domingo, 22 de novembro de 2009

“- É inútil amaldiçoares as silvas, foi o teu corpo que se arremessou contra seus espinhos…”

Que os teus ouvidos escutem o que desejam. Que os teus olhos vejam o que desejam. Que o teu nariz encontre os aromas que procura. Que a tua boca exprima o que gosta de dizer. Que o teu corpo tenha o prazer que quiser. Que a tua vontade realize aquilo a que aspira.
O ouvido deseja ouvir música, se não o puder fazer, chama-se a isso: entraves ao ouvido. O olhar gosta de contemplar o belo; se não o puder fazer, chama-se a isso: entraves à vista. Aquilo que o nariz precisa é de aromas e perfumes; se não o puder fazer, chamo a isso: entraves ao odor. O que a boca deseja exprimir é sim ou não; se não o puder fazer, chamo a isso: entraves à sageza. Aquilo que o corpo deseja são coisas belas e pratos saborosos; se não o conseguir, chamo a isso: entraves ao bem-estar. O que a vontade deseja é a liberdade e o ócio; se não os puder obter chamo a isso: entraves a todas as tuas tendências.
Todos estes entraves são verdadeiros tiranos. Eliminar estes tiranos e alegremente esperar a morte, seja por um dia, por um mês, por um ano ou por dez anos, eis o que eu chamo alimentar a nossa capacidade de vida.

Kuan Y1 – Wu, in “O verdadeiro clássico do vazio perfeito”


Mensagem e título in “O jardim das oito pedras” de Nioto Jiang,
Edição Areias do tempo; pág. 5 e 25.

9 comentários:

  1. Sabedoria e Poesia de mãos dadas... ao gosto oriental! JCN

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  2. fórmula talvez um pouco passiva de encarar a vida

    abraço

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  3. Meu querido amigo, "poeta da montanha", Vergílio, o Poeta, ler assim, como quem poisa e esvoaça, sobre cada sílaba simples, como pétalas de jardim de aromas tantos e tão vários, ler e voar simples, sobre o jardim da fala e do gesto que liberta, e o rodopiar das asas (quase parece de novo a Primavera - a árvore da Primavera, e do canto que me chega como alimento fecundo.

    Quase sem parágrafos, sem pontuação, deixo-me ir, saboreando esse jardim por onde andei hoje e todos os dias da minha vida... e que, ao fechar os portões, como quem fecha a saída da água da fonte, a minha alma se me inunda de uma Alegria tão grande, de um choro tão fundo!... De haver tanta coincidência nos sentires de humanos seres que, no jardim, são semente de florescer e de ser árvore e bosque, na semente que redonda, quer chegar à nossa mão.

    Os sentidos são a transparência e a abertura dos canais ao que nasce do encontro entre a a semente e a flor que somos,a vibração de vida; o cumprir-se´semente, árvore, folha; folha que cai e se eleva em chão que guarda novas sementes, novas alegrias... todos os dias da nossa vida.

    Que saudades desse jardim forido. Agora em espera dentro da terra escura, que Saudade dessa Alegria de Saudade em mim!

    Nascemos para viver a vida, participando nela em Alegria tão funda, que me dói, Rui, meu Amigo... Tanto que me dói a boca, quando cálo! Tanto me fere o espinho quando o retiro a nunca sarada ferida da terra estranha que me sou. Em novos e frescos frutos se dá a vida às aberturas dos sentidos! Eterno renovo da criação: sem entraves, sem entraves!

    Que bem que me fez o seu texto! Eu que tenho andado de mim perdida, em choro, em choro, prece que engolindo o mar, de tanto sal me doer!

    Um beijo de gratidão!

    (escusado será dizer que escrevi, de um jacto, num impulso. Há e haver falhas. Não no sentir. Daquelas peço desculpa.)

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  4. Compreenda-se que corrijo a palavra "forido", que é, obviamente, "florido" e já no final, será: "Há, deve haver falhas..." Nada mais ressalvo. não são entraves... à leitura!~

    Um beijo de Saudades.

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  5. Não creio que o desejar seja entrave, o entrave está em querer reter, aprisionar. A morte está contida no nascimento, o nascimento é a morte. Os entraves que impedem o ouvido de ouvir os olhos de ver o olfacto de cheirar. Esses é que são a morte, sem capacidade de vida, a não vida. Pois que o contrário de morte é nascimento, é despertar... A vida é outra coisa. A natureza se encarrega de mostrar essa diferença, saibamos o que em nós é desejante... que não é para nós, nem à vida se prende mais do que o que é natural...

    Assim seja!

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. O PREÇO DA VIDA

    Para "saudadesdofuturo"

    A morte é o preço de se ter vivido
    que todos temos de pagar por certo,
    da qual nenhum de nós está liberto
    por muito que se tenha distingudo.

    A morte é o penhor da redenção
    que nos limpando de qualquer pecado
    ao paraíso, a todos reservado,
    nos permite aceder... sem restrição.

    Bendita seja a morte, sem a qual
    ninguém retorna ao ponto de partida
    uma vez finda e consumada a vida.

    Embora seja tida por um mal,
    perante Deus a morte nos redime,
    tão-só por si, de todo e qualquer crime!

    JOÃO DE CASTRO NUNES

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  8. Caro JCN,

    Agradeço o seu belo gesto e o igualmente belo soneto. Muito me omove, porque hoje... tudo me comove e em alegria também me entristece.

    Grata e bem-haja!

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  9. Motivos vários levaram a que só agora pudesse responder, as minhas desculpas.

    Agradeço os vossos comentários e, em especial, saudo a voz de saudades, uma voz liberta de entraves. A voz-poema das suas palavras. Muito obrigado pela partilha! Humilde, um beijo de gratidão retribuído.

    Agradeço também ao João a partilha de mais um dos seus belos poemas, aqui belissímamente dedicado!

    Um abraço a todos,
    e, passando a publicidade, este pequeno livro do qual retirei esta passagem é, sem dúvida, uma bela história da alma, em metáfora.

    Grato!

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