domingo, 30 de novembro de 2008

"Amanhã, a estas horas, onde estarei" / "Dá-me os óculos..." - derradeiras palavras de Fernando Pessoa, que partiu em 30 de Novembro de 1935

"Acontece-me às vezes, e sempre que acontece é quase de repente, surgir-me no meio das sensações um cansaço tão terrível da vida que não há sequer hipótese de acto com que dominá-lo. Para o remediar o suicídio parece incerto, a morte, mesmo suposta a inconsciência, ainda pouco. É um cansaço que ambiciona, não o deixar de existir - o que pode ser ou pode não ser possível - , mas uma coisa muito mais horrorosa e profunda, o deixar de sequer ter existido, o que não há maneira de poder ser.

[...] o facto é que me creio o primeiro a entregar a palavras o absurdo sinistro desta sensação sem remédio"

- Bernardo Soares, Livro do Desassossego.

4 comentários:

  1. "Dá-me os óculos..." - Palavras terríveis! Será que ele não viu o essencial, aquilo que refere na cultura indiana e que omiti neste excerto, que em absoluto nunca chegámos a existir, que não existimos nem não existimos e que estamos bem-aventuradamente livres disso!?...

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  2. Paulo,

    Ocorre-me em pensamento e em desassossegado gesto, a vã reflexão:
    "Porque os homens só aprendem para
    uso dos seus bisavós, que já morreram. Só aos mortos sabemos
    ensinar as verdadeiras regras de viver.(...)"

    Um abraço saudoso

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  3. Saudades, posso saber como entende esta reflexão?

    Um Abraço não menos saudoso

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  4. Caro Paulo,

    Ainda bem que me faz essa pergunta. Ajuda-me a mim mesma a compreender.O que quero reflectir é que, no seguimento do pensamento desse anónimo guarda-livros, os seus análogos do tempo futuro, sentirão ainda, e do mesmo modo, essa funda incompreensão e também eles, incompreendedores. O que eu quero dizer é que, na estética do desalento, nesse estado de alma, tardará o Encoberto, porque o não se espera.
    Mas Pessoa, como sabemos, viu mais longe do que esse funcionário ensimesmado e terrivelmente lúcido, nas suas divagações. O homem que pede os óculos na hora da sua morte não é só esse, sendo mais funda e alta a sua viagem.
    Será sempre bom lembrá-lo.

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