quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Padrão

Esta música embala-me...

"O esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para diante naveguei.

A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.

E ao imenso e possível oceano
Ensinam estas Quinas, que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português.

E a Cruz ao alto diz que o que me há na alma
E faz a febre em mim de navegar
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar
."
Fernando Pessoa

7 comentários:

  1. Temos de ver que o "mar sem fim" ser "português" é uma mera metáfora, que todavia não deixa de inflamar o ânimo patriótico e portanto particularista de muitos.
    O que é interessante, mas ao mesmo tempo perigoso, é esta coabitação do impulso patriótico com o místico. Todavia o valor mais alto que se levanta é, evidentemente, a "eterna calma", nisso que se designa como "Deus". O que será ?

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  2. Mais uma vez, a meu ver, a essência do português é infinita, por isso não há oposição possível a outras nacionalidades, pois ele conjuga em si todas elas.

    O que será?
    Ao se reconhecer quem se é, revendo-se em tudo, a harmonia passa a ser inerente ao viver... digo eu, incumprida que sou, inquieta que me sinto! ...

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  3. A verdadeira essência de tudo é infinita, se entendermos essência como o acto de ser, sem determinações particulares. Se assim a entendermos, não faz sentido falar da essência do português. Uma parte que em si conjugue o todo já não é mera parte. Resulta parcial dizer que só o "português" está nessa condição. É o erro do lusocentrismo universalista, de Vieira a Agostinho da Silva, passando por Pessoa. Tem a mais o lusocentrismo: o seu único resquício de verdade está na abertura, incompleta, para o lusodescentrismo.

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  4. Em rigor não é só o português não... mas cada Homem realiza-se para si mesmo de acordo com o que acredita ser, ou com o que está capaz de se sentir ser. E isso será um ponto para pegar e largar, o que importa não é achar-se em si, é perder-se no Outro. Isto é, o português não tem de ficar a pensar que é diferente dos outros, apenas que pode estar capaz de reconhecer-se como nenhum outro. No fundo, de se igualar à sua natureza original como poucos, não por ser diferente dos outros, mas por ser mais igual a si mesmo.

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  5. Lusíada é ter a essência da luz. Tudo a tem. Ou seja, tudo, sendo "essente" não assenta em si, num em si insulado. Mesmo a escuridão faz parte da possibilidade da patência da luz. "Lusodescentrismo", tirava-lhe o "ismo". Dava-o a comer aos pássaros. Esses são da terra toda e mais do céu. E depois apagava a luz se ela tivesse algum dia sido acesa. E livrava os pássaros da ideia minha de serem pássaros. E arranjava maneira de desescrever estas letras. E escrever isto é acreditar que elas foram mesmo escritas. Quando as escrevi não estava a escrevê-las, estava a ser eu. Por isso, apago o mim do eu. Punho uma vela no centro do eu e largo-o no mar ao sabor do vento. E depois os pássaros, já libertos da ideia de eu os ver como pássaros, beberão as letras. O que provará que o vento não existe. E agora falando a sério: a sério!

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  6. Paulo,
    Isso é muito "à frente"... não sei se cheguei lá... :)

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