Olha o chão. Não o vê. O olhar transluz. O ombro para onde descai a cabeça não está ferido, todo o corpo está incólume, mas o olhar abandonado é barro húmido a olhar o impossível chão. A profunda saudade levou-o até ali, ao cabo mais finisterra da vida. Parados, os olhos fitam a profunda espessura do tempo, a espiral da errância, o vazio do corpo nu, e a sua vulnerabilidade é alheamento e sombra. Chegou ao limite do fim. Não contorce o corpo nem o rosto, as mãos desenham uma cruz, repousam, seguram-se. Só o cabelo descaído sobre a sombra dos olhos parece mover-se... No pé, os dedos levantados conhecem o movimento de andar sem caminho aonde ir. No cabo do mundo, já não conhece mundo o caminho que não há! Nada há para a frente da distância. Só distância... Talvez só a névoa esbatida da montanha a formar-se... Não há pedra que se abata sobre a estátua do passado. Dela a montanha se formou. Talvez que os pés do desterrado conheçam o movimento para além da passada e do caminho; talvez que o olhar recorde o que ficou do homem e do caminho, mas o que quer que tenha ficado para trás, não o segue o mínimo gesto. É em frente, no fim do fim que é esperado o que há-de vir. Nenhuma pedra o destruirá, pois que não existente, nada do que ficou lhe lhe pertence. O que sabe o desterrado é que o oiro que floresce na terra não é nela que deve procurar-se. Talvez saiba que muitos caminhos andados não são o fim do caminho. O fim está no princípio... na montanha que se avista na distância e que não se sabe se virá, nem quando virá. Porque não é de sua natureza vir ou ir. O desterrado pende a cabeça para o coração. Chegado ao sem espaço e sem tempo, que fazer, senão abandonar em repouso o corpo mais que nu ao som de uma guitarra a nascer na garganta do vento. Ao divino fado. À barca de nenhum lugar...
SIM! SIM! É por isso que a pedra, a estátua e a montanha me fazem lembrar o desterrado.
ResponderEliminarQue bom que mesmo sem falar, e porque não sou só texto, me leiam no silêncio tão fun e mudo do que sou!
Respiro agora com mais conforto. E fecho os olhos e desenha-se um sorriso que só desterrados vêem com os olhos fechados.
gostei mt desta leitura.
ResponderEliminartem uma cadência com um quê de melancólico...e vem a propósito da temática dos últimos posts.
(só acho q deveria haver pontuação por parágrafos, sempre facilita+ a compreensão da mensagem)
estes excertos estão excelentes:
ResponderEliminar"A profunda saudade levou-o até ali, ao cabo mais finisterra da vida. Parados, os olhos fitam a profunda espessura do tempo, a espiral da errância, o vazio do corpo nu, e a sua vulnerabilidade é alheamento e sombra."
e o final, tb:
"Chegado ao sem espaço e sem tempo, que fazer, senão abandonar em repouso o corpo mais que nu ao som de uma guitarra a nascer na garganta do vento. Ao divino fado. À barca de nenhum lugar..."
Bom anjo,
ResponderEliminarnão vejo em ti nada de criticável, mas na tua longa asa deve caber a exigência bela, o exercício complexo da Língua com que a Saudades escreve. Dentro de ti há capacidade para chegar ao difícil. E este blog é belo porque nele se escrevem textos difíceis. Nunca se deve pedir para simplificar o pensamento aos que são belos e bons. É a sua exigência que faz mudar o mundo. Faz mudar cada um de nós. E, querida Asa, tu chegaste lá. No segundo comentário vê-se que chagaste. Ou te aproximaste.
Bem sei, vais dizer-me que é um blog, que há características e regras para quem escreve em blogs. Mas será que as pessoas que por aqui escrevem são "bloguistas", ou serão outra coisa?
A Saudades é a grandeza da Língua e tu és uma asa que pensa e sobe. Não peças para descer...
Recebe o meu carinho e não fiques triste com o que te disse. Pensa nisto enquanto passeias pela praia.
A minha pátria são as línguas que murmuram o indizível que quinto-impera no jejum das palavras gastas. Balbucio a minha gratidão.
ResponderEliminarIsabel,
ResponderEliminarPensei no desterrado, pois que nos pés, no peito, no ventre e coxas e nas pernas é caminho do mundo. Mas na face que fita, no sopro que ondula nos cabelos, na cabeça, é talvez onde melhor se exprime o sonho de Daniel. Sabe que mais, Isabel? Eu também vejo o desterrado quinto-imperial nesse sonho.
Um sopro leve me leva daqui.
nas asas de um anjo,
ResponderEliminarNas asas de um anjo me parece que voei, quando o desterrado me olhou.
Ia dizer que me tinha contado um segredo que logo esqueci. Ainda hoje o procuro e não encontro parágrafo em que caiba o que sinto por ter gostado do que mal disse.
Que importa o que disse mal ou se o disse menos bem. Estou certa de que a língua se não sentiu beliscada, nem eu. Talvez importe que, mesmo sem os parágrafos se terem lembrado de existir, um anjo tivesse compreendido o sentido do texto.
PS.Claro que os parágrafos são importantes e a pontuação facilita a leitura. Estou sempre a dizê-lo aos alunos... Se eu tivesse um tão atento...
Grata pelo seu comentário.
Saudades
Leio as palavras da grandeza da língua e, apesar do comentário ser para um anjo, choro. Cubro o rosto,como se um escultor o tivesse tapado com um pano preto, mas, mesmo coberto, a luz dessas palavras inunda os meus olhos.
ResponderEliminarE... este blogue é belo porque há nele transparências e vasos comunicantes, que, mesmo sem pausas marcadas, deixam que a respiração as leve soltas por aí... Sei que são "poisagens" esses pensamentos. Deixam-se enlevar em línguas tão de fogo, tão fundas e tão carinhosamente belas, que a bondade nelas transparece.
Não são minhas as palavras que escrevo...não sei...não sei... são paisagens, oferendas imperfeitas...
Paulo,
ResponderEliminarA "minha" pátria é o que diz a língua do desterrado. Se ele falasse,emudecia a pátria e imperava o sentido. É na sua essência que me calo.
Um abraço
boa noite, Grandeza da Língua.
ResponderEliminaragradeço as suas palavras mas honro, acredite, o apreço genuíno q demonstra pelas palavras da Saudades.
demonstrou tb um trato doce na forma como se dirigiu a mim, obrgda!
felicidades
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boa noite, Saudades.
anjos somos todos nós, caídos mas erguidos pelo amor.
esqueça então os parágrafos e voe nas asas do pensamento, libertando o seu espírito na captação, quase plena, da essência do mundo.embale-nos nas suas palavras, sempre!
fique bem