"Na minha infância, antes de saber ler, ouvi recitar e aprendi de cor um antigo poema tradicional português, chamado 'Nau Catrineta'. Tive assim a sorte de começar pela tradição oral, a sorte de conhecer o poema antes de conhecer a literatura.
Eu era de facto tão nova que nem sabia que os poemas eram escritos por pessoas, mas julgava que eram consubstanciais ao universo, que eram a respiração das coisas, o nome deste mundo dito por ele próprio.
Pensava também que se conseguisse ficar completamente imóvel e muda em certos lugares mágicos do jardim, eu conseguiria ouvir um desses poemas que o próprio ar continha em si.
No fundo, toda a minha vida tentei escrever esse poema imanente. E aqueles momentos de silêncio no fundo do jardim ensinaram-me, muito tempo mais tarde, que não há poesia em silêncio, sem que se tenha criado o vazio e a despersonalização.
Um dia em Epidauro – aproveitando o sossego deixado pelo horário de almoço dos turistas - coloquei-me no centro do teatro e disse em voz alta o princípio de um poema. E ouvi, no instante seguinte, lá no alto, a minha própria palavra, desligada de mim.
Tempos depois escrevi estes três versos:
A voz sobe os últimos degraus
Oiço a palavra alada impessoal
Que reconheço por não ser já minha."
Sophia de Mello Breyner Andresen, Ilhas
(Foto da Campanha Nacional da Voz - Brasil)
"Escreve numa sala grande e quase
ResponderEliminarVazia
Não precisa de livro nem de arquivos
A sua arte é filha da memória
Diz o que viu
E o sol do que olhou para sempre o aclara"
Sophia de Mello Breyner Andresen, Ilhas
É significativo que, para isto fazer sentido - e como faz! - , se tenha de ter tirado a palavra "Portugal" da expressão de Agostinho da Silva usada como título deste post... Assim se desnacionaliza uma experiência fundamental que é património de toda a humanidade e que só indivíduos, não nações, podem ter e usufruir.
ResponderEliminarSim, acho que o entendo... Portugal aqui, ou aquilo a que nos habituámos a nomear como Portugal, terá de ser como um/a Mãe/Pai... mesmo que neles esteja a raiz do filho, que é a humanidade, com a sua história, cultura (...), terá de se recolocar no seu lugar, que é estar -Ser- para lá disso tudo... e assim dar lugar e tempo ao que lhe é intrínseco, ao infinito inonimável que é.
ResponderEliminarSerá? :)
Fez-me lembrar agora isto - principalmente o verso assinalado:
ResponderEliminar"Inconscientemente me divido
Entre mim e a missão que o meu ser tem,
E a glória do meu Rei dá-me o desdém
Por este humano povo entre quem lido...
Não sei se existe o Rei que me mandou.
MINHA MISSÃO SERÁ EU A ESQUECER,
Meu orgulho o deserto em que em mim estou..."
F. Pessoa
Em realidade "só" há pessoas.
ResponderEliminarPortugal é... o mito.
E no entanto, as pessoas têm passado e é Portugal que continua... Se é mais importante um que outro? O que é um sem o outro?
ResponderEliminarÉ como se fora: as pessoas são as folhas da Árvore, o Sol é Portugal...
ResponderEliminar(Através, inevitavelmente, da Língua Portuguesa)
ResponderEliminarCara Anita, na minha visão no fundo nem as pessoas nem Portugal existem, como entidades substanciais... Mas, nessa comum inexistência, a das pessoas é mais real, porque são elas que concebem a existência de Portugal e de todas as demais nações, são elas que concebem todas as ilusões possíveis, a começar pela de elas próprias existirem... Portugal, a Etiópia, a China, etc., são apenas ilusões de segundo grau.
ResponderEliminarE concerteza a minha visão não pode ser tão distinta da sua - sendo a realidade apenas uma... resta encontrarmos um significado para o que é: existir, ou melhor então, existir como entidade substancial.
ResponderEliminar(um significado comum)
ResponderEliminar"Ex-istir" indica a ideia de ser a partir de ou de ser fora de. Como "entidade substancial" designa uma realidade que exista em si e por si, sem ser interdependente de todos os demais fenómenos e a eles relativa, incluindo ao da sua percepção como tal.
ResponderEliminarÉ uma plataforma de entendimento filosófico, embora em rigor não existam significados comuns, pois todos são relativos à experiência diferenciada de conceptualização do que não é conceptualizável.
Só há pouco tempo descobri esse significado do termo "existir"... existir como entidade substancial é então uma plena contradição, ao implicar que a posição do ser seja simultaneamente "fora" e "dentro"... Nesse sentido pleno concordo que nada exista (ou que só o nada...), no outro, se houver possibilidade de se ser mais rigoroso, trocando-se a palavra "ser" ("a partir de" ou "fora de") por "estar"... já me parece atribuível como à realidade actual.
ResponderEliminarNão?
Tal como - regressando à mesma ideia:
ResponderEliminaro bebé que está no ventre materno, existe? Vive "a partir de"... Como defini-lo em distinção ao viver da Mãe?
Creio que o bebé no ventre materno já ex-iste na medida em que não é consubstancial à mãe, vivendo numa estreita dependência dela, em relação a ela.
ResponderEliminarQuanto ao resto, embora o português tenha a virtualidade de os distinguir, "ser" e "estar" não são tão distintos quanto isso, na medida em que, em português e castelhano, "ser" vem do latino "sedere", que remete para a ideia de estar assente em, em repouso sobre, ou de estar em, o que o aproxima de ex-istir.
A grande questão é o que "é" Isso no qual se é, existe ou está. Descobri-lo é para mim o sentido da vida e creio que só uma consciência individual o pode fazer e mais ninguém por ela, mesmo que, ou precisamente porque, essa descoberta implique a transmutação da consciência individual numa outra consciência, trans-individual. A chamada iniciação, morte e renascimento.
Então mas não disse que a mãe não existe? :)
ResponderEliminarSim, porque a mãe só ex-iste em interdependência com tudo, que por sua vez também não existe em si e por si!... Ou se compreende de uma vez e se acalma a mente ou não vale a pena estar sempre a explicar e a repetir tudo!
ResponderEliminarEstava a tentar perceber o seu ponto de vista... mas devo ter então dificuldades de aprendizagem.
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