domingo, 12 de outubro de 2008

Domingo


Para caber no colo da mãe, o corpo ganha a forma do colo. O colo ganha a forma do corpo. A cabeça inclinada para receber o perdão e os olhos baixos da mãe para cobrir a dor. A história do nascimento de alguém que morre é a eternidade vida da saudade de um colo. É morte renascida. Não abandona a forma, nem o corpo nem o colo. Nem a montanha mais alta se separa do vale, nem o vale mais fundo existe sem o cume da montanha mais alta. Mãe e filho vivem para além da terrena dor. Conhecem-se como se conhece o dentro e fora, o perto e o longe, o próximo e o distante. O Sol e a Lua, a luz e a sombra são Um, para sempre. E o Amor não tem uma dimensão para a vida e outra para a morte, é para além de ambas que se dá a união. É do futuro que chegamos, onde não há o grito nem a separação. É a Saudade que tudo contém no Nada que é. Há uma estrela para além da estrela visível que nos marca o rosto que, sem se ver, arde em tudo o que existe, e em tudo se transforma e se transmuta. É nesse trânsito em que o oculto se revela na chama, e a luz parece vir da própria sombra, que a forma se não distingue do corpo, e a Saudade se une ao mesmo não ser de onde provém.

3 comentários:

  1. Grato pela bela reflexão. Gostaria de a ver desenvolver a teoria da Saudade implícita neste e noutros textos. E gostaria de a ver publicar a sua sábia prosa, estrela que emerge nesta noite de indigência em que aparentemente vivemos.

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  2. "É a Saudade que tudo contém no Nada que é."

    Querida Saudades,

    As palavras são mais, são muito mais, quando entram assim, direitinhas, para o coração. Sem tropeçar, nem hesitar na entrada...

    Há uma frase de que gosto muito e que entrou direita para o meu coração há uns anos:

    "Um ser nunca morre enquanto alguém se lembra dele."

    Ao que eu acrescentei:

    "Eis a prova da tua eternidade"

    É com essa Saudade que me levanto todos os dias da minha vida e é com ela que vejo ou deixo de ver tudo o quem em mim se mostra ou se esconde, mesmo a realidade ou a ficção, mesmo o perto e o longe, mesmo o alto e o baixo, a luz e a sombra…

    No limite, a onda que me traz e me leva, que traz e que leva toda a vida e toda a morte sob todas as formas que se nos aparecem

    Beijos enormes deste mar salgado*

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  3. Sereia,

    Nisto da saudade as nossas almas que bem que se entendem!:) Agradeço esse beijo de mar salgado e as suas palavras são aroma maritimo que me faz bem.
    Obrigada.

    Ao Paulo, já respondi lá para cima...

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