"Antes do primeiro olhar clarividente (que pode nunca surgir) o eu mistura-se ainda com a coisa olhada. Ao primeiro olhar crítico, abre-se a clivagem entre a consciência de quem olha e a presença do que é olhado: evidência da Coisa, e de um Eu soberano perante a Coisa. A inquietação sobrevinda compele a que se procure instaurar um conhecimento; a opacidade que se oferece ao espectador pode incitá-lo a procurar a ideia de Deus.
[...]
Sem errância e distracção profundas, cada humano estaria em sobressalto desde a manhã de cada dia até à noite, e da infância até à morte, tão grande é o abismo junto do qual caminha. A ideia de Deus, e com ela a concessão da sua existência, atributos e exorbitantes poderes, permite que decline o estranhamento do Eu perante a Coisa, e o sujeito, liberto da aflição de se saber algures, recaia no estado de indiferente coexistência com o mundo. O mesmo acontece com os mitos fundadores, no seu poder curarizante (apesar de ingénuo recorte arcaico) da angústia da existência" - António Vieira, Improvisações sobre a Ideia de Deus, Lisboa, & etc, 2005, pp.7 e 15.
Não concordo plenamente com este interessante pensador (pois não me parece que seja clarividente o olhar que separa sujeito e objecto), mas interessa-me que veja o surgimento da ideia de Deus como um exorcismo e uma pacificação do estranhamento do eu perante o estar-aí perante o mundo. Admito que se implique aí a origem da ideia de Deus, mas também constato que a palavra "Deus" designa muitas vezes o inominável que se pressente ou recorda "antes" do suposto olhar "clarividente e crítico", antes do "pecado" ou "ilusão" criadora (Pascoaes) que nos faz nascer como alguém perante algo, cindindo-nos do Abismo pré-originário. O impulso metafísico pode ser então compreendido como assunção do "sobressalto" que nos resgata da "errância e distracção profundas" da mundaneidade soporífera e entediante, como a saudade vertical que é a contrapartida positiva do "remorso" da "culpa" de (crermos) estar aqui, sujeitos à factualidade. Por ela se revela que "a cada instante estamos a tempo de nunca haver nascido".
Não é a própria busca do sentido da existência e da vida a procura de um mito fundador que nos alivie desta estranheza radical de estarmos aqui ? Temos fome e sede de ilusão que nos preserve do abismo ou, pelo menos, da inquietação de sermos...
ResponderEliminarSim, Portugal é a fonte do mundo para matar essa sede de mitos! (Ou pode ser a principal...)
ResponderEliminarQue nos despertem de uma ilusão fantasiada para uma ilusão verdadeira!
ResponderEliminarrespeitando a interdependência entre elas, ilusão e verdade...
ResponderEliminarAcho que fui mal compreendido... A busca deste mito fundador, a fome e sede de ilusão, são a nossa droga, a distracção e o anestésico desta "estranha forma de vida" que é existir...
ResponderEliminarSe Portugal fosse a principal fonte do mundo para tal (o que não creio), era melhor dinamitarmo-nos !
Pois e o que há a buscar para lá do mito? o amor não é um mito? a poesia? cada homem? o que pode dar sentido à vida que não seja o que ela própria representa?
ResponderEliminarAo negar o sonho ao povo, ele sonha o mito que esteja mais acessível...
Só a crença é eterna; o objecto de qualquer crença é efémero, se o próprio sujeito tal como ele é está condicionado à ilusão de si...
ResponderEliminar(condicionado ao tempo e espaço que o seu ser toma)
ResponderEliminarA ideia de Deus não é pacificadora. Como pode ser pacificadora a ideia de algo que procuramos e procuramos, sobre o qual especulamos, imaginamos, infindavelmente, sem nunca encontrar? Como pode ser pacificadora a ideia de que existe algo que, acima de nós, sobre nós legisla? Que nos julga e condena? Que tem um plano para nós? Algo com o qual eu penso comunicar, durante uma vida inteira, sem, no entanto, nunca saber, nunca ver...? A ideia de Deus é angustiante. O Homem é mais feliz e mais livre sem Deus. Respira melhor, um ar mais fresco e sadio.
ResponderEliminarOu isso ou fundires-te com Ele, "mergulhares" nEle como já alguém disse... que dá no mesmo, confiando nEle, sabendo-o como algo tão íntimo de ti... que não seja possível ser visto como separado.
ResponderEliminartumulto... quanto ao meu engano do que tu disseste, realmente a gente tende sempre a ler o que quer ler... :P
ResponderEliminarcada um é uma excepção a uma regra que não existe... como já foi dito...
ResponderEliminarMergulhar nessa ideia não é mais do que mergulhar no lodo das minhas fantasias. Cada um tem a sua. Melhor, melhor, é mergulhar no mar fresco!, sentir a areia no corpo, ouvir os passos das minhas sandálias solitárias no monte, ao fim do dia, por entre a mística do mundo, fundir-me com as sombras que tocam nos prados e nas planícies... liberto de mim e das minhas metafísicas, aliás, de qualquer metafísica... ilusões...
ResponderEliminarsim e mergulhas noutras... mas com essas tuas imaginas e sentes, com as outras imaginas e pensas... :P
ResponderEliminarou com essas vives o que sonhas, com as outras sonhas o que vives...
ResponderEliminare eu não discordo contigo... sim tudo o que se vive são imagens...
ResponderEliminarNão necessariamente. Podes sentir as outras, desde que as interiorizes, que realmente concordes com elas, que as tomes como se fossem tuas. O problema é que, mesmo com as nossas, não vivemos o que sonhamos, apenas vivemos nessas ilusão, na ilusão de que o mundo é como nós o concebemos. Como pode alguém saber que uma determinada teoria metafísica está certa? A meu ver, não pode. Torna-se, então, uma questão de fé, curiosamente. depois é vê-los em busca de argumentos que justifiquem as suas conclusões... Em certa medida, e não me pejorem por isto, ou se quiserem façam-no, começo a pensar que aquele título de uma música dos Ramones, "Ignorance is Bliss", faz sentido, pelo menos no que refere a essas prisões especulativas, esse movimento para dentro que efectuamos, esse recolher, recolhimento, "o retorno é o movimento do Tao", etc. Descontentamento com o mundo?
ResponderEliminar"Tudo o que se vive são imagens".. sim, um dia terá sido, penso. Imagens, sons, cheiros... recordações... "sim eu sei, que tudo são recordações, sim eu sei, é triste viver de ilusões". Eheh
ResponderEliminarestás a tomar a palavra imaginar num sentido que a faz ser indesejável... mas quando se entende que tudo é passageiro, que tudo o que é vivido é representado através de figuras, objectos, assume-se essa inevitabilidade de imaginar... e brinca-se a sério à vida... vive-se!
ResponderEliminartudo o que vês são imagens físicas... nada do que vives É o que vives... está a ser representado através da matéria...
ResponderEliminarde máscaras...
e só deixa de ter piada quando nos deixamos enganar de que a vida é mais do que isso: uma fábula da matéria...
ResponderEliminarir buscar o amor fora ou dentro... o amor é a ligação entre os dois... parece é que nascemos de dentro para fora por isso querer que o ânimo do amor nasça de fora para dentro não passa de querer que a terra roda agora ao contrário...:P
ResponderEliminarÉ que vivi muito tempo a imaginar... um dia cais na realidade, e tens de enfrentá-la, encará-la. Claro que encará-la não implica que te submetas, pelo menos em relação a alguns aspectos... confesso que neste momento não sou grande adepto da imaginação, embora já tenha nutrido por ela um grande amor. Temos tendência para amar e odiar, é difícil não escolher, não tomar partidos, etc., e, por isso, muitas vezes só olhamos para um lado da questão. E por isso erramos. Melhor, melhor, seria deixar tudo em aberto: nem isto, nem aquilo.
ResponderEliminarTudo o que vivo é o que vivo, inclusivamente as alucinações. Isso de por nascermos de dentr para fora e logo o amor ter de nascer de dentro para fora é uma simplificação. Digo-te até que, muitas vezes, o amor nasce de fora para dentro: do outro para mim. Uma fábula da matéria: metamorfoses... I dunno.
ResponderEliminarpois mas acabaste de tomar partido, disseste que "cais" na realidade, partiste a realidade do sonho...
ResponderEliminaresse conceito de imaginação está incompleto, como o conceito de metáfora e de sentido figurado...
a vida é isso tudo, literalmente...
Ao dizer que caí na realidade não estou a tomar partido mas, apenas, a constatar um facto. Sim, a vida será, em princípio, para cada um de nós, tudo o que chegar à sua consciência. Mas que sei eu? Conjecturas.
ResponderEliminarsimplificação, pois é sempre a história de não querer ver o evidente... (arrogantemente falando...)
ResponderEliminaro que vives não É o que vives, senão ficava a ser, apenas está a ser... devido ao tempo e espaço limitados
um facto? um facto que logo se contradiz a si próprio por se alterar... o que é um facto? o que fica ou o que foi?
ResponderEliminarrealidade é um conceito inventado pelo homem... a vida balança entre dois pólos, a ausência e presença... o sono e o sonho... o real é uma "parte" incluída da vida ou do sonho, quando o homem passou a ter consciência; o que é o i, o número imaginário? se há só realidade por que é que se criam números não reais para a explicar?...
ResponderEliminarÉ simplificação, ver as coisas onde elas não estão. O que vivo é o que vivo, é lógico. E fica a ser: não é desde sempre: começa a ser e deixa, em certa medida, de ser. Não é o facto que se contradiz e si próprio, mas um facto subsequente que o contradiz. O que é um facto? Boa pergunta: algo que pensamos ser evidente, certo, que vimos ou por exemplo deduzimos. Claro que podemos pensar que algo é um facto embora possa não sê-lo. Por exemplo, para muitas pessoas a existência de Deus Todo-Poderoso e Consciente é um facto. O que é curioso é que justificam-no, muitas vezes, como já ouvi, com factos, por exemplo o Sol ter aparecido fortemente por ente as nuvens após terem pensado em Deus, ter parado de chover numa situação semelhante por entre grande intempérie, etc. Ou seja, essas pessoas estão a dizer, no fundo: é um facto proque há factos que o justificam. Por isso, a sua noção de facto é a de evidência, sensação, ver, etc. A realidade não é um conceito inventado pelo Homem, porque a realidae não é um conceito, mas antes algo que tem de existir para que exista Homem. O Homem também é realidade.
ResponderEliminarentão o Homem se é realidade, é objectivo, certo?
ResponderEliminarcomo objectos que somos deixemos então de pensar de vez.
ResponderEliminarO que pensas é legítimo; pensares é que não é... :P
calo-me, então, torno-me objecto - antes que me torne abjecta, senão for já tarde...
ResponderEliminarÉ objectivo e subjectivo.
ResponderEliminar(não, se dizes que ele é realidade, dizes que é objectivo)
ResponderEliminarNem toda a realidade é objectiva. A minha realidade mental é relativa a mim, sujeito, por isso é subjectiva. Não deixa de ser real. Uma nota de que me lembrei agora: Catarse - objectivar a subjectividade?
ResponderEliminarIsso é uma contradição... a definição de realidade é objectividade... como é que parte dela é subjectiva? como é que parte dela é o seu oposto? é como um homem que tem metade do corpo feminino... :P
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarNão é uma contradição. A definição de realidade não é objectividade, mas existência. A meu ver. Imagina que a realidade é como um tabuleiro de xadrez, onde coexistem o branco e o preto, não deixando por isso de existir nem um nem outro nem o tabuleiro.
ResponderEliminar"realidade, s. f., qualidade do que é real; o que existe de facto;
ResponderEliminarobjectividade; certeza" então melhor será rectificar os dicionários porque leva a equívocos...
Objectivamente, a subjectividade existe, é real. Penso. Todos podem comprová-lo, é intersubjectivamente verificável, etc.
ResponderEliminarPara mim, realidade é aquilo que existe e, se a subjectividade existe, então é tão real como a objectividade. Para mim, a minha, existe objectivamente para mim, porque posso tomá-la como objecto, o que já é mais difícil para ti, porque não podes entrar - acho eu! - na minha mente, e o inverso é também verdade, parece-me.
Mas esta definição de realidade é fraca, porque constanta apenas que é o que existe, mas não diz o que é verdadeiramente o que existe, quais os seus constituintes últimos, se os ou o há, o que é isto tudo, por que existe tudo isto, etc.
mas para quê saber isso tudo? não te chega a realidade das formas?... :)
ResponderEliminarA realidade da música, por exemplo, não é a realidade das formas, embora o som seja físico, etc.
ResponderEliminarPara quê saber tudo isso? Boa pergunta.
eheheh atingimos o auge -pra mim- eheh... ;)
ResponderEliminarinté.
See you later, alligator.
ResponderEliminarÉ pá, grande conversa à janela !... Entretanto o post lá fica esquecido...
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