O céu jamais me dê a tentação funesta
de adormecer ao léu, na lomba da floresta,
onde há visgo, onde certa erva sucosa e fria,
carnívora decerto o sono nos espia.
Que culpa temos nós dessa planta da infância,
de sua sedução, de seu viço e constância?
Minha cabeça estava em pedra, adormecida,
quando me sobreveio a cena pressentida.
Em sonâmbulo arriei as mãos e os pés culpados
dos passos e do gesto em vão desperdiçados.
Despi-me de outros bens, de glória mais modesta:
restava-me por fim a minha pobre testa
confundida com a pedra, em meio da floresta.
Que doces olhos têm as coisas simples e unas
onde a loucura dorme inteira e sem lacunas!
Agora posso ver as mãos entrecruzadas
e as plantas de meus pés nas entranhas amadas,
nesse início que é clara insónia verdadeira.
Ó seres primordiais que sois testa e viseira,
restituo-me em vós, sangue e máscara vividos,
desejo de esquecer tempo e espaço existidos;
e em vós e em vossa paz meus solilóquios paro-os,
penetro-me do Verbo em seus silêncios claros,
invisto-me de vós, vossa fronte me espia
através dessa pedra em que nasce o meu dia.
- Jorge de Lima, Invenção de Orfeu, I, XXII, in Poesia Completa, organização de Alexei Bueno, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1997, pp.525-526.
De que fala este poema? Alguém me explica?
ResponderEliminarIntrometida como sempre... a meu cego ver é que há um poema vivo ali fora, chamado Mãe-Natureza, que somos nós.
ResponderEliminarE calo-me que isto já não são horas, o meu poema agora é o do sono.
Eu não sei. Se alguém descobrir pode partilhar?
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