quinta-feira, 12 de junho de 2008

Antiquíssima

Sou a mais maldita e sagrada das coisas,
santa e puta, cega e louca.
Amo todos os homens:
seus falos inundam-me a boca.

Mulheres também consagro
no vórtice da língua em espiral:
mães, filhas, anciãs,
a todas devota abro
num sacro furor divinal.

Mais que tudo amo Deus,
de meus filhos o derradeiro:
dele o mundo gero
e a ilusão o faz primeiro.

Sempre a todos e tudo toda me dou.
Transmudo infernos em jardins
num baile de ancas voluptuosas,
seios agudos, grutas sem confins.

Quem em mim entra jamais me esquece,
íntima estranheza o abraça:
não mais algo ou alguém se conhece,
animal, homem, deus trespassa.

Quando ouvires do fundo das coisas
um choro subir como um riso infinito,
prepara-te, ó bem-aventurado,
pois por mim escolhido és
para súbito romper o destino
num pasmo, numa fúria, num grito !

12 comentários:

  1. Que belo poema, Antiquíssima!
    Gosto de ti ...


    "Vem, e embala-nos,
    Vem e afaga-nos.
    Beija-nos silenciosamente na fronte,
    Tão levemente na fronte que não saibamos que nos beijam
    Senão por uma diferença na alma.
    E um vago soluço partindo melodiosamente
    Do antiquíssimo de nós
    Onde têm raiz todas essas árvores de maravilha
    Cujos frutos são os sonhos que afagamos e amamos
    Porque os sabemos fora de relação com o que há na vida.
    Vem soleníssima,
    Soleníssima e cheia
    De uma oculta vontade de soluçar,
    Talvez porque a alma é grande e a vida pequena,
    E todos os gestos não saem do nosso corpo
    E só alcançamos onde o nosso braço chega,
    E só vemos até onde chega o nosso olhar.
    Vem, dolorosa,
    Mater-Dolorosa das Angústias dos Tímidos,
    Turris-Eburnea das Tristezas dos Desprezados,
    Mão fresca sobre a testa em febre dos humildes,
    Sabor de água sobre os lábios secos dos Cansados.
    Vem, lá do fundo
    Do horizonte lívido,
    Vem e arranca-me
    Do solo de angústia e de inutilidade
    Onde vicejo.
    Apanha-me do meu solo, malmequer esquecido,
    Folha a folha lê em mim não sei que sina
    E desfolha-me para teu agrado,
    Para teu agrado silencioso e fresco."

    A.Campos

    ResponderEliminar
  2. não há nada como soltar igualmente aquilo que é igual - pertencendo ao mesmo mundo. ;) (tenho isso a reaprender...)

    ResponderEliminar
  3. De que falas, Anita, perante esta coisa Antiquíssima que sobre nós se abate !?...

    ResponderEliminar
  4. A teus pés me inclino, ó Mãe-Amante, que vens da profunda e abissal Terra que eternamente há aquém-além do mais etéreo e luminoso céu !

    ResponderEliminar
  5. Antiquíssima te dispas
    de toda a cortesia
    para que a manhã te unja
    de folguedo e folia !

    ResponderEliminar
  6. isto é que é falar de coisas sérias... aliás é que é falar seriamente a brincar, amar falando, falar amando.

    ResponderEliminar
  7. ó fiel, de súbito te tornas Deus... em Verbo.

    ResponderEliminar
  8. (e falar de amor não é falar sobre uma parte... ou do bem... o homem é que se engana... é falar do todo e do nada, da luz e do escuro... é superar qualquer limite espacial e temporal. Só falando dele, por ele, falamos de alguma coisa que exista. Falar separado dele é falar a partir da nossa invenção, pois ao que não ama, ao que não une os dois lados da vida, só resta isso... inventar o que nunca chega a existir.)

    ResponderEliminar
  9. Onde te encontro !?... Ganas de te haver.

    ResponderEliminar
  10. Antiquíssima,

    Grande, grande poema!
    E que sugestivo o vocábulo escolhido para apareceres aqui!

    ResponderEliminar
  11. Recuperar este antiquíssimo de nós é fazer explodir o mundo falso.

    ResponderEliminar