Vittore Carpaccio
Italian painter, Venetian school (b. 1472, Venezia, d. 1526, Capodistria)
Italian painter, Venetian school (b. 1472, Venezia, d. 1526, Capodistria)
Meeting of the Betrothed Couple and the Departure of the Pilgrims
1495
Tempera on canvas, 280 x 611 cm
Gallerie dell'Accademia, Venice
Tempera on canvas, 280 x 611 cm
Gallerie dell'Accademia, Venice
A Santa Úrsula
(...)Estando neste porto a bela armada
Tomando o necessário mantimento,
Pera poder seguir sua jornada,
E dar terceira vez o treu ao vento;
Sendo parte da noute já passada,
A Virgem lá no seu retraimento,
Quando estava dormindo toda a frota,
A Cristo orou assim, branda e devota:
— Amor, divino Amor, Amor suave,
Amor que amando vou toda rendida;
Com quem não há na vida pena grave,
Sem quem glória real não há na vida;
Amor, que do meu peito tens a chave,
Amor, de cujo amor ando ferida,
Quando verei, Amor, o que desejo,
Pera que veja, Amor, o que não vejo?
Amor, que de amor cheio e de brandura,
D’amor enches est’alma saudosa;
Amor, sem cujo amor e fermosura,
Não pode nunca haver cousa fermosa;
Amor, com cujo amor anda segura
Uma vida tão fraca e duvidosa,
Quando verei, Amor, o que desejo,
Pera que veja, Amor, o que não vejo?
Amor, que por amor te dispuseste
A restaurar o mundo errado e triste;
Amor, que por amor do céu desceste;
Amor, que por amor à Cruz subiste;
Amor, que por amor a vida deste;
Amor, que por amor a glória abriste,
Quando verei, Amor, o que desejo,
Pera que veja, Amor, o que não vejo?
Amor, que mais e mais sempre te aumentas
No coração que lá contigo trazes;
Amor, que de amor puro te sustentas
No fogo em que tu mesmo arder me fazes;
Amor, que sem amor não te contentas,
De tudo com amor te satisfazes,
Quando verei, Amor, o que desejo,
Pera que veja, Amor, o que não vejo?
Amor, que com amor me cativaste;
(se livre pode ser quem não cativas)
Amor, que em tais prisões m’asseguraste
As esperanças dantes fugitivas;
Amor, que suspirando m’ensinaste
A derramar por ti lágrimas vivas,
Quando verei, Amor, o que desejo,
Pera que veja, Amor, o que não vejo?
Quando verei um dia em que ofereça
Por ti ao cruel ferro o peito forte,
E cercada de virgens apareça
Na tua soberana e eterna corte;
Onde lá cada uma te mereça,
Cá passando comigo a própria morte;
E todas dando o sangue juntas, todas
Celebremos contigo eternas bodas?
Fazei-me já, Senhor, esta vontade
Que tenho de te ver, que sempre tive,
Dês que me deu lugar a tenra idade,
E lume de rezão nesta alma vive,
Não queiras, meu Amor, que a saudade
Sem tal bem a mi só da vida prive;
Que se muito se alarga este desterro,
Por ela irei a ti, não por o ferro.
Desata o meu espírito saudoso,
Do nó mortal em que se vai detendo,
Primeiro que três vezes pressuroso
O Sol os doze signos vá correndo.
Espaço é que tomei, meu doce Esposo,
Pera outro esposo meu ir entretendo:
Mas a meu amor crendo, de ti creio
Que acabes com a vida meu receio.
Inda neste fervente e justo rogo
Úrsula suspirando procedia,
Quando dum resplendor como fogo
Divina voz ouviu, que assi dezia:
« Ó virgem, que soubeste fazer jogo
Do que no mundo tem valia,
Entende que da volta que fizeres,
Aqui quero que seja o que tu queres.»(...)
Luís Vaz de Camões
E assim por Amor a divina saudade faz jogo do que no mundo vale ! Magnífico ! E magnífica a conjugação de verbo e imagem que aqui trazes ! Graças !
ResponderEliminarAcordo tarde e logo mui rendida. E hoje sinto Senhora, que ao ler-vos faço uma oração ao Divino e Saudoso Amor.
ResponderEliminarPara pensar que toda a oração devia ser um rasgo intenso de sentimento, beleza e pormenor. E sempre, sempre esta visão da cor e da soberania do gesto e ou esta visão do que se não vê.
Aqueles que oram olhando o mundo, não oram religiosamente, oram talvez só pletórica e retoricamente.
Leio esta oração e divina poesia e sinto logo que no mundo ando perdida...e nada há que em mim suplante esta alegria: saber que não sou daqui.
Também graças te dou!