sábado, 10 de janeiro de 2009

Melancolia

"Porque é que todos os homens que foram excepcionais [perittoì] em filosofia, na política, na poesia ou nas artes eram manifestamente melancólicos [...]?"

- Aristóteles, Problemata, XXX, 1.

12 comentários:

  1. Permitir-me-ia perguntar a Aristóteles (se ele me pudesse ainda escutar):

    "Porque é que manifestamente nem todos os melancólicos foram excepcionais [perittoì] em filosofia, na política, na poesia ou nas artes?"

    Salvo erro, não creio que se deva caracterizar ou determinar algo mais vasto por algo mais restrito: o conjunto de todos os melancólicos "que foram excepcionais [perittoì] em filosofia, na política, na poesia ou nas artes" é menor do que o conjunto de todos os melancólicos.
    Logo, talvez uma incidência seja mera fortuitidade e não permita deduzir ou estrapolar daí para uma regra ou uma razão.

    Isto para já não falar do mais evidente mas indefinido e improvável sucesso de apurar e contar "todos os homens que foram excepcionais [perittoì] em filosofia, na política, na poesia ou nas artes".

    Eu, caro Paulo, interrogar-me-ia mais fundamente, se o Estagirita se tivesse questionado substituindo a palavra melancólico por taciturno (na linha, até, de razões que aqui já hoje foram aduzidas para uma certa derrocada das palavras e do dizer, aqui porventura extensivo ao espanto questionante filosófico). Mas, é claro, ele no grego não dispunha de tal palavra, nem do sentido que lhe hoje damos.

    Se bem que se possa até ir ao ponto de aceitar afinidades de sentido entre a "melancolia" (coisa grega) e a taciturnidade (coisa latina), sempre prefiro etimologicamente esta àquela: melas(negro)+ kholé(bílis) não me parece coisa que possa seja inspirador da melhor filosofia, política, poesia ou artes.
    Ironizo, é óbvio.

    Que lhe parece, meu caro Paulo?
    (Aristóteles é sempre um bom digestivo para o pensar: isto, quando não é mais indigesto.)

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  2. "Orgulhoso dos seus feitos, decidiu voar até o Olimpo montando Pégaso, mas Zeus, ofendido, enviou um vespa para picar Pégaso e ele caiu no chão, que por mando de Atena tornou-se macio e Belorofonte não morreu com a queda, mas morreu como um mendigo alejado procurando Pégaso"

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  3. «Os maiores sábios e filósofos caminharam nas trevas da ignorância. No entanto, foram a luz da sua época. Mas que fizeram? Pronunciaram algumas frases e puseram-se a dormir».

    Omar Khayyam

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  4. "Na verdade, a filosofia é nostalgia, o desejo de se sentir em casa em qualquer lugar."

    Novalis

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  5. Caro Lapdrey, não concordo necessariamente com Aristóteles: pretendi apenas introduzir o tema da melancolia a partir de uma das suas mais reputadas referências tradicionais. Recordo contudo haver uma ambivalência da melancolia, sobretudo a partir da sua conotação com a "mania" platónica e com a influência de Saturno, ela mesma ambígua. Veja-se o neoplatonismo grego, que coloca Saturno acima de Zeus, na mesma relação da inteligência ("nous") com a "alma do mundo". Veja-se sobretudo Marsilio Ficino, que pensa, a par de uma melancolia patológica, uma outra, relacionada com a divina inspiração e o "divino furor" (mania) de Platão. Todo o neoplatonismo florentino segue nesta esteira e os desenvolvimentos posteriores são inúmeros, até aos dias de hoje, passando pelo inevitável Dürer.
    Diria que a melancolia estende o seu espectro de afinidades semânticas desde a temível acédia monástica até à moção redentora da saudade. Gostaria de estudar a fundo tudo isto.

    Saudindo.

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  6. Caros senhores malucos,

    Pessoalmente considero-me um doido.
    Será que há aqui lugar para mais um louco?

    Com os mais dementes cumprimentos

    Tarado

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  7. Gosto de vos ler sobre melancolia, acedia, estado taciturno e saudade. Muito mesmo. E releio o Agamben sobre o assunto e leio-vos e sempre aprendo e sempre preencho a melancolia, a acédia monástica ou o estado taciturno em mim?

    Saurindo ou saudindo...também gosto muito das duas versões.

    Bom domingo digo!

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  8. "[...] como é difícil dissociar de um ser a melancolia! Doença subjectiva por excelência, inseparável daquele que possui, ela adere até à coincidência: incurável. Não haveria nenhum remédio a ela? Sem dúvida: mas, então, seria necessário curar-se do seu próprio eu. A nostalgia de "outra coisa", nos devaneios melancólicos, não é senão o desejo de um "outro" eu, que todavia procuramos nas paisagens, nas lonjuras, na música, enganando-nos involuntariamente a respeito de um processo muito mais profundo. Regressamos sempre descontentes e abandonamo-nos a nós mesmos, pois não há saída para uma doença que traz o nosso nome e sem a qual, se a perdêssemos, não mais existiríamos" - "Le Crépuscule des Pensées".

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  9. http://br.youtube.com/watch?v=H6Fsr5odKM4

    Melancolia... Oiçam como Tchaikovsky sente a melancolia. Abraço a todos.

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  10. anónimo: que lindo.

    Paulo: Saturno!
    a primeira vez que ouvi falar em Aristóteles+melancolia foi nas tuas aulas. é - acho que nisso devemos estar todos de acordo - um tema fascinante - até porque certamente nos toca a todos.

    Cioran: fazes-me lembrar aquele livro do Stig Dagerman.

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  11. Disse alguém (não me recordo quem!) que "Loucos são aqueles que me chamam louca, por não entenderem a minha loucura"!

    Afinal o que é isso de se ser louco?

    Não será a loucura não mais que uma linha invisível que nos separa e une uns aos outros?

    Bom domingo :D

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  12. "Nos dias melancolicamente estranhados de Janeiro de cada ano, dormir é também um agasalho.
    Quem não sente a vida,
    da sua vida a verdade?"

    in 'Eu não amo, eu escrevo poemas de amor' de Máré

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