domingo, 31 de maio de 2009

Erasmo de Rotterdam: Elogio da Loucura (excertos)

Um texto muito divertido. Apreciei sobremaneira o que Erasmo escreve sobre a mulher, esse querido animal, e a loucura.

[…]
Sou eu mesma, como vedes; sim, sou eu aquela verdadeira dispenseira de bens, a que os italianos chamam Pazzia e os gregos Mória. E que necessidade havia de vo-lo dizer? O meu rosto já não o diz bastante? Se há alguém que desastradamente se tenha iludido, tomando-me por Minerva ou pela Sabedoria, bastará olhar-me de frente, para logo me conhecer a fundo, sem que eu me sirva das palavras que são a imagem sincera do pensamento. Não existe em mim simulação alguma, mostrando-me eu por fora o que sou no coração. Sou sempre igual a mim mesma, de tal forma que, se alguns dos meus sequazes resumem não passar por tais, disfarçando-se sob a máscara e o nome de sábios, não serão eles mais do que macacos vestidos de púrpura, do que burros vestidos com pele de leão. Qualquer, pois, que seja o raciocínio feito para se mostrarem diferentes do que são, dois compridos orelhões descobrirão sempre o seu Midas. Para dizer a verdade, não estou nada satisfeita com essa gente ingrata, com esses perversos velhacos, porque, embora pertençam mais do que os outros ao nosso império, não só publicamente se envergonham de usar o meu nome, como muitas vezes chegam a aplicá-lo aos outros como título oprobioso. Portanto, sendo eles loucos e arquiloucos, embora assumam a atitude de sábios e de Tales (14), não teremos razão de chamá-los loucamente de sábios?
[…]
Nascida no meio de tantas delícias, não saudei a luz com o pranto, como quase todos os homens: mal fui parida, comecei a rir gostosamente na cara de minha mãe. Não invejo, pois, ao supremo Júpiter, o ter sido amamentado pela cabra Amaltéia, pois que duas graciosíssimas ninfas me deram de mamar: Mete (22), filha de Baco, e Apedia (23), filha de Pã. Ainda podeis vê-las, aqui, no consórcio das outras minhas sequazes e companheiras. Se, por Júpiter, também quereis saber os seus nomes, eu vo-lo direi, mas somente em grego. Estais vendo esta, de olhar altivo? É Filavtia, isto é, o amor-próprio. E esta, de olhos risonhos, que aplaude batendo palmas? É Kolaxia, isto é, a adulação. E, a outra, de pálpebras cerradas parecendo dormir? É Lethes, isto é, o esquecimento. E aquela, que se acha apoiada nos cotovelos, com as mãos cruzadas? É Misoponia, isto é, o horror à fadiga. E esta, que tem a cabeça engrinaldada de rosas, exalando essências e perfumes? É Idonis, isto é, a volúpia. E a outra, que está revirando os olhos lúbricos e incertos e parece dominada por convulsões? É Ania, isto é, a irreflexão. Finalmente, aquela, de pele alabastrina, gorducha e bem nutrida, é Trofís, isto é, a delícia. Entre essas ninfas, podeis distinguir ainda dois deuses: um é Komo, isto é, o riso e o prazer da mesa; o outro é Nigreton hypnon, isto é, o sono profundo. Acompanhada, pois, e servida fielmente por esse séquito de criados, estendo o meu domínio sobre todas as coisas, e até os monarcas mais absolutos estão submetidos ao meu império.
[…]
Tudo o que fazem os homens está cheio de loucura. São loucos tratando com loucos. Por conseguinte, se houver uma única cabeça que pretenda opor obstáculo à torrente da multidão, só lhe posso dar um conselho: que, a exemplo de Timão (42), se retire para um deserto, a fim de aí gozar à vontade dos frutos de sua sabedoria.

4 comentários:

  1. parida na estrada de pó
    respirei o zurzir do vento
    pus o pé no deserto
    abracei a sua lonjura
    caminhei por entre multidões
    agarrei os seus nadas
    retirei-me para as planícies
    fundi-me com a terra
    entrei nas labirínticas florestas
    vi o sol por entre a sábia dança
    das árvores
    socalquei as montanhas de nevoeiro
    habitei o abandono
    renasci na visão do mar
    mergulhei na sua libertação
    e de tudo o que vi
    guardo mais que mais não são
    que ínfimas dimensões do imenso
    revelado aos que tomam a sua magia.

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  2. parida na estrada de pó
    respirei o zurzir do vento
    pus o pé no deserto
    abracei a sua lonjura
    caminhei por entre multidões
    agarrei os seus nadas
    retirei-me para as planícies
    fundi-me com a terra
    entrei nas labirínticas florestas
    vi o sol por entre a sábia dança
    das árvores
    socalquei as montanhas de nevoeiro
    habitei o abandono
    renasci na visão do mar
    mergulhei na sua libertação
    e de tudo o que vi
    guardo que mais não são
    que ínfimas dimensões do imenso
    revelado aos que tomam a sua magia.

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  3. as mulheres, ah..., as mulheres, como se dizia antigamente (e isto sim era sabedoria) não se pode viver com elas, nem sem elas. na realidade são 'amor fati', um destino tremendo mas que cumprimos com alegria.

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  4. N.I. Fa(ti)também para ti, baal.

    Madalena,

    Gostei imenso de reler estes excertos do "Elogio da Loucura" e da loucura desse querido animal.
    No "deserto" já estamos, num deserto animado. Será bom que dele gozemos plenamente a alegria de estarmos vivos e sermos tão diferentemente o mesmo e o outro.

    Grata pelo texto.
    Um abraço de Saudades

    PS. Boa respiração e boa "troca" em Saudade.

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