Porque sabem que o fogo
Devora a mãe e as palavras que não arrefecem
Alastram pelos rios em chamas
E um combóio vai por entre as labaredas
Abrir novas sepulturas,
Reabrir as nossas valas.
Jurei que o vento havia de alastrar nessas fogueiras,
Mas para o rosto interrogado
Não se calaram os pássaros
Nem suspenderam o tempo, as grinaldas passadas.
Com um caule de sal é que esmagamos a voz,
A voz magnificada entornada em terreno de lágrimas.
Haverá velocidades interiores para corredores
Onde o tempo ainda não chegou.
Esperam-me, sôfregas, as rosas,
E há uma campânula que se abre com veemência
Nas pálpebras dos jarros e das tintas.
Ainda havemos, amor, de atear madeiras frias
E construir espaços ilimitados para os pássaros
Hão-de medir a altura do vento com uma vara de cristal
As rosas entornadas em cima da mesa hão-de escorrer
Pela garganta do ar, servidas de morte
Em grinaldas do vento, ateadas no fogo.
Este poema é magnífico. Deixa tempo de digerir e sabor no gosto da alquímia, no espírito saudade pura.
ResponderEliminarÉ um dom para o tempo de fluir.
Iolanda Aldrei
O poema e a foto, grande foto também!
ResponderEliminarBelo poema e melhor foto!
ResponderEliminarSaudades, o que é para si escrever poesia?
ResponderEliminarInterrogativo, o que é para si interrogar?
ResponderEliminarO que é para vós abardinar?
ResponderEliminarPara mim abardinar é soltar a gabardina em pleno ar.
ResponderEliminarInterrogar é rogar as entranhas das coisas, desabituar-se de saber, penetrar o imo do mundo a surdir.
ResponderEliminarAgradeço aos amigos e leitores.Que me perdoem...vou responder ao interrogativo, pois gostei do seu comentário acerca do interrogar,
ResponderEliminarmas não sei por onde começar, mas não sei por onde começar. Por prosaicas paalvras, o vou fazer. Começo pela infância, não é aí que tudo começa? A casa era alta e dava para uma praça que dava para o mar. Comigo viviam seres de eleição: a minha amada e doce mãe, o meu exigente pai, e um conjunto de seres, numa escadinha de idades, todos crianças, como eu, os meus iramãos. Havia sempre uma avó. Ora a mãe do meu pai, que passava lá grandes temporadas, ora a mãe da minha mãe, que, alternadamente, fazia o mesmo. À mesa eramos doze almas. Cada uma construindo os seus sonhos, fazendo-se gente. Todos diferentes, todos lindos!
Como arranjava eu, menina pequena, um espaço de evasão no meio daquela casa tão animada?... Era uma casa alta, cuja varanda dava para o mar e o mar era a praça. Nessa varanda (lembro-o de forma vivíssima), havia um cadeirão de verga... Pois era aí que eu me entretinha a pensar as palavras com o coração... Depois disso... os lugares podem ser outros... Hoje sou um pouco menos desajeitada para as coisas práticas, mas igualmente distraída, para as coisas que não interessam. Ganhei este hábito de pensar com as palavras. Também lia bastante (hábito de que lamento o quase desparecimento, sobretudo na infância e na juventude). Sinto-me tão bem quando escrevo!... e quando penso, sinto-me tão feliz. Não me canso de dizer que sou uma pessoa simples, que olha todos os seres, sem excepção, com uma imensa ternura. Gostava de saber escrever, como gostava mais que, dentro de cada ser, florescesse um sentimento de bondade e de pertença não a si mesmos, mas ao universo em nós, à centelha que ilumina todos os seres viventes. Este sentimento de religiosidade, não sei se assim lhe hei-de chamar, perante o mistério da existência, e muito para além desse mesmo mistério, é o que celebro na escrita imperfeita dos versos que vou pensando. Como não posso deixar de pensar... não posso deixar de escrever. Às vezes, penso a pintar e a cantar. Mas as palavras estão inscritas no meu pensamento, são também eu, desde que me lembro. Não consigo senão aproximações grosseiras ao meu pensamento do mundo. Mas não me frustro com isso. Sou uma optimista, apesar de talvez não parecer. Quem me dera fazer florir as palavras, em sorrisos, em estrelas... Às vezes, consigo. Fico mais pacificada. Amo a vida, a morte e o amor. Às palavras que vêm ter comigo, não seria justo virar-lhes as costas. As coisas são muito mais simples do que parecem. Gosto da simplicidade. Há quem se inspire na vontade de possuir riquezas, inspiro-me, pois, em pouco possuir. Não me tirem as palavras! Fazem-me falta.
Um abraço a todos e um sorriso:)
Desculpem a quantidade de "gralhas", ia escrevendo muito depressa.
ResponderEliminarAgora não interrogo: agradeço a beleza da resposta.
ResponderEliminarcá para nós, interrogativo ficou a inter-rogar-se... ou como percebeu a resposta deixou de se inter-rogar... nova vida para o interrogativo!
ResponderEliminarCá para mim, andas mesmo abardinado!
ResponderEliminarDesde que a Adama desapareceu não havia uma foto tão boa...
ResponderEliminarCaros comentadores,
ResponderEliminarPara que não haja confusões (o seu a seu dono) lamento informar que apenas sou autora dos rabiscos por baixo da foto. A foto deve ser de algum(a) "intelectual doente":)A sério,não conheço o autor(a). Vou procurar saber. É, de facto, uma grande, grande fotografia.
Caro interrogativo,
Nunca deixe de interrrogar. Claro que percebi que foi apenas uma pausa,agradeço. E, já agora, caro abardinado, nunca deixe de abardinar, faz bem à pele... :)
Saudades
Já agora, que voltámos ao "espírito de rebanho"(ironia dirigida)que nos é peculiar, para o mano Soares e para a Iolanda Aldrei, vai o meu agradecimento. Para os anónimos que gostaram do texto e da foto, "meio" agradecimento. Para os que gostaram de abardinar e de comentar os comentários, estejam à vontade!
Não sei se o frio que está é saudável para a abardinação? Que me dizem?
Tributo ao autor da foto que é( tudo o que se procura, encontra-se)Howard Schatz. Diz ele a propósito das suas imagens:"I want to look through the view-finder of the camera and fall in love: I want to look through my view-finder and see an image I've never seen before anywhere else!".
ResponderEliminarHoward Schatz
Não cesso de gostar cada vez mais desta foto...
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