Um espaço para expressar, conhecer e reflectir as mais altas, fundas e amplas experiências e possibilidades humanas, onde os limites se convertem em limiares. Sofrimento, mal e morte, iniciação, poesia e revolução, sexo, erotismo e amor, transe, êxtase e loucura, espiritualidade, mística e transcendência. Tudo o que altera, transmuta e liberta. Tudo o que desencobre um Esplendor nas cinzas opacas da vida falsa.
terça-feira, 22 de setembro de 2009
"Sinto o medo do avesso"
- Miguel Torga, único verso não rejeitado do poema "Ignoto".
Acho que os dois sentidos são possíveis e que o primeiro pode implicar sentir-se o não-medo, o destemor, a intrepidez. Todavia isso é algo que consigo pensar, mas não sentir no verso. O que imediatamente sinto é ainda "medo", seja ele o que e do que for.
Hoje ouvi, que sofremos com o medo, porque fomos educados na busca do que causa prazer. E que por isso rejeitamos o que nos causa desprazer. E que será natural aceitá-lo como parte de nós mesmos.
Na verdade, agradeço senti-lo como tudo o que vou tendo, mas continuo a ter-lhe medo...
O oposto do medo ( o avesso não é o oposto, mas o mesmo desdobrado sobre si) é a temeridade e não a coragem, esta tem um pacto de sangue com o medo. Também vejo no verso os dois sentidos: o avesso do medo e o medo do avesso. Como será o nosso avesso? Será que em nós o 'direito' não é o autêntico avesso? O abismo dos entre-espelhamentos da psique... :)
O que disse, Anaedera, dá, creio, a medida e o cabimento de sermos "equânimes" - quais balanças, algo sempre hesitantes, entre a "insustentável leveza do ser" e o "imponderável peso de o sermos"...
Há uma passagem em "Bichos" que, creio, ainda que peque por ser também ela uma imediata colagem "à morte na arena" - e a tudo o que essa arena possa simbolizar - abona de certas evidências que, não só parecem amplificar o 'destemor' ou a 'intrepidez' como diz o Paulo, mas também o próprio Miguel, arcanjo ou de Unamuno, de fronte a esse não-medo, que bem pode ser a morte "terror fundo que não diz donde vem nem para onde vai", marcadamente avesso.
"Quê?! Pois poderia morrer ali, no próprio sítio da sua humilhação?! Os homens tinham dessas generosidades?! Calada, a lâmina oferecia-se inteira. Calmamente num domínio perfeito de si, Miura fitou-a bem. Depois, numa arremetida que parecia ainda de luta e era de submissão, entregou o pescoço vencido ao alívio daquele gume."
Miura, p-117
É, sem dúvida, uma das passagens de Miguel Torga onde, seja o que for esse 'avesso', se exaspera o Homem o qual, numa última tentativa que lhe seja inteligível, encara 'o medo', pela pele do animal.
Eu sinto o medo de me ver pelo avesso... Ele... lá sabia! Era pelo avesso que ele analisava as pessoas, a começar por si mesmo. Para bem o compreender, nada como haver conhecido e até privado com o Dr. Adolfo Rocha. Um estranho Homem e um enormíssimo Poeta. Só não teve o Nobel, porque se entendeu que ele não possuía a necessária estatura humana: era mesquinho; não tinha suporte para, como pessoa, carregar com esse peso. Leiam os comentários do Dr. Montema de Carvalho, rebatendo as minhas panegíricas odes torguianas. Ele tinha medo... era de se ver por dentro, de se ver a si mesmo... da parte do avesso. E quem não tem?!... JCN
Para interpretativamente cairmos na área semiológica da coragem ou termos afins, como destemor, intrepidez, etc., teríamos de pôr a frase do avesso, dizendo: "Eu sinto o avesso do medo". Mas não foi isso o que o Poeta disse nem teria pensado. Não estaremos à procura... do quinto pé do gato?!... JCN
O "avesso"... era ele próprio! Eu que o diga! JCN
ResponderEliminarLeio de dois modos este verso de Torga.
ResponderEliminarEste é o seu verso "inaugural" - após a "auto-crítica" que Torga, como é sabido, fez a si mesmo.
Mas, dirá Torga que sente o medo (virado) do avesso?
Ou diz que sente o medo que se tem de todo o avesso ou de quanto seja avesso (de algo ou a algo)?
Confesso que me não decido entre uma ou outra leitura.
Acho que os dois sentidos são possíveis e que o primeiro pode implicar sentir-se o não-medo, o destemor, a intrepidez. Todavia isso é algo que consigo pensar, mas não sentir no verso. O que imediatamente sinto é ainda "medo", seja ele o que e do que for.
ResponderEliminarHoje ouvi, que sofremos com o medo, porque fomos educados na busca do que causa prazer. E que por isso rejeitamos o que nos causa desprazer. E que será natural aceitá-lo como parte de nós mesmos.
ResponderEliminarNa verdade, agradeço senti-lo como tudo o que vou tendo, mas continuo a ter-lhe medo...
O oposto do medo ( o avesso não é o oposto, mas o mesmo desdobrado sobre si) é a temeridade e não a coragem, esta tem um pacto de sangue com o medo.
ResponderEliminarTambém vejo no verso os dois sentidos: o avesso do medo e o medo do avesso. Como será o nosso avesso? Será que em nós o 'direito' não é o autêntico avesso? O abismo dos entre-espelhamentos da psique...
:)
O que disse, Anaedera, dá, creio, a medida e o cabimento de sermos "equânimes" - quais balanças, algo sempre hesitantes, entre a "insustentável leveza do ser" e o "imponderável peso de o sermos"...
ResponderEliminarHá uma passagem em "Bichos" que, creio, ainda que peque por ser também ela uma imediata colagem "à morte na arena" - e a tudo o que essa arena possa simbolizar - abona de certas evidências que, não só parecem amplificar o 'destemor' ou a 'intrepidez' como diz o Paulo, mas também o próprio Miguel, arcanjo ou de Unamuno, de fronte a esse não-medo, que bem pode ser a morte "terror fundo que não diz donde vem nem para onde vai", marcadamente avesso.
ResponderEliminar"Quê?! Pois poderia morrer ali, no próprio sítio da sua humilhação?! Os homens tinham dessas generosidades?!
Calada, a lâmina oferecia-se inteira.
Calmamente num domínio perfeito de si, Miura fitou-a bem. Depois, numa arremetida que parecia ainda de luta e era de submissão, entregou o pescoço vencido ao alívio daquele gume."
Miura, p-117
É, sem dúvida, uma das passagens de Miguel Torga onde, seja o que for esse 'avesso', se exaspera o Homem o qual, numa última tentativa que lhe seja inteligível, encara 'o medo', pela pele do animal.
Um abraço.
Eu sinto o medo de me ver pelo avesso... Ele... lá sabia! Era pelo avesso que ele analisava as pessoas, a começar por si mesmo. Para bem o compreender, nada como haver conhecido e até privado com o Dr. Adolfo Rocha. Um estranho Homem e um enormíssimo Poeta. Só não teve o Nobel, porque se entendeu que ele não possuía a necessária estatura humana: era mesquinho; não tinha suporte para, como pessoa, carregar com esse peso. Leiam os comentários do Dr. Montema de Carvalho, rebatendo as minhas panegíricas odes torguianas. Ele tinha medo... era de se ver por dentro, de se ver a si mesmo... da parte do avesso. E quem não tem?!... JCN
ResponderEliminarO medo... não tem avesso nem direito: é apenas medo. E Torga sabia-o bem. Não soubesse ele... outra coisa! JCN JCN
ResponderEliminaro medo do medo ser a coragem, porque essa nasce do medo, o medo de não sermos sujeito nem consciência mas fluxo. o medo de não ser?
ResponderEliminarPara interpretativamente cairmos na área semiológica da coragem ou termos afins, como destemor, intrepidez, etc., teríamos de pôr a frase do avesso, dizendo: "Eu sinto o avesso do medo". Mas não foi isso o que o Poeta disse nem teria pensado. Não estaremos à procura... do quinto pé do gato?!... JCN
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