No Oriente (...) em que a existência de cada ser humano é, em geral, sempre já perpectivada na sua relação com a Comunidade - nas suas várias formas de concretização - e, mais amplamente, na sua relação com a Natureza e, em última instância, com o Cosmos, a perspectiva perante a morte, por exemplo, tende a ser diferente, dado que, se todo o indivíduo existe em função do Todo, ou seja, da Comunidade, mais amplamente, da Natureza, em última instância, do Cosmos - , a morte individual, mesmo a morte de uma criança, não constitui necessáriamente um facto absurdo. Ao invés, no Ocidente, em que a existência de cada ser humano é, em geral, perspectivada como um fim em si próprio, sem qualquer relação, pelo menos essencial, com a Comunidade, nem, muito menos, com a Natureza ou com o próprio Cosmos, a morte individual, em particular a morte de uma criança, não pode deixar de constituir, apesar de todas as promessas cristãs de uma vida post mortem, um facto absurdo, irredutivelmente absurdo, tal como veio enfim, de forma certeira ainda que anacrónica, denunciar o existencialismo ocidental contemporâneo, como se essa trágica visão da morte não fosse uma mera consequência do caminho trilhado pela história da filosofia ocidental, pelo menos desde o atomismo grego.
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Renato Epifânio, Via Aberta, Zéfiro, Sintra, 2009, pp.100-101
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