segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

De olhos fechados


Não sei se a alma do tempo é uma floresta escura. Mas sei que às vezes há névoa nas palavras que morrem na boca dos vivos. Nessa névoa densa quem por ninguém chama? A que altar se erguem as mãos dos ausentes da sua mesma ausência? A que ouvidos chegam os ecos surdos de nenhuma palavra? Dizem que brotam de nenhum lugar as flores sem tempo! de onde nascem, então, as sombras dos peregrinos do crepúsculo? De que paisagens se despedem os olhos, se o coração é deserto? Que beleza do mundo se revela, se a não cria o pensamento e a palavra que de si mesma despe a sua dupla nudez? Há uma passagem secreta entre instantes em que a realidade é e não é. É uma passagem estreita, um vórtice, uma direcção sem referência, inextensa e superiormente existente. Onde vivem e de que se alimentam essas palavras, flores de mortalha, ecos de nenhuma voz? O coração deserto é uma língua de fogo. Aturdidos os pássaros chegam à boca do silêncio. Não se levantam as folhas, porque não há vento, e os livros apagados têm as páginas coladas. As coisas fechadas em si mesmas ainda estão por nascer. Dormem as estátuas dos jardins e os quatro anjos seguram as quatro portas seladas. O tempo desligado da memória do ser não tem saída para fora de si. Deus não cria fora da sua morte e o homem morre eternamente na sua criação.

4 comentários:

  1. adorei...o texto embalou-me em melancolia, e reflexão...o final está excelente:"o homem morre eternamente na sua criação."
    qto a Deus, talvez ele crie fora da sua morte...
    obgda pela leitura e bom feriado!

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  2. A criação é a morte de Deus e do homem, a comum transgressão do criador e da criatura?

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  3. Muita poesia, mas pouca doutrina...

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  4. ... É tudo isso, mas poderia ser algo mais ou menos assim, em especulação;

    E se Deus se revelasse em Saudade? Sendo saudade, seria a sombra de si mesmo, projectada no real, a libertar-se eternamente no acto da criação. Sendo Saudade, ele seria a eterna possibilidade criativa que nasce dessa mesma ausência. Assim, Deus só criaria a partir da sua morte, da sua dissolução na própria criatura. Talvez seja essa a razão pela qual continuamos a morrer, porque somos filhos da sombra de Deus; e por isso, continuamos a criar a cada gesto, a cada palavra, a cada instante, a sombra divina que nos anima. Somos essencialmente memória divina. Sem memória, não precisariamos de Deus, vivo ou morto; seriamos nascidos a cada instante, por todo o espaço e para todo o sempre. Conceitos que perderiam, deste modo, todo o sentido e toda a validade. Se Deus não tivesse morrido no momento da criação do mundo, no ponto originário da sua e da nossa criação, não haveria no homem o impulso de repetir o mesmo antigo gesto: o de criar a cada instante, a cada gesto, a cada pensamento, a ilusão da realidade ou tão só a sombra dela, tornada, de algum modo, real. Ouviríamos, então, cegos e mudos, sem compreender, o som Original, a Voz, mas não saberíamos que nome lhe dar. E isso seria Deus. Mas somos Saudade, e chamamos Deus a esse Som fundo, a essa Presença inominável e profundamente real, por não sabermos que nome dar ao esquecimento.

    Um abraço

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