Não sei. Deve ter sido no Outono, porque as folhas ferviam vermelho no ferrete do muro. Em brasa eram as horas em que descia e subia no corpo, na alma e no espírito, uma dança voraz, uma paz doce e dormente entrega, uma subida de mim à coroa, uma vontade vaga e lassa de ser triste. Coisas de mulher a quem o céu amanheceu tardio. Porque, assim, a vinha ganhou aquela cor que ao branco do muro arranha, e à alma dorida faz vibrar em mais alto tom as cordas afinadas do violino breve. O poente atravessa a ponte e eu, que nem sequer existo, sou a ponte que entra no mar afunilando a distância, como uma serpente de madeira que em deserto e ondulado rio, entra invisível no azul. Não sei onde vai dar esse caminho, mas pode a vida perder-se nesse lugar: uma Veneza de alma, funâmbula, gótica. Moribunda, a lua bate no clarão do rosto em rima e som tão ardente como a clara Aurora a nascer do passado poente.
Passamos a ponte, para o outro lado do rio. Para o rio lavado de uma moldura de árvores respirando o verde; cobrindo de sons de flauta os trigais e os roseirais floridos. Há-de rebolar-se pela encosta a redonda palavra levantada em chamas. Hão-de pisá-la as folhas que caem persistentemente; vermelhas, em vento levadas. Para que ardam de uma treva eterna os ventos, os nevoeiros e as gotas lentas, redondas e grossas, que se ouvem longe. Lá onde dormem as rãs e os olhares se viram para a beleza nostálgica de um sombrio postal em prateado rio. Aqui chegado pelo mesmo caminho e corrente de pensamento.
Outras correntes são como os livros e a Vida. Levam águas que se misturam e rios que se bifurcam de amanhecente e anoitecente rima e som e tom. A Poesia é como a beleza, mas não é a Beleza. Cristo não teria olhos azuis e Deus não tem face. A beleza tem apenas, do rosto, a rota e a ilusão da face. Os padrões são marcos de pedra e colunas de nada. Não é a poesia medida de clara fonte, nem o é o murmúrio fundo e cavernoso, já que a Poesia, como a Beleza não têm padrão. Não podemos acorrentá-la a um padrão, pois que o não há para a extrema beleza de uma sombra no muro, onde há feixes de luz futuros e passados. Tudo a acontecer. Tudo a mostrar-se! E a poesia crepuscular é como a outonal beleza de uma baga dourada na sombra do muro; um céu abísmico de nuvens pretas e uma árvore nua de ramos duros e doridos na paisagem da tarde que se afunda em poente renascente e belo. Nascemos e morremos em nós, onde mora a poesia e nos visita Deus, ou a sombra dele, a sua assombração. A poesia é a linguagem do ser. Provavelmente tinha razão, Heidegger!
Não sei, devia de ter sido no Outono que esta vaga saudade se me nasceu alto som, e me morre, em silente dança: uma queda nascente de uma remanescente e antiquíssima Origem e fonte. Um levantado sonho, alumiando a morte, como Pascoaes prevê que seja a Vida que se esqueceu de regressar. Não sei. Não devo querer saber! Sei que a vide atou ao pescoço do limoeiro, aquela fita em fogo! Outras correntes... são como asas... fazem um som uníssono quando voam juntas e súbitas; cortam como lâminas o céu nublado da manhã.Passamos a ponte, para o outro lado do rio. Para o rio lavado de uma moldura de árvores respirando o verde; cobrindo de sons de flauta os trigais e os roseirais floridos. Há-de rebolar-se pela encosta a redonda palavra levantada em chamas. Hão-de pisá-la as folhas que caem persistentemente; vermelhas, em vento levadas. Para que ardam de uma treva eterna os ventos, os nevoeiros e as gotas lentas, redondas e grossas, que se ouvem longe. Lá onde dormem as rãs e os olhares se viram para a beleza nostálgica de um sombrio postal em prateado rio. Aqui chegado pelo mesmo caminho e corrente de pensamento.
Outras correntes são como os livros e a Vida. Levam águas que se misturam e rios que se bifurcam de amanhecente e anoitecente rima e som e tom. A Poesia é como a beleza, mas não é a Beleza. Cristo não teria olhos azuis e Deus não tem face. A beleza tem apenas, do rosto, a rota e a ilusão da face. Os padrões são marcos de pedra e colunas de nada. Não é a poesia medida de clara fonte, nem o é o murmúrio fundo e cavernoso, já que a Poesia, como a Beleza não têm padrão. Não podemos acorrentá-la a um padrão, pois que o não há para a extrema beleza de uma sombra no muro, onde há feixes de luz futuros e passados. Tudo a acontecer. Tudo a mostrar-se! E a poesia crepuscular é como a outonal beleza de uma baga dourada na sombra do muro; um céu abísmico de nuvens pretas e uma árvore nua de ramos duros e doridos na paisagem da tarde que se afunda em poente renascente e belo. Nascemos e morremos em nós, onde mora a poesia e nos visita Deus, ou a sombra dele, a sua assombração. A poesia é a linguagem do ser. Provavelmente tinha razão, Heidegger!
São fotografias da minha máquina.
ResponderEliminarPela última, a mais rápida... esperei mais tempo.
As pombas não paravam de voar, fazendo sempre o mesmo percurso e ovindo-se, de súbito, o mesmo som de asas. Belo! Por isso a acrescentei ao texto que já tinha publicado no jardim.
Bom dia outonal.
e as flores (buganvíleas) também são do teu jardim
ResponderEliminarlindas - não tanto quanto a beleza das palavras
As pombas mais pombásticas estão no texto, ;)
ResponderEliminarPlaterito,
ResponderEliminarParecem-te buganvílias, porque ficaste a ver pior desde que fixaste o POEMAGATO... à volta dos atacadores de deus...
Também lá tenho essas, Platero, mas não se estão a dar bem(não tenho falado com elas!) Estas são vinha virgem que enlouqueceu vermelha este Outono...
Um beijo e obrigada pelas palavras.
Paulo Feitais
:)
Pombas pombásticas! Hum! Estão no texto?!
Um beijo.
Errata: Aproveito para emendar a palavra "ouvindo-se", que no comentário está "ovindo-se"...
De Ov'O. Está certo... ou está errado?
Um texto é uma viagem...
ResponderEliminarEu dou aulas três vezes por semana numa sala quem tem uma só janela e esta dá para um pombal.
Foi obervando essa paisagem estranha que recebi todo o impacto do Outono...
Este texto mexeu com isso,
:)
perdão
ResponderEliminarvinha virgem é o rosa-velho outono que se esparrama por ali.
Verde, dois raminhos a interceptarem
o rosado Ofélia na parede - garanto é mesmo buganvília
Platerito, meu Amigo,
ResponderEliminarNão quero encetar contigo uma lição sobre assunto em que és mestre... mas não sendo Ophélia, o quintal é o cá de casa e... nesse muro estão os raminhos verdes que são da hera e a vinha que representa a "praguinha" de que tenho tentado em vão libertar-me: a tal de vinha...
Meu lindo, não sou especialista, mas buganvíla, como estás farto de saber, antes da vista ter vindo a piorar, quiça de olhar nos olhos do gato-poema, é uma planta da Família: Nyctaginaceae
Nome comum: Buganvília; Flor de Papel
Outras variedades: B. glabra “Harrisii” e “Sandevana variegata”, B. spectablilis e B. buttiana
Descrição: A Buganvília é uma trepadeira comum em Portugal, cujas flores no Verão atraem a atenção de quem passa onde quer que se encontre. A mais comum é a de cor roxa, mas nos anos mais recentes podem facilmente encontrar-se outras cores em qualquer viveiro. O seu nome provém de Louis Antoine de Bougainville, capitão de navio, advogado, matemático e explorador, que se juntou à armada francesa por volta de 1767 no Canadá, onde viria a conhecer e a fazer amizade com Philibert Commerson, viajante e botânico francês que em 1760 viajava ao serviço de Sua Majestade e veio a descobrir esta planta no Brasil, de onde é originária. Daí o nome de Bouganvillea.
Dos troncos, protegidos por fortes espinhos, ramificam todos os anos novos rebentos que crescem vigorosamente e para os lados de forma desordenada. Estas plantas podem também ser “domesticadas” em forma de arbusto, desde que se proceda ao corte das pontas nos rebentos novos à medida que eles crescem. As folhas têm o feitio de um coração e possuem uma cor verde escura. A variedade B. glabra atinge uma altura de 3 metros ou mais, tem folhas macias, mais pequenas e com menos espinhos enquanto que as folhas da B. spectablilis têm uma penugem no lado inferior.
As flores verdadeira são os pequenos tubos amarelos e brancos que se encontram envolvidos em três brácteas fundidas ou folhas modificadas, parecidas com papel, e que são as verdadeiras responsáveis pelo seu aspecto colorido. A B. glabra é uma trepadeira com troncos menos espinhosos e floresce intermitentemente durante toda a estação quente. A B. spectabilis cresce com grande vigor podendo atingir facilmente cerca de 6 a 9 metros de altura.". A hera...
Meu Amigo, nem queiras aber o que aprendi com a exposição de fotos que fiz com os meus alunos enólogos! Sei coisas que nunca imaginei saber... mas nada se aproxima à impresão do céu de chumbo sobre os plátanos que avisto e... as Yukas que... para não falar das olaias, das catalpas, do choupo-branco; das palmeiras-de-leque... e... da minha Amizade por ti: floridíssima.
Paulo,
Estou a imaginar o pombal e a lembrar-me de aulas de filosfia e de Pessoa. Fico sempre sem saber se o pombal está em cima, em baixo ou... em redor...
Um abraço a ambos.
... Isto já parece um tratado de botânica!
ResponderEliminarIrra, Senhor Padre!
SFf!
(Sou menos nobre e mais pobre... só chego à presença do Senhor Padre... Para os lados dos bispos... Só conheço as amas do Cardeal... até deu em nome de rua...):)
Bela a rua da minha aldeia...
não faz pensar em nada!...
Grande e de Além-Te-Janus, esse Com-padre Senhor Caeiro!
Daqui um olhar de soslaio a JC!
Está a fingir que não me vê?
Um beijo:)
mestra
ResponderEliminare o que não faz pensar em nada é a Rua
ou a RIA?
a Ria da minha Aldeia....?
vês, vês.....
vamos é ver a BOLA
De novo aqui venho, em humilde baixar de olhos, pedir que me perdoe, J.C. não ter visto o soneto que o ilustre Amigo deixou onde lhe foi pedido. Se não levar a mal, aqui transcrevo a alta lira e melodia em que soou aqui, a sua clara nota:
ResponderEliminarFASSCINANTE
"saudadesdofuturo", é um prazer
dialogar consigo... aprimorando
a forma literária de escrever
sem de vista perder o seu comando!
Não faço mais do que acertar o passo
pelos seus comentários graciosos,
eivados de ironia... como eu faço
perante certos textos afrontosos.
Embora a não conheça de presença
e seja como for sua figura
que julgo de aprazível parecença,
tenho-a na conta, pelo que me diz
em jeito que me faz sentir feliz,
numa óptima e divina criatura!
JOÃO DE CASTRO NUNES
Grata estou!
PS. Divinal criatura. sim! JCN
"Atirad pedras, medíocres! JCN!"
Como, "saudadesdofuturo", posso fingir que não a vejo... se da vista não me sai... do pensamento?
ResponderEliminarSerá isto um plágio... ou um "agiornamento" do nobelístico Neruda?... Seja o que for, é a puríssima verdade. JCN
Não brinque, JCN!
ResponderEliminar:)
Querido Platero,
ResponderEliminarRia e riemos, riamos...riríamos
riremos, remamos, rememos,romanos
romenos, lusó-finos, luzó-phorus;(risos!)Lusidos; "Lusiadeus"; luso-philia; luso-fânia; lus(i)o-tânia;
luso-frade; tempestade; potestades; não comas tanto feijão-frade...(vou sair para respirar... de tanto chorar a rir)
Uma brincadeira, luso-mórfica; luso-cravo; lusa-rosa...
Abraço, Platero
PS. Não sabia que gostavas de ver a BOLA!
Estás empantufado, Platero!
Também eu, em-pã-tu-fada!
Descobri esta graça! " Em Pã Tu Fada! Se calhar, sou eu... se não calhar... sou eu, também.
Saudades
ResponderEliminaro soneto com que foste brindada
é uma verdadeira obra de arte.
No meio de tantas fantasias, despautérios,irreverências, más criações de apetecer à gente dar nalgadas - JCN é mesmo um mestre do soneto.
não sei que poetas portugueses contemporâneos o utilizam como forma de expressão:
Manuel Alegre? Graça Moura?
não sei. JCN é perito nessa carpintaria rigorosa e exigente, não duvido
Outra coisa, Saudades
ResponderEliminartens que aprender a distinguir entre pombas e pombos
O que tu fotografaste com a tua digital foi um bando de pombos. Os pombos são cinzentos, passeiam-se com ar superior pelas esplanadas em busca de migalhas, ainda hoje na PG tentei enganar um esfregando o indicador e o polegar - como se esfarelasse pão - e o safado quando deu pelo engano sabes com que me brindou?:
com uma lustrosa e bem nutrida cagadela-piscou-me o olho, virou-me o rabo, e zás. isso é pombo, Saudades.
pomba é fina, em geral branca, rabinho de leque, partenaire de prestigitador, estás a ver, que dá mais, ao vê-la, para contemplar do que para invejar como Leit-motiv
(é assim que se diz?) de saborosa canja.
alem do mais, pomba não caga - defeca.
é muito mais gentil, mesmo para fotografar, percebes
Agora foste "mau", sem necessidade, Platero! Deixa-me lá pensar como Quixote que se vê moinhos, serão moinhos e se vê gigantes, que veja gigantes... isso faz-te alguma diferença?
ResponderEliminarPois, esqueço-me sempre da do Espírito Santo: pombo ou pomba?
E... repara... com atenção... quem lhe chamou pombas!?
Eu chamei-lhes no texto "asas", Platero:) Verdade?
Não te preocupes tanto em fazer tais distinções pois são tudo, como diria JCN, criaturas divinas!
Mesmo os que dizem que não são!
Estás-me a ensinar o que são pombas, Platero? Dessa forma?
Nãaaa!! Não aceito.
Não sejas "invejoso", Platero, que o JCN com jeito e a seu jeito, talvez te dedique um soneto. Mas tens que baixar o leque!
Já agora, quando dizemos "tens que..." o que queremos dizer?
Um beijo e um sorriso pombalino!...
Vou paraBOLAR, qual Saram-ag(o)ra,
ResponderEliminarque é por causa do medo da ágora, agora...
A propósito, hoje passei o dia fora do jardim, entre as Serpentes, em pombalinos voos de pombos:) Não estou certa... Seriam pombas? Ou rosas, Senhor?!
Vamos à Parábola, sem mais:
1. «Por que é que, perguntam os rabinos, a Escritura compara Israel a uma pomba?» A esta pergunta, um dos mestres responde com esta parábola: “Quando Deus criou a pomba, ela voltou para junto do seu criador, e lamentou-se: – Senhor do universo, há um gato que corre sempre atrás de mim e me quer matar, e eu tenho de correr o dia inteiro com estas patas tão curtas. Então Deus teve piedade da pobre pomba, e pôs-lhe duas asas. Mas, pouco depois, a pomba foi outra vez, a chorar, ter com o seu criador: – Senhor do universo, o gato continua a correr atrás de mim, e se já antes tinha tanta dificuldade em fugir dele com estas patas tão pequenas e frágeis, agora, com estas asas tão pesadas em cima, ainda é pior. Então Deus sorriu e disse: – Mas eu não te pus essas asas, para que tu as carregues, mas para que elas te carreguem a ti. O mesmo vale para Israel, conclui o mestre. Quando Israel se lamenta dos mandamentos, Deus responde: – Não vos dei os mandamentos para que vós os transporteis como um peso, mas para que eles vos transportem a vós”».
Que me dizem? Platero e JCN?
Que belas imagens, estas ;)
ResponderEliminarKurto & manso
ResponderEliminarcomó cavalo do Núncio:
tanto a pomba
como Israel
sempre ficaram a dever muito à inteligência
(perdão a JCN
que faz questão de ser tomado
por judeu)
É mesmo... Lee! Só não sabe quem não vê (uma piscadela de olho aos queridos Amigos!)...
ResponderEliminarMuito bem chegado é quem sempre cá tem estado! :)
Um abraço!