2010 é o ano em que passa um século sobre a implantação da República em Portugal e em que se realizarão eleições presidenciais. 2010 impõe-se como um marco fundamental para lançar uma reflexão pública sobre o país e o mundo que temos e queremos. Reflexão tanto mais urgente quanto há sinais cada vez mais evidentes do crescente divórcio entre o Estado e a sociedade, traduzido em eleições onde a abstenção triunfa sistematicamente, fruto do descrédito galopante da classe política, da própria política e do deserto de ideias em que vivemos.
Aqui se apresenta a proposta de um cidadão português que, no decurso da sua docência universitária, obra publicada e intervenção cultural, tem seguido com interesse e preocupação os rumos recentes de Portugal e do mundo. Convicto de que urge refundar Portugal, eis uma lista de prioridades para o país e o mundo melhor a que temos direito e que todos temos o dever de construir. Agradecem-se os contributos críticos, de modo a que a proposta se aperfeiçoe e complete e sirva de plataforma para a discussão pública e a intervenção cultural e cívica que visa, pelos meios que se verificarem ser os mais oportunos.
I – Portugal é uma nação que, pela diáspora planetária da sua história e cultura, pela situação geográfica e pela língua, com 240 milhões de falantes em toda a comunidade lusófona, tem a potencialidade de ser uma nação cosmopolita, uma nação de todo o mundo, que estabeleça pontes, mediações e diálogos entre todos os povos, culturas e civilizações. Este perfil vocaciona-nos para o cultivo dos valores mais universalistas, promovendo o diálogo com todas as culturas mundiais. Os valores mais universalistas são aqueles que promovam o melhor possível para todos, uma cultura da paz, da compreensão e da fraternidade à escala planetária, visando não apenas o bem da espécie humana, mas também a preservação da natureza e do bem-estar de todas as formas de vida animal, como condição da própria qualidade e dignidade da vida humana.
II – O nosso potencial universalista tem sido sistematicamente ignorado pelas nossas orientações governativas, desde a época dos Descobrimentos até hoje. Se no passado predominou a pretensão de dilatar a Fé e o Império, hoje predomina a sujeição da nação aos novos senhores do mundo, as grandes esferas de interesses político-económicos. Portugal está ao serviço da globalização de um paradigma de desenvolvimento económico-tecnológico que explora desenfreadamente os recursos naturais e instrumentaliza homens e animais, donde resulta um enorme sofrimento, um fosso crescente entre homens, povos e nações, a redução da biodiversidade e o arrastar do planeta para uma crise sem precedentes.
III – A assunção do nosso potencial universalista implica uma reforma das mentalidades, com plena expressão ética, cultural, social, política e económica. Nesse sentido se propõem as seguintes medidas urgentes, que visam implementar entre nós um novo paradigma, convergente com as melhores aspirações humanas e com os grandes desafios deste início do século XXI:
1 – Portugal deve dar prioridade absoluta a um desenvolvimento económico sustentado, que salvaguarde a harmonia ecológica e o bem-estar da população humana e animal. A Constituição da República Portuguesa deve consagrar a senciência dos animais – a sua capacidade de sentir dor e prazer - e o seu direito à vida e ao bem-estar. Portugal deve aprender com a legislação das nações europeias mais evoluídas neste domínio, adaptando-a à realidade nacional.
2 – Portugal deve ensaiar modelos de desenvolvimento alternativos, que preservem a diversidade cultural, biológica e ecoregional. Há que promover a sustentabilidade económica do país, desenvolvendo as economias locais. Devem-se substituir quanto possível as energias não-renováveis (petróleo, carvão, gás natural, energia nuclear), por energias renováveis e alternativas (solar, eólica, hidráulica, marmotriz, etc.), superando o paradigma, a vulnerabilidade e as dependências de uma economia baseada no petróleo e nos hidrocarbonetos.
3 - Devem-se ensaiar formas de organização económica cujo objectivo fundamental não seja apenas o lucro financeiro. Deve-se assegurar o predomínio da ética e da política sobre a economia, de modo a que a produção e distribuição da riqueza vise o bem comum do ecossistema e dos seres vivos, a satisfação das necessidades básicas dos homens e a melhoria geral da sua qualidade de vida, bem como o acesso de todos à cultura.
4 - Deve-se investir num programa pedagógico de redução das necessidades artificiais que permita oferecer alternativas ao produtivismo e consumismo, fazendo do trabalho e do desenvolvimento económico não um fim em si, com o inevitável dano da harmonia ecológica, da biodiversidade e do bem-estar de homens e animais, mas um mero meio para a fruição de um crescente tempo livre de modo mais gratificante e criativo.
5 – Há que criar um serviço público de saúde eficiente e acessível a todos, que inclua a possibilidade de optar por medicinas e terapias alternativas, de qualidade e eficácia comprovada, como a homeopatia, a acupunctura, a osteopatia, o shiatsu, o yoga, a meditação, etc. Estas opções, bem como os medicamentos naturais e alternativos, devem ser igualmente comparticipadas pelo Estado.
6 – Importa informar e sensibilizar a população para os efeitos nocivos de vários hábitos alimentares, nomeadamente o consumo excessivo de carne, para o meio ambiente, a saúde pública e o bem-estar de homens e animais. Sendo uma das principais causas do aquecimento global, do esgotamento dos recursos naturais e do sofrimento dos animais, há que restringir e criar alternativas à agropecuária intensiva. Deve-se divulgar a possibilidade de se viver saudavelmente com uma alimentação não-carnívora, vegetariana ou vegan e devem-se reduzir as taxas sobre os produtos de origem natural e biológica.
7 - Portugal, a par do desenvolvimento económico sustentado, deve investir sobretudo nos domínios da saúde, da educação e da cultura, não só tecnológica, mas filosófica, literária, artística e científica. O Orçamento do Estado deve reflectir isso, reduzindo os gastos com a Defesa, o Exército e as obras públicas de fachada. Urge também moralizar e reduzir os salários e reformas de presidentes, ministros, deputados e detentores de cargos na administração pública e privada, a par do aumento dos impostos sobre os grandes rendimentos.
8 - Redignificar, com exigência, os professores e todos os profissionais ligados à educação e à cultura. A educação e a cultura não devem estar dependentes de critérios economicistas e das flutuações do mercado de emprego. Os vários níveis de ensino visarão a formação integral da pessoa, não a sacrificando a uma mera funcionalização profissional. Neles estará presente a cultura portuguesa e lusófona, bem como as várias culturas planetárias. Um português culto e bem formado deve ter uma consciência lusófona e universal, não apenas europeia-ocidental.
Nos vários níveis de ensino deve ser introduzida uma disciplina que sensibilize para o respeito pela natureza, a vida humana e a vida animal, bem como outra que informe sobre a diversidade de paradigmas culturais, morais e religiosos coexistentes nas sociedades contemporâneas.
A meditação, com benefícios científicamente reconhecidos - quanto ao equilíbrio e saúde psicofisiológicos, ao aumento da concentração e da memória, à melhoria na aprendizagem, à maior eficiência no trabalho e à harmonia nas relações humanas - , deve ser facultada em todos os níveis dos currículos escolares, em termos puramente laicos, sem qualquer componente religiosa.
9 - Portugal deve assumir-se na primeira linha da defesa dos direitos humanos e dos seres vivos em todos os pontos do planeta em que sejam violados, sem obedecer a pressões políticas ou económicas internacionais.
10 – Portugal deve aprofundar as suas relações culturais, económicas e políticas com as nações de língua portuguesa, incluindo a região da Galiza, Goa, Damão, Diu, Macau e os outros lugares da nossa diáspora onde se fala o português, sensibilizando a comunidade lusófona para as causas universais, ambientais, humanitárias e animais.
11 - Portugal deve promover a Lusofonia e os valores universalistas da cultura portuguesa e lusófona no mundo, dando o seu melhor exemplo e contributo para converter a sociedade planetária na possível comunidade ético-cultural e ecuménica visada entre nós por Luís de Camões, Padre António Vieira, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva. Portugal deve assumir-se como um espaço multicultural e de convivência com a diversidade, um espaço privilegiado para o tão actual desafio do diálogo intercultural e inter-religioso, alargado ao diálogo entre crentes e descrentes. Deve precaver-se contudo de tentações neo-imperialistas e de qualquer nacionalismo lusófono ou lusocêntrico.
12 - Verifica-se haver em Portugal e na Europa em geral uma grave crise de representação eleitoral, patente na elevada abstenção e descrédito dos políticos, dos partidos e da política, os quais, segundo a opinião geral, apenas promovem o acesso ao poder de indivíduos e grupos que sacrificam o bem comum a interesses pessoais e particulares, com destaque para os das grandes forças económicas. As eleições são assim sistematicamente ganhas por representantes de minorias, relativamente à totalidade dos cidadãos eleitores, que governam isolados da maioria real das populações, que os consideram com alheamento, desconfiança e desprezo, tornando-se vítimas passivas das suas políticas. O actual sistema eleitoral também não promove a melhor justiça representativa, não facilitando a representação de uma maior diversidade de forças políticas e limitando-a às organizações partidárias, o que contribui para a instrumentalização do aparelho de Estado, dos lugares de decisão político-económica e da comunicação social pelos grandes partidos.
Esta é uma situação que compromete seriamente a democracia e que a história ensina anteceder todas as tentativas de soluções ditatoriais. Há que regenerar a democracia em Portugal, reformando o estado e o sistema eleitoral segundo modelos que fomentem a mais ampla participação e intervenção política da sociedade civil, facilitando a representação de novas forças políticas e possibilitando que cidadãos independentes concorram às eleições. Deve-se recuperar a tradição municipalista portuguesa e promover uma regionalização e descentralização administrativa equilibradas, assegurando mecanismos de prevenção e controlo dos despotismos locais.
Há que colocar a política ao serviço da ética e da cultura e mobilizar a população para a intervenção cívica e política em torno dos desafios fundamentais do nosso tempo, com destaque para a protecção da natureza, do bem-estar dos seres vivos e de uma nova consciência planetária. Há que mobilizar os cidadãos indiferentes e descrentes da vida política, a enorme percentagem de abstencionistas e todos aqueles que se limitam a votar, para a responsabilidade de reflectirem, discutirem e criarem o melhor destino a dar à nação. Há que, dentro dos quadros democráticos e legais, promover formas alternativas de intervenção cultural, social e cívica, que permitam antecipar tanto quanto possível a realidade desejada, sem depender dos poderes instituídos.
Convicto de que estas medidas permitirão que Portugal recupere o pioneirismo e criatividade que o caracterizou no impulso dos Descobrimentos, apelo a que todos dêem o vosso contributo para a discussão, aperfeiçoamento e divulgação deste Manifesto. De vocês depende que ele se constitua na plataforma de um movimento cívico e cultural de reflexão e acção.
Vamos Refundar Portugal!
Saudações fraternas
Paulo Borges
pauloaeborges@gmail.com
Lisboa, 20 de Outubro de 2009
Alinho nessa... de alma e coração! Caso seja impraticável "refundar" Portugal, podemos pelo menos "melhorá-lo"! É o tema da minha "Ultrapassagem"... que faz contraponto à "Mensagem". Na forja. JCN
ResponderEliminarColoco aqui, tal qual, o comentário que fiz, alhures, a este mesmo documento:
ResponderEliminar"Este é, sem dúvida, um importante documento que, mais do que simples manifesto e manifestação de intenções é, acima de tudo, um interpretar extremamente lúcido de como é hoje ainda possível a cada um tomar nas mãos, na alma e no ânimo - na medida que lhe caiba, mais queira e melhor possa - a sua quota-parte inalienável nos destinos do planeta, do país e de todo o Desencobrimento que, creio, é quanto se nos pede agora, a todos e a cada um, fazer digno sucedâneo dos Descobrimentos de outrora em que os portugueses tanto se notabilizaram.
Hoje, importa que, desencobrindo em nós a viva expressão duma Índia agora interior possa esta ser descoberta no desencobrirem-se todos os seres de todos os povos.
Passemos palavra! ...
Sejamos palavra em acção!
Sejamos acção e não apenas palavras, como os que agora nos (des)governam e pouco cuidam de quanto importa:
Preservar o planeta,
Manter viva e sã a humanidade,
Fazer entre ambos a ponte de todas as pontes - em justiça, harmonia e paz.
Em suma: em riqueza de ser, e de ser homem, verdadeiramente."
temos agora aí o NuNo Santos, da Universidade do Porto, campeão na descoberta (DESCOBRIMENTO) de novos planetas
ResponderEliminarTal novo Infante D.Henrique
Onde fica... "alhures"?!... JCN
ResponderEliminarTanto palavreado... para dizer tão pouco, roçando o nada... que é tudo ou menos que nada. Continua... o nevoeiro. JCN
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarSubscrevo com agrado o Manifesto. Para já não tenho alterações substanciais a propôr. Atrai-me a possibilidade de criação de um Movimento Cívico e Cultural, mas há que amadurecer a ideia. Um grupo de reflexão sobre o Manifesto e o pretenso Movimento, será um bom início.
ResponderEliminarUma correcção: as eleições presidenciais serão no início de 2011.
ResponderEliminarE era bom que isso não se tornasse embrião duma nova PILULA - Partido dos Iluminados Libertadores Ufanos da Lusofonia Alucinada!
ResponderEliminarSem ironia.
E agora uma parêntesis para me auto-comentar:
- Baril!
Continuando: estou, em parte, com o Luís: há que mexer na coisa, agitar, isso só se consegue com uma autêntica comunhão de ideias, e de desencontros, polémicas, e tudo o mais, mas sempre com um sentido dialogante. Deixarmos os protagonismos (e os antagonismos) para sermos o que formos. E não quero ser críptico: se houver onde entrar ou no que entrar, que cada um se traga a si próprio e se reveja na propriedade dos demais, naquilo que cada um tem de autêntico. Nada pode ser refundado se quisermos armar aos cucos.
E já estou nesta, por mais chocante que pareça: talvez a coisa já esteja para lá da reforma e melhor seria puxar o autoclismo (e fechar a tampa para não vir o cheiro do WC Pato empestar-nos as ventas).
E mais uma pausa para um auto-comentário (mesmo à maneira):
- Concordo plenamente com aquilo que digo (embora não concorde totalmente com o que afirmo)!
No fundo tudo se resume a termos uma visão compassiva da vida. E isso não se impõe. E pode parecer aos outros uma forma de toleima.
Mas há que ignorá-los compassivamente. :)
Ola Paulo. Eu subscrevo este manifesto, embora, confesse tenha certas reticencias... Acho muito importante o papel do animal, do ser-vivo no seu manifesto, e não contemplando (desculpe estar sempre a vir com o mesmo argumento, mas pelos vistos, ele continua a ser desconsiderado) o papel da MULHER . A pobreza mundial é maioritariamente feminina, a pedagogia e a educação das crianças, que o Paulo sublinha, está especialmente a cargo das mulheres ( os professores, especailmente dos niveis mais basicos, sao maioritariamente mulheres) e, por elas, tambem passa a Lingua. (Não nos esqueçamos que apesar de haver mais escritores, são as mulheres que compram os livros e os lêem. Remeto também para o recente post de Damien, creio, sobre as mulheres e os poetas.
ResponderEliminarUm ponto que eu tenho mais resistiaencia é o papel privilegiado`a Lusofonia. Eu sei que o Paulo está longe de defender um novo "imperialismo" ou " nacionalismo, pois a própria língua vai se fazendo, quer em Portugal, Brasil, quer nos PALOPs, quer na diáspora portuguesa emigrante.
Outro ponto que acho importante é saber que muitas das medidas que o Paulo promove no seu manifesto serão apenas passíveis numa outra sociedade a Realizar, obviamente rejeitando o sistema capitalista Eu sei que isso soa muito a palavra de ordem "gasta". Mas ao rejeitarmos o capitalismo, temos de propor outro. Ai reside o desafio. Por isso, apesar de ser militante de outro partido, gostaria de acompanhá-lo nesta viagem.
Um abraço. Joana
corrigo: a autora do post que mencionei é a Ana Margarida Esteves. O Damien, pelo contrário, sentiu-se incomodado. Mas isso continuarei noutro sitio.
ResponderEliminar