que se juntou à armada francesa por volta de 1767 no Canadá, onde viria a conhecer e a fazer amizade com Philibert Commerson, viajante e botânico francês que em 1760 viajava ao serviço de Sua Majestade e veio a descobrir esta planta no Brasil, de onde é originária. Daí o nome de Bouganvillea.
    Dos troncos, protegidos por fortes espinhos, ramificam todos os anos novos rebentos que crescem vigorosamente e para os lados de forma desordenada. Estas plantas podem também ser “domesticadas” em forma de arbusto, desde que se proceda ao corte das pontas nos rebentos novos à medida que eles crescem. As folhas têm o feitio de um coração e possuem uma cor verde escura. A variedade B. glabra atinge uma altura de 3 metros ou mais, tem folhas macias, mais pequenas e com menos espinhos enquanto que as folhas da B. spectablilis têm uma penugem no lado inferior.
    As flores verdadeira são os pequenos tubos amarelos e brancos que se encontram envolvidos em três brácteas fundidas ou folhas modificadas, parecidas com papel, e que são as verdadeiras responsáveis pelo seu aspecto colorido. A B. glabra é uma trepadeira com troncos menos espinhosos e floresce intermitentemente durante toda a estação quente. A B. spectabilis cresce com grande vigor podendo atingir facilmente cerca de 6 a 9 metros de altura.". A hera...

    Meu Amigo, nem queiras aber o que aprendi com a exposição de fotos que fiz com os meus alunos enólogos! Sei coisas que nunca imaginei saber... mas nada se aproxima à impresão do céu de chumbo sobre os plátanos que avisto e... as Yukas que... para não falar das olaias, das catalpas, do choupo-branco; das palmeiras-de-leque... e... da minha Amizade por ti: floridíssima.

    Paulo,

    Estou a imaginar o pombal e a lembrar-me de aulas de filosfia e de Pessoa. Fico sempre sem saber se o pombal está em cima, em baixo ou... em redor...

    Um abraço a ambos.

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  8. ... Isto já parece um tratado de botânica!
    Irra, Senhor Padre!
    SFf!

    (Sou menos nobre e mais pobre... só chego à presença do Senhor Padre... Para os lados dos bispos... Só conheço as amas do Cardeal... até deu em nome de rua...):)

    Bela a rua da minha aldeia...
    não faz pensar em nada!...

    Grande e de Além-Te-Janus, esse Com-padre Senhor Caeiro!

    Daqui um olhar de soslaio a JC!
    Está a fingir que não me vê?

    Um beijo:)

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  9. mestra

    e o que não faz pensar em nada é a Rua
    ou a RIA?

    a Ria da minha Aldeia....?
    vês, vês.....

    vamos é ver a BOLA

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  10. De novo aqui venho, em humilde baixar de olhos, pedir que me perdoe, J.C. não ter visto o soneto que o ilustre Amigo deixou onde lhe foi pedido. Se não levar a mal, aqui transcrevo a alta lira e melodia em que soou aqui, a sua clara nota:
    FASSCINANTE

    "saudadesdofuturo", é um prazer
    dialogar consigo... aprimorando
    a forma literária de escrever
    sem de vista perder o seu comando!

    Não faço mais do que acertar o passo
    pelos seus comentários graciosos,
    eivados de ironia... como eu faço
    perante certos textos afrontosos.

    Embora a não conheça de presença
    e seja como for sua figura
    que julgo de aprazível parecença,

    tenho-a na conta, pelo que me diz
    em jeito que me faz sentir feliz,
    numa óptima e divina criatura!

    JOÃO DE CASTRO NUNES

    Grata estou!

    PS. Divinal criatura. sim! JCN
    "Atirad pedras, medíocres! JCN!"

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  11. Como, "saudadesdofuturo", posso fingir que não a vejo... se da vista não me sai... do pensamento?
    Será isto um plágio... ou um "agiornamento" do nobelístico Neruda?... Seja o que for, é a puríssima verdade. JCN

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  12. Querido Platero,

    Ria e riemos, riamos...riríamos
    riremos, remamos, rememos,romanos
    romenos, lusó-finos, luzó-phorus;(risos!)Lusidos; "Lusiadeus"; luso-philia; luso-fânia; lus(i)o-tânia;
    luso-frade; tempestade; potestades; não comas tanto feijão-frade...(vou sair para respirar... de tanto chorar a rir)

    Uma brincadeira, luso-mórfica; luso-cravo; lusa-rosa...

    Abraço, Platero

    PS. Não sabia que gostavas de ver a BOLA!
    Estás empantufado, Platero!
    Também eu, em-pã-tu-fada!
    Descobri esta graça! " Em Pã Tu Fada! Se calhar, sou eu... se não calhar... sou eu, também.

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  13. Saudades

    o soneto com que foste brindada
    é uma verdadeira obra de arte.
    No meio de tantas fantasias, despautérios,irreverências, más criações de apetecer à gente dar nalgadas - JCN é mesmo um mestre do soneto.
    não sei que poetas portugueses contemporâneos o utilizam como forma de expressão:
    Manuel Alegre? Graça Moura?
    não sei. JCN é perito nessa carpintaria rigorosa e exigente, não duvido

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  14. Outra coisa, Saudades

    tens que aprender a distinguir entre pombas e pombos
    O que tu fotografaste com a tua digital foi um bando de pombos. Os pombos são cinzentos, passeiam-se com ar superior pelas esplanadas em busca de migalhas, ainda hoje na PG tentei enganar um esfregando o indicador e o polegar - como se esfarelasse pão - e o safado quando deu pelo engano sabes com que me brindou?:
    com uma lustrosa e bem nutrida cagadela-piscou-me o olho, virou-me o rabo, e zás. isso é pombo, Saudades.
    pomba é fina, em geral branca, rabinho de leque, partenaire de prestigitador, estás a ver, que dá mais, ao vê-la, para contemplar do que para invejar como Leit-motiv
    (é assim que se diz?) de saborosa canja.
    alem do mais, pomba não caga - defeca.
    é muito mais gentil, mesmo para fotografar, percebes

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  15. Agora foste "mau", sem necessidade, Platero! Deixa-me lá pensar como Quixote que se vê moinhos, serão moinhos e se vê gigantes, que veja gigantes... isso faz-te alguma diferença?

    Pois, esqueço-me sempre da do Espírito Santo: pombo ou pomba?
    E... repara... com atenção... quem lhe chamou pombas!?
    Eu chamei-lhes no texto "asas", Platero:) Verdade?

    Não te preocupes tanto em fazer tais distinções pois são tudo, como diria JCN, criaturas divinas!
    Mesmo os que dizem que não são!

    Estás-me a ensinar o que são pombas, Platero? Dessa forma?
    Nãaaa!! Não aceito.

    Não sejas "invejoso", Platero, que o JCN com jeito e a seu jeito, talvez te dedique um soneto. Mas tens que baixar o leque!


    Já agora, quando dizemos "tens que..." o que queremos dizer?

    Um beijo e um sorriso pombalino!...

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  16. Vou paraBOLAR, qual Saram-ag(o)ra,
    que é por causa do medo da ágora, agora...

    A propósito, hoje passei o dia fora do jardim, entre as Serpentes, em pombalinos voos de pombos:) Não estou certa... Seriam pombas? Ou rosas, Senhor?!

    Vamos à Parábola, sem mais:

    1. «Por que é que, perguntam os rabinos, a Escritura compara Israel a uma pomba?» A esta pergunta, um dos mestres responde com esta parábola: “Quando Deus criou a pomba, ela voltou para junto do seu criador, e lamentou-se: – Senhor do universo, há um gato que corre sempre atrás de mim e me quer matar, e eu tenho de correr o dia inteiro com estas patas tão curtas. Então Deus teve piedade da pobre pomba, e pôs-lhe duas asas. Mas, pouco depois, a pomba foi outra vez, a chorar, ter com o seu criador: – Senhor do universo, o gato continua a correr atrás de mim, e se já antes tinha tanta dificuldade em fugir dele com estas patas tão pequenas e frágeis, agora, com estas asas tão pesadas em cima, ainda é pior. Então Deus sorriu e disse: – Mas eu não te pus essas asas, para que tu as carregues, mas para que elas te carreguem a ti. O mesmo vale para Israel, conclui o mestre. Quando Israel se lamenta dos mandamentos, Deus responde: – Não vos dei os mandamentos para que vós os transporteis como um peso, mas para que eles vos transportem a vós”».

    Que me dizem? Platero e JCN?

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  17. Kurto & manso
    comó cavalo do Núncio:

    tanto a pomba
    como Israel
    sempre ficaram a dever muito à inteligência

    (perdão a JCN
    que faz questão de ser tomado
    por judeu)

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  18. É mesmo... Lee! Só não sabe quem não vê (uma piscadela de olho aos queridos Amigos!)...
    Muito bem chegado é quem sempre cá tem estado! :)

    Um abraço!

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