quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Da Vida encoberta na doença da suposta normalidade - I

"O quarto onde me encontrava dava para o pátio das traseiras de um lote habitado por negros. Os edifícios eram decrépitos, o solo juncado de tábuas, trapos velhos e detritos. Subitamente, cada objecto no meu campo de visão assumiu uma forma de existência com uma curiosa intensidade. De facto, todas as coisas se apresentavam munidas de um "dentro" e pareciam existir do mesmo modo que eu mesmo, com uma interioridade própria, uma espécie de vida individual. E, vistas sob este aspecto, elas pareciam todas extraordinariamente belas. Havia aí, no pátio, um gato que, de cabeça erguida, seguia preguiçosamente o voo de uma vespa que se movia, sem verdadeiramente se mover, exactamente acima dele. Uma mesma tensão vital animava o gato, a vespa, as garrafas partidas... todas as coisas se avermelhavam com um brilho que emanava do interior delas mesmas"

- N.M., testemunho oral recolhido em W. T. Stace, Mysticism and Philosophy, Londres, Macmillan, 1960, pp.71-72 e republicado em Michel Hulin, La Mystique Sauvage. Aux antipodes de l'esprit, Paris, PUF, 1993, p.36.

3 comentários:

  1. Será a normalidade um estado alterado de consciência? Seremos normais?

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  2. A normalidade, em termos relativos, é a bengala para os cegos da totalidade; a desculpa para a boçalidade; a mordaça para a criatividade...Em termos absolutos, não há normalidade, tudo é inteiro!

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  3. Ana...
    Brutal!

    Só um pequeno problema... matematicamente, a norma pode ser traduzida por uma fracção aquando de um número não inteiro finito e, em termos absolutos, não o ser, ou seja, é relativa quando expressada por uma dízima infinita.
    Mas a matemática não explica tudo!
    Portanto... é um problema!
    Acho que o eu quis dizer foi o mesmo que disseste... Pois... relativo, absoluto... disse a mesma coisa! :)

    Paulo,
    o que escapa nesta passagem, e penso que seja também um dos propósitos, é ou melhor são... os vidros partidos...
    Qual a sua interioridade?
    Que brilho é esse aqui referido?
    Há o "brilho" da vida aqui expresso... o caos cada vez mais instalado em redor dos menos e manifestação do divino (do belo), aqui "escondido" pelos raios do Sol que avermelham e antecipam a mortalidade do dia, da vida, do tempo... reflexos da desordem simbolizada por uma garrafa partida, que em si encerrou tudo o que foi.

    É uma abordagem caótica!

    Um abraço.

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