Para a Adama, saudosa das suas fotos
"Isso de mim que anseia despedida
(para perpetuar o que está sendo)
Não tem nome de amor. Nem é celeste
Ou terreno. Isso de mim é marulhoso
E tenro. Dançarino também. Isso de mim
É novo: Como quem come o que nada contém.
A impossível oquidão de um ovo.
Como se um tigre
Reversivo,
Veemente de seu avesso
Cantasse mansamente.
Não tem nome de amor. Nem se parece a mim.
Como pode ser isso? Ser tenro, marulhoso
Dançarino e novo, ter nome de ninguém
E preferir ausência e desconforto
Para guardar no eterno o coração do outro"
- Hilda Hilst, Cantares, São Paulo, Globo, 2005, p.19.
Foi como cirúrgico bisturi (de saber antiquíssimo) que vai sem hesitação nem piedade directo ao que em nós é imo mais ínfero - o "que nada contém" -, que escutei a palavra-cutelo de Hilda Hilst dizer-me que se deve "preferir ausência e desconforto para guardar no eterno o coração do outro": que modo tão preciso de nomear o princípio e a raiz da amicícia, parece-me - o da fome que em pão farto alfim resulta.
ResponderEliminarMal se permita, na verdade, que se nos golpeie o que em nós nada contém, importa precisamente que comamos o que isso não tem dentro, isto é, que o consumamos (no mais ambíguo dos sentidos) até à sua mais extreme mediação das extremidades.
Lá reside (descobri-lo-emos então), sem nome nem endereço, o que mais "somos", afinal: "para perpetuar o que está sendo" tigre para nós - qual fora nosso mesmo rosto, "reversivo, veemente de seu avesso".
E (mais do que tudo) - porque "nem se parece a mim", e porque "tem nome de ninguém" - ser em nós a "impossível oquidão de um ovo".
Fantástico!
Hildíssimo!
Gratíssimo, Antiquíssima!
Rendida ao poema no mais íntimo (e irei repetir-me e repetir) do que em mim é o mais fundo sentir que sou, ou que sinto que é o que entrego como oferenda ao tempo, ao nada, ao oco, ou ao ovo... a pureza da memória... a flor do sal da Saudade. Rendida à clareza do poema, à leitura,à clareira, à letra e marca da pura ausência em mim de pleno e cheio... Lá, onde o desconforto se não conforta, na mesma medida da consumação do nada, guardando no eterno o "coração do outro." Que dor saborosa, Hilda!
ResponderEliminarPorque, na verdade, a nossa alma e o nosso ser, em suas vibrações conhece a sensação de não ser celeste ou terreno o que sente a “impossível oquidão do ovo”. Aqui é um mais, um para além. Grata, Antiquíssima, este eu conheço.
Depois do comentário de Lapdrey, parece-me difícil, amar e sentir tanto este poema, sem as palavras que o mesmo Lapdrey lhes acrescentou. Grata pela sua sempre grandiosa visão. E isso aumentou o meu amor pelo texto, também nele vai o meu sentir.
Obrigada, Antiquíssima, por mo lembrar.
Nem todas as despedidas são belas, nem as inesperadas, nem mesmo as esperadas. Mas, esta... É!
ResponderEliminarObrigada pela partilha deste nada sem nome*
Não: Não é amor, mas até no jogo passam correntes de ar que abalam as peças e as figuras também choram.
ResponderEliminarUm destes dias envio-te uma fotografia a preto e branco. Consegui mesmo captar duas figuras dançarinas nuas num amplexo amoroso na crista de uma onda, no preciso momento em que um raio rasgava o céu. Mas não gastes dinheiro na moldura. Esta fotografia tem uma característica estranha. Desfaz-se à terceira vez que para ela olhares. Não sei porquê. Talvez tu percebas. Logo esta, que até ficou boa!
Grata pelo poema.