sábado, 5 de setembro de 2009

Macau

Quem ler "Conversações de Confúcio" depara-se com o seguinte:
«O Mestre diz: Um sábio, nunca me será dado conhecê-lo; ficaria muitíssimo contente por encontrar um único homem de bem. Um homem verdadeiramente bom, nunca me será dado conhecê-lo; ficaria muitíssimo contente por encontrar um único homem constante nos seus princípios. Mas num mundo onde o Nada quer alguma coisa, o Vazio ser o Pleno e a Carência a Abundância, onde encontrá-lo, o homem de princípios?»
O mundo quer... O mundo deseja... o mundo é sedento... O mundo é ávido... Não será a "sede" o motor do mundo? Não será a "sede" a motivação das nossas vida, a fome, a sede, o desejo sexual, a sede por novos estímulos pouco perduráveis no espaço e no tempo, por novas emoções (que após seu desvanecimento nos levam a outras emoções), por novos objectos que após algum tempo se revelam fúteis? Sede por subir na carreira, sede pela posse de uma casa melhor, sede por um carro mais sofisticado, sede... Sede e ter, eis as palavras que de alguma forma definem o mundo evocado por Confúcio; o nosso mundo; palavras que (como todas as outras) obrigam a existência de um sujeito - aquele que quer - e de um objecto - aquilo que se quer. Ora, se o sujeito está sedento pelo objecto, o primeiro sente-se separado do segundo, sendo esta a sua causa de sofrimento - a separação. E se todos sofremos devido à separação (que cremos existir) entre o ego e o mundo - mundo hostil que o ego vê como uma ameaça à sua existência - Confúcio fala-nos de um homem de princípios que parece alheio a esta separação. Quem é este homem? De que princípios constantes este homem se rege? Donde surgiram estes princípios?
Diz-nos Lao Tzu:
«A maior virtude é seguir o Tao
e apenas o Tao.
O Tao é inapreensível e intangível.
Apesar de destituído de forma e intangível,
dá origem às imagens.
Apesar de vago e inapreensível,
dá origem a formas.
Apesar de negro e obscuro,
é o espírito, a essência,
o sopro vital de todas as coisas.
Através dos tempos, o seu nome foi preservado
de modo a recordar o início de todas as coisas.
Como conheço a ordem de todas as coisas no início?
Olho para dentro de mim e vejo o que existe
no meu interior.»
Confúcio fala-nos de princípios... Lao-Tsu fala-nos do Tao apesar da sua inapreensibilidade... Lao-Tsu re-lembra-nos a origem e Confúcio o Caminho, a Via fundamentada em princípios virtuosos que conduzem o homem ao bem-estar, à paz de espírito, à harmonia celestial na terra... Ou parafraseando Agostinho da Silva, princípios que conduzem o homem à santidade e o santo à teluridade, o céu à terra e a terra ao céu, que essa é a nossa Missão. Julgo que a via confuciana com todos os seus princípios e virtudes - meios hábeis - teve origem no Tao de Lao-Tsu e tem como objectivo levar os homens de novo às origens, ao Tao, à Idade de Ouro, à natureza primordial, a Buda, a Cristo, ao paraíso, ao Grande Espírito, ao Espírito Santo, ... O Tao que re-conduz ao Tao... O Nada que se re-dirige ao Nada... E se agora precisamos da Via com todos os seus meios, é para que no dia em que momento se transforma em instante, história em eternidade, tempo em aqui e agora, a abandonemos e regressemos à Origem; relembrei-me de uma ideia muito difundida pelos budistas que apela o praticante ao abandono da jangada - os princípios - uma vez alcançada a outra margem - a Iluminação. Confúcio fala-nos de princípios, virtudes, disciplina ética, sabedoria; Lao-Tsu apela ao recolhimento, à concentração meditativa; fazendo uma comparação com as duas vias, a via budista é simultaneamente uma via de disciplina ética, de meditação e de sabedoria, tendo o budismo tibetano como perfeições ou virtudes ou paramitas a generosidade, disciplina, paciência, diligência, concentração meditativa e sabedoria, estando todas elas inter-ligadas entre si. Fazendo uso destes meios hábeis será possível um dia o praticante alcançar a Iluminação, não para proveito próprio mas sim para o bem de todos os seres sencientes, deixando este de se sentir separado do mundo. Regressado à Origem, ao Ren, ao Tao, à Natureza Primordial, o praticante deixa de ser praticante, a Via de ser Via, a Origem de Origem; seguindo a ordem cósmica, o sujeito funde-se ao objecto - ou dito de outra forma que é a mesma, o sujeito e o objecto deixam de o ser - acabando-se de vez com separações, antagonismos, divisões, sedes de existir, apegos, desejos, ... com a causa do sofrimento que todos nós teimamos abraçar na nossa vida mundana, não havendo mais lugar quer para o sofrimento, quer para a felicidade... Apenas (a)-lugar para Aquele que é...
Assim, julgo ser esta a missão da lusofonia, a missão de Macau segundo Agostinho da Silva: conciliar Confúcio e Lao-Tsu para bem do povo chinês, conciliar a terra e o céu para bem de todos os seres sencientes.

4 comentários:

  1. "Sede e ter, eis as palavras que de alguma forma definem o mundo evocado por Confúcio". Palavras essas que se casam bem com a dicotomia agostiniana entre 'ter' e 'ser'.
    A lusofonia ou é isso, ou não é nada.
    :)

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  2. Urgem os tempos de "ser". Que nós, portugueses do mundo difundamos estas três letras por todos os cantos do mundo.
    p.s. - agora apercebi-me que se colocarmos as letras ser ao contrário fica "res", palavra latina que significa substância. Não será "ser" - (in)substância - o contrário de "res" assim como "amor" o contrário de "Roma"?
    ...

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Sem fúcias são todos,
    cambada de anormais!
    Nem comer com modos,
    Nem comer animais!

    JCN

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