"Conseguimos esse desiderato de alienado - a normalização da anormalidade. Obtivemos, com isso, a vantagem de tornar a vida mais agitadamente interessante a um bom numero de pessoas que, em uma sociedade bem ordenada, não existiriam, propriamente fallando, individualmente. Mas essa vantagem individual, e por isso transitoria, pagamol-a com a fixação parallela, da incapacidade de crear, com a normalização, conexa, da impottencia de grandes idéas, a inappetencia para grandes fins.
Nós realisamos, modernamente, o sentido preciso d'aquella phrase de Voltaire, onde diz que, se os mundos são habitados, a terra é o manicomio do Universo. Somos, com effeito, um manicomio, quer sejam ou não habitados os outros planetas. Vivemos uma vida que já perdeu de todo a noção de normalidade, e onde a hygidez vive por uma concessão da doença.
Vivemos em doença chronica, em anemia febricitante. O nosso destino é o de não morrer por nos termos adaptado ao stado de (perpetuos) moribundos"
- António Mora, Obras, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2002, p.214 [manteve-se a grafia original].
O que ele dizia aplicava-se à decadência de um mundo filho do "cristismo" [cristianismo], do seu ponto de vista pagão. Mas este diagnóstico tem plena validade de muitas outras perspectivas...
ResponderEliminarO que é uma sociedade “bem ordenada”? Tendo em conta a diversidade humana, não sera exactamente a doença que leva à “normalização da anormalidade”?
ResponderEliminarA chacota que aqui tem sido feita a quem ousa fazer perguntas não será um sintoma dessa doença?
ResponderEliminarCaro Paulo,
ResponderEliminarÉ bom lembrar António Mora, o tão pouco conhecido “filósofo” herdeiro das ideias de Caeiro, o que tem, afinal, a missão de comprovar a verdade metafísica e a prática do paganismo “vivido” por Caeiro. Isto talvez já seja suficientemente “louco” para nos fazer acordar da morbidez de que certas épocas e certas “realidades” ou indivíduos, ou sociedades padecem...
De certo modo, dando a mão a Nietzsche, crê-se, empenharam-se ambos(Mora e Nietzsche) em acabar com a metafísica, para chegar a um “para além da metafísica.” Um pensamento positivo necessário por oposição ao niilismo europeu.
A isto subjaz, quanto a mim, a ideia sempre de um afastamento do monoteísmo, indo na senda de um designado e conhecido “Paganismo transcendental” em que, para além dos conceitos específicos dos deuses, é acrescentada a ideia de vitalidade como fundamental.
A este propósito, José Augusto Mourão, a vitalide é tida como fundamental.
“Há que desobstruir a metafísica do cristismo, antes de mais pelo seu "neo-platonismo alexandrino, naquela sua forma mais corrupta e invadida que representam Philão Judeu e, a dentro do próprio christismo, os sequazes da heresia gnóstica" (p. 230). Em resumo: "a substância metafísica do cristismo é ua amalgama de corrupções da inteligência, a que só a tradição do raciocínio grego deu uma certa estabilidade doutrinária e o ritualismo mitraico uma certa sugestão popular". Está aqui evidenciada a relação entre a religião, a metafísica e a moral, suspeitas de inadaptação, logo de morbidez.(ANTÓNIO MORA - UMA PERSPECTIVA NATURALISTA DA RELIGIÃO,José Augusto Mourão
(UNL-DCC)
Sempre a loucura não tem cura nem a gente a procura. (Esta inventei, agora, Paulo!)
Um abraço de Saudades
Diversidade não me parece sinónimo de anormalidade. Quanto à ideia de saúde ou normalidade, decerto que é filha da doença. Quanto à chacota, recai sobre quem a pratica, desde que veja que a suposta realidade é um espelho de quem a percepciona.
ResponderEliminarSaúdo, Saudades, a sua contribuição. Estou a ler o Mora sistematicamente e é um heterónimo fundamental pra compreender "Pessoa". Lastimo todavia a sua incompreensão grosseira do neoplatonismo, do cristianismo, do budismo...
Pode dar-me a referência completa desse estudo de José Augusto Mourão?
Abraço! Já pensava que também andava a fazer greve à Serpente... (risos)
Paulo,
ResponderEliminarPrecisei de ler Mora, aquando da tese... Alguma coisa ainda lembro, pouca. Mas, Paulo, penso tratar-se de uma comunicação num colóquio. Mas parce valer a pena uma leitura atenta, que eu não tive, então tempo de fazer...
Não sei se está publicada. Vai aqui a referência:
http://www.triplov.com/coloquio_4/mourao.html
Mas, claro, sabendo ser a defesa da posição de Caeiro... claro que o platonismo, aí, sofre... nasce outra coisa, parece-me que também não deixa de ser uma visão zen...
mas budista, não me parece!... (sorriso)
Um abraço amigo, Paulo
http://www.thefreelibrary.com/Dionysus+or+Apollo%3F+The+heteronym+Antonio+Mora+as+moment+of...-a0165576539
ResponderEliminar"Apesar da ausencia de obras de Nietzsche na biblioteca de Fernando Pessoa, existem indicios de uma forte influencia, tanto positiva como negativa, atraves de leituras de segunda mao. O seu heteronimo menor, Antonio Mora, parece moldado por uma concepcao popular de Nietzsche, seguindo os heteronimos anteriores ao favorecer um paganismo classico em detrimento do cristianismo, visto como anti-natural. Contudo, Mora afasta-se de varios criticos da epoca da I Guerra Mundial, identificando o militarismo prussiano justamente com o pensamento nietzschiano. Este artigo argumenta que, embora influenciado por Nietzsche, Pessoa tinha uma compreensao limitada da sua filosofia, restrita ao lado dionisiaco e desenfreado da vida, alheia a visao apolinea e optimista da humanidade."
Caro Anónimo,
ResponderEliminarA questão é a seguinte
(também eu ouso fazer perguntas!):
Será uma interrogação uma pergunta?
Ou será apenas, e só ainda, a simples pro-cura da questão, da "questa", da demanda do que (nos) inter-roga realmente tudo e a tudo?
Caso contrário, de pouco ou nada vale "perguntar-se" - como diz - e não interrogar(-se)...
(E, acredite, não há chacota alguma - coisa de que sou incapaz, se bem o seja de ironia, em algum grau medido ou desmedido: há, sim, o devolver da "pergunta", para solicitar a provável questão...)
Quanto mais se desculpa, mais se denuncia … e enterra …
ResponderEliminarPorque acha que a pergunta era dirigida a você?
ResponderEliminarNão me parece que a experiência de Caeiro seja propriamente zen, ao contrário do que pensou Suzuki, que o leu em inglês, traduzido por Thomas Merton!... Há um estudo de Onésimo Teotónio de Almeida que refere isso. Está citado em estudos de "O Buda e o Budismo no Ocidente e na Cultura Portuguesa", oprganizado por mim e pelo Duarte Braga.
ResponderEliminarAgora uma visão zen que não seja budista!? Ou distingue-se visão budista de visão desperta?
Paulo,
ResponderEliminarRefiro-me à "experiência directa com a realidade"... pode dizer-se, mente desperta, olhar não "contaminado", primeiro olhar descomplicado... desperto. Claro que o budismo é o "fundo tradicional" que não interessou a Caeiro - que era avesso à antiguidade fosse do que fosse -nem a Mora, combatente da metafísica, místicisco, cristismo, decadência...
É claro que os deuses iriam voltar, mas outros... não os mesmos. Mesmo os santos... veja-se como Caeiro se refere ao Franciscano...
A experiência com a realidade é que marca aí a distinção - É uma visão estranha até a si mesma, a de Caeiro. Ela é, se quisermos e no limite, exercício de desconstrução...
Sempre Caeiro nos inquieta, Paulo!
Sempre a Saudade no-lo cobre!
Um abraço
Caro Anónimo,
ResponderEliminarNão acho nem deixo de achar que seja dirigida a mim: exprimi apenas o meu parecer quanto ao que aqui deixou escrito "in genere" o fiz! Quem pessoalizou, afinal, não fui eu.
Ou será que apenas aqui se pode comentar aqui aquilo que seja dirigido a nós?
No fundo, o que acontece (ainda) é que o meu caro amigo continua a fazer apenas perguntas.
Será que algum encontrará ou chegará a uma resposta?(se bem que uma "boa" resposta tenha em si o embrião duma nova pergunta...)
Abraço ? (nova pergunta)
P.S. Por outro lado, pela sua reacção, sentindo-se assim "enchacotado", parece que ter alergia a quem seja um tanto mais "afirmativo". Será?
Porquê isso? (mais uma pergunta!)
Há uma diferença muito grande entre ser-se “afirmativo” e usar uma ironia inteligente e chacotear aqueles cuja participação o incomoda ou não acha "digna".
ResponderEliminarÉ uma questão de respeito, tolerância, auto-contenção e moderação do próprio narcisismo.
ResponderEliminarSe bem que a "des-conversa" esteja irremediavelmente instalada (quando não se quer ver, ou se quer ver apenas o que se quer ver, nada há a fazer...), vou fazer tudo o que eu puder para desembaciar o espelho de Narciso. Obrigado.
ResponderEliminarA cada um de fazer o mesmo, no correspondente limite. Certo?
Mutuamente nos veremos, reflexamente, no espelhar da narcisice, mesmo a mais subtilmente travestida.
Prefere essa, Anónimo?
Se me respondeu é porque, lá no seu inconsciente, vê o seu comportamento reflectido no que disse.
ResponderEliminarA ser isso verdade, o mesmo vale para si, Anónimo, não?...
ResponderEliminarA "verdade", como sempre, deve estar algures, no nenhures em que nos (in)compreendemos...