O poema trágico terá sido cantado, entoado em grito profundo, por quem usava máscara. Porque o coro cantava um poema e o poema transportava um morto que ainda falava. Era uma voz que se ouvia quando a chuva incessante alagava a terrra; quando a aurorora tingia as cores do céu para o ar da tarde que dormia; quando o barqueiro transportava a barca para o outro lado do céu que havia. O poema trágico nascia da boca dos deuses e saía pela boca dos homens. Era a Saudade do Amor, era Psyché a chorar para dentro de um lago. Era o Amor a nascer em Saudade. Nesse poema, a fala dos mortos crescia na palavra dos homens. E o livro fechava as páginas e abria luz por dentro das novas palavras. Talvez o morto cantasse a vida e a soprasse para dentro dos livros novos. Amor conhece essa região onde as pedras cantam e as flores se escondem dos dedos dos homens. São flores de sombra na corrente. O coro segue-as. E as veladores não dormem, sonham. O encontro acontece quando a alme ascende na região dos lagos. A tragédia acorda os que dormem. Dá-lhes a beber o líquido das rosas que tem o efeito de pemitir aos homens uma visita que ilumina e acorda, depois do sono profundo, as faces pálidas da inocência. O beijo de Amor torna imortais os deuses na memória dos homens e devolve à terra a doce memória do paraíso.
Um grito de Cassandra e a tragédia já se escuta na memória dos que a esperam no futuro, mesmo sendo do passado. Como os mortos, que se esperam, em nós que morreremos e nos outros que morreram, no futuro e são de antes do canto. Um morto é um criatura que cheia de aura, abre em nós o fundo sentido metafísico que o mundo profano fecha. Sendo abertura, deixa passar para dentro de nós a experiência de Orfeu. Esses que a fazem sem medo aprendem que o canto é a forma da Saudade. Um poema é uma oração a um morto, porque só o poema pode, enquanto canto sublime, trazer à palavra o rosto com aura de um morto. E fazendo-o presente ascende-o à condição de ser não entificável e, no entanto, ser e ser mais do que ente entre os entes. A poesia é por isso a mais pura metafísica. Sobretudo a poesia trágica.
ResponderEliminarA esta distância, e apesar de ler o texto, Saudades, oiço o teu canto. E canto contigo. Hoje os mortos cantam connosco.
... E a Isabel sabe que o grito fundo de Cassandra se ouve nos dois mundos. Hoje e no futuro os cantos comunicam-se e trazem no rosto sudários antigos e nas mãos palavras
ResponderEliminarpara acender a esperança.
Hoje os mortos passam e cantam connosco. Abrem em vaso sobre a terra as suas lágrimas. Dão voz aos
que cantam e a eles se unem.
Receba e minha mão estendida e o meu obrigada.
O vaso traz sementes que florecem na alma das almas que escrevem. E o jardim virá como uma primavera eterna sobre um corpo pintado com a caligrafia dos mortos. Na minha mão estendida vão violetas, amores perfeitos...flores especiais com que se cobrem memórias de pessoas que se passeiam por outros mundos que não só este. A minha mão estendida tem lágrimas...acabei de limpar os olhos...que viram a paisagem de um rio de partida e de início. Cantemos, ouvindo o rio e a sua quieta melodia...
ResponderEliminarBelo poema, manamaria.
ResponderEliminarOs mortos ressuscitam-nos nas palavras e no canto com que celebramos a sua presença ausente.
ResponderEliminarGrato a ambas pela ressurreição.