"Se velam e oram é para obter de Deus por manha o segredo do seu poder. Pérfidas súplicas as destes revoltados em torno dos quais o demónio se apraz de rondar. Hábeis, dele colhem também por manha o seu segredo, forçando-o a trabalhar para eles. Sabem tirar proveito do princípio maligno que os habita para se elevarem. Aqueles que se desmoronam fazem-no com alguma complacência: tombam não como vítimas, mas como associados do Diabo. Salvos ou perdidos, todos trazem uma marca de não-humanidade, todos se repugnam a conferir um limite aos seus empreendimentos. Renunciam? A sua renúncia é total. Porém, em vez de isso os diminuir e enfraquecer, por ela se encontram mais poderosos que nós, que conservamos os bens por eles abandonados. Aterrorizam-nos, estes gigantes de alma e corpo fulminados. Contemplando-os, temos vergonha de ser homens sem mais. E se, por sua vez, eles nos olham, deciframos as palavras que a nossa mediocridade inspira à sua misericórdia: "Pobres criaturas que não tendes a coragem de vos tornar únicas, de vos tornar monstros". Decididamente, o Diabo trabalha para eles e não é estranho à sua auréola. Que humilhação a nossa por havermos pactuado com ele em pura perda!"
- E. M. Cioran, "La Tentation d'Exister", in Oeuvres, Paris, Gallimard, 1995, p.921.
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