sexta-feira, 6 de junho de 2008

A ausência

Alberto Caeiro (Fernando Pessoa) representa a Eterna Criança que o homem adulto se esqueceu e que por isso não a entende - ou adormeceu para ela, achando-a insensível. Mas a criança não é insensível, ela não distingue o que vê, para ela tudo faz parte dum mesmo, porém, como o adulto leva só a sério o que vive, não integra. Enquanto se separar o inseparável, continua-se a lutar contra um mesmo.
Não é que o mal do mundo lhe dê um contraste bonito, a nossa visão é que primeiramente faz ver bem e mal como puramente distintos e eles são puramente o mesmo - parte dum mesmo. O principal -voltar ao princípio- não é detectar e condenar o mal, é passar a ver o todo junto, porque só junto ele existe. O que importa mais não é o que está é o que é, ver separando é perpetuar um estado, o estado de algo altera-se através da inter-relação com as outras partes e não com o corte. Cortar o mal do seu meio, do bem, é mantê-lo "morto", é não o deixar renovar-se; porque o que o faz parecer diferente do bem é a sua própria ausência - como a noite do dia.

A criança é insensivelmente sensível, o adulto é sensivelmente insensível.

7 comentários:

  1. Acho que se idealiza demasiado a criança... Se as crianças fossem tão livres, inocentes e sensíveis como se diz, pura e simplesmente não nasciam ou não nasciam carregadas já de todas as tendências que se desenvolvem naturalmente até fazer delas os adultos futuros... Não nasciam egoístas, invejosas e conflituosas, não tinham prazer em esmagar insectos, apedrejar ratazanas, afogar lagartixas, andar à fisgada aos pássaros, como tantas vezes vi fazer na minha infância...
    A infância e a criança de que tanto se fala na nossa cultura próxima (Pascoaes, Pessoa, Agostinho da Silva) é um símbolo ou do que há antes do nascimento ou duma possibilidade de consciência e experiência de que um certo adulto está mais próximo do que a criança etária que tanto gosta de brincar a ser adulto que acaba por nele se tornar sem dar por isso... Convém estarmos conscientes disto, para não nos fecharmos no mundo cor-de-rosa do infantilismo psicológico.

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  2. Quando se fala a Criança -ou eu falo- refere-se ao que ela significa originalmente, não exactamente o que ela depois se vai transformando ao crescer pela interacção com este mundo.
    Fala-se daquele ser indiferenciado, em estado puro e de união com tudo; analisar o que elas passam a ser -a estar- está condicionado ao olhar de cada um de nós...
    É por certo, esta noção de Criança, uma idealização, também como podemos nós entender o mundo a partir da mente que não seja a partir de ideias - idealizando?
    Para não idealizar é preciso não pensar: é sentir, que seria o mais perfeito "ideal"... penso eu...

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  3. Criança original, pura e incondicionada - mero símbolo da natureza primordial da mente - , todos em nós a temos, crianças, adultos e velhos, encoberta pelos nossos conceitos e emoções dualistas. Nalguns casos é em crianças, noutros quando somos adultos, noutros quando envelhecemos, noutros quando morremos, que a consciência se abre um pouco mais a isso, de diferentes modos. Não creio que as crianças estejam sempre e necessariamente mais perto disso, porque tal transcende qualquer condição da existência e nascer, se não for voluntariamente, para ajudar os outros, implica sempre ter de algum modo morrido para isso...

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  4. Símbolo? O que há na vida que não seja símbolo - do ser que se representa?
    Se não é a criança que ajuda a humanidade, não sei quem é...
    o adulto alienado de si...

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  5. Anita,

    O que, a meu ver, Pessoa/Caeiro vê, não é o nosso esquecimento é a nossa distracção.
    A Eterna Criança que aponta o dedo para a direcção do nosso olhar, não é apenas a criança que come chocolates ou o homem que passa e é perfeito, do lado de fora, no movimento das suas pernas ao andar. O que Alberto Caeiro repetiu durante a sua curta vida foi que a Natureza não se pensa a si mesma. Uma pedra é completa na sua forma, tal como as bolas de sabão o são na sua “aérea” e redonda perfeição. O que Caeiro nos ensina é a aceitar a nossa humanidade e a realidade sem as questionarmos e/ou a apertá-las nos limites do conceito, da definição. O que Caeiro possui é uma visão da realidade completamente virgem de outras imagens que pensam ou tenham pensado essa realidade. Não há tempo, não há plural: «não há renques de árvores”, como afirmava Pessoa. Há a Realidade. Mas esta realidade é uma outra realidade mais real, despida de ideias. Ela não precisa de nós para existir. O que Caeiro diz é que a Natureza de Francisco de Assis é o oposto da sua Natureza. Para ele, a Natureza não tem “intermediários” e o homem não é mediador ou anjo, tão só homem natural a esverdecer. Aceitação. A Natureza: as aves, os pássaros, as pedras, não têm lado de dentro nem de fora, elas são como esferas, completas em si mesmas. O desaprender a que Caeiro constantemente nos convida, não é um voltar a ser ou um ter sido, é um a-ser. Nesse instante, o mundo ganha nitidez, verdade e perfeição existente. Partes sem um Todo. Ou se quiseres o Todo de cada coisa. Era isto que ele pensava e disse nos seus filosofemas. Por isso era o Mestre da graça natural e o mestre de todos os discípulos, incluindo o Pessoa ortónimo.
    Mas o processo criativo de Pessoa é complexo, não podendo ser visto na sua parte, pois isso seria tornar a dividir. Pessoa era um dedutivo. A sua obra, que quis como a de um ser vivo e existente (coisa que ele não era) não pode, afinal como tudo, separar-se do Todo. Foi isto que ele disse e fez que fosse verdade. Em ficção, claro. Para que cada coisa seja Tudo,há que ter sido Nada. Caeiro surge por oposição a esse «Ninguém» que Pessoa se sentia ser.
    A meu ver, a obra de Caeiro é a de um Mestre. Tal como foi criada.

    Um abraço
    Um sorriso:)

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  6. Caeiro é divinal de tão pagão.
    Vai-se aprendendo... a voltar a ser criança, a ser autêntico, pleno homem, Deus.

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  7. voltar ou "a-ser"... p'ra Ser - unido ao estar, enfim.

    A vida é sonho, renasçamos com ele.

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