CALOR
o homem disse
a propósito de Mercado
ser a situação actual
bastante introgessiva
nem o homem sabe
seguramente o que dizia
nem eu sei
nem nunca saberei
o que é
introgressivo
a palavra contudo
me parece clara
e me agrada
e a sinto perfeitamente adaptada
ao tempo que faz hoje:
mais de quarenta graus de temperatura
o sol a reluzir no céu
como no guiador cromado
de qualquer
nossa primeira bicicleta
os pássaros calaram-se nos galhos
sombreados dos freixos e dos choupos
nas oliveiras cinzentas
nem as cigarras cantam
como se o calor
lhes tivesse impiedosamente
derretido as asas
procuro nos poetas gregos:
Arquílogo de Paros
Ìbico de Régio
em Safos natural de Lesbos
a palavra exacta
que defina
este insuportável
desarranjo meteorológico
posso associá-lo
vagamente a Vulcano
ou à fusão do átomo
ao efeito de estufa
nada porém que me diga tanto
como o insuspeitado introgressivo
do homem
a propósito de
Mercado
sendo que
não poder sair à Rua
é um estado
indiscutívelmente introgressivo
não me resta outra saida
que não seja:
despir a alma
e pendurá-la num cabide
onde corra
um mínimo de aragem
e deixá-la assim a abanar
inflada como vela de pequeno barco
T-shirt de Ulisses
que o conduzisse
de regresso
a Ítaca
é penosa
a estação e tudo
esmorece com o calor
disse Alceu de Mitilene
há pelo menos
dois mil
e setecentos anos
isto
pelo facto simples
de não ter sido ainda
a propósito de Mercado
criado o inefável
vocábulo
INTRO
GRESSIVO
Gostei. Fiquei com alma também pendurada em Platero
ResponderEliminarestou à beirinha de abandonar Serpente Emplumada
ResponderEliminarsinto-me um herege que blasfema aos berros num templo cheio de crentes
não me sinto no direito de perturbar a paz de quem medita
Caro Amigo, por mim agradeço que seja herege, blasfeme e berre à vontade e o mais possível. Este blogue serve para isso mesmo, embora esteja numa fase em que parece predominar uma outra sensibilidade. Mas isso só depende de quem publica. Tenho apreciado os seus poemas, embora me falte tempo para os comentar e a muitas outras coisas aqui publicadas.
ResponderEliminarcaro Paulo Borges
ResponderEliminargrato pelo empurrão. não o de ao bêbedo em direcção à porta da Taberna,
o que é dado ao ciclista exausto nos últimos metros da subida da Senhora da Graça
Platero,
ResponderEliminarEntão, amigo?? Só agora vi o teu comentário...
Os teus textos carregadinhos de humor corrosivo, a tua heresia e a tua blasfémia fazem falta a este ar que respiramos. Já cá estás, proveita-o, se te agradar, claro.
Blasfema e berra à vontade, como diz o Paulo. Este espaço parece ser um bom lugar para tudo acontecer. Tens cá alguns amigos, e depois, tu és um anjo, sabes disso, não sabes?
Abraço forte