Quando eu voltar,
sei que os meus pés vão pegar fogo,
e que o meu coração vai desdobrar-se em mil braços,
os seus dedos desenhando mudras
que são os contornos do mapa
onde se cruzam as geografias do mundo
e da alma.
Sei que os meus olhos vão medir o tempo
contemplando os matizes das horas que passam
sobre as àguas do Tejo,
e que os meus lábios vão contar o quanto o mundo é belo
quando visto através dos olhos de terra
que, encobertos, julgam só ver
o derrocar de tudo.
Olhos de serpente
que parecem olhos predadores
a quem perdeu a fé num mais-além
e se enclausurou nas misérias da sua carne,
olhos alquímicos
de oceânica esmeralda,
que desencombrem o seu tenebroso esplendor
a quem tem pés de pólvora
e o peito em permanente combustão.
O teu brilho viperino expulsou-me da vida mansa,
e a ti me há de fazer voltar
quando descobrir o centro sagrado
onde que os pontos cardeais se encontram,
e o riso universal floresce nas espirais de luz
que esperam nas partículas de cada ser.
Providence, RI, EUA, 07/04/2008
O teu brilho viperino trouxe-me até aqui, ajudado pelo comentário no Estórias de A.V. Pode ser este o centro sagrado onde nos continuaremos a encontrar. :)
ResponderEliminarAntónio
Fado embacadiço II
ResponderEliminarQuando tu voltares
Vai haver festa na alma
E o esplendor de todos os sóis
Vai incidir nas pedras incendiadas dos teus passos
De regresso, trarás contigo nas asas da viagem
Tatuadas de sol, a flor do sal…
O rosto dos navios
Desenhará sombras
No teu coração cansado
De embarcadiça
E como um marinheiro bêbado
Trocarás o passo do enjoo da terra firme;
Daqui lançaremos as runas
Para que o caminho se abra e nasçam rosas
Nos caminhos do céu
E quando chegares ao labirinto,
Ao corpo falante da serpente
Decifrarás o enigma do Sem Nome.
Os signos serão para ti linguagem clara
Que no chão florirá em novos astros
Decifrarás os mistérios e não perguntarás:
- Quem da minha vida soltou a ligação das páginas
E rasgou a solução dessa charada?
- Quem derrubou os versos na sala escura
E desprendeu a linha
Que juntava as palavras às ideias?
Daqui te responderão
Que a palavra semeou no teu peito
Como em campo lavrado
Um brilho novo
De redivivo renascer
Daqui se pedirá à lua, nossa irmã
Que seja no tecido do céu
Esfera de fogo e plena
Se abra em clareiras
Para a tua saudade
Se embebedar de luz.
Daqui te esperarão impérios de alma
De asa abertas, águias sobrevoarão
O céu de Lisboa
E os pássaros não temerão o seu voo.
Num círculo de asas
Teus olhos poisarão no chão da terra firme.
Um movimento de ondas lamberá os teus pés
E renascida
Como Vénus serás, Ó Margarida!
:-)
"a vida mansa". Agostinho da Silva tambbém falava da vida mansa.
ResponderEliminarEstá muito bonito, Ana M. (mas o teu outro estilo, rapper e das epopeias nórdicas não ficam atrás)
Para não falar do obscuro, claro...
ResponderEliminarMuito obrigada pelo lindissimo poema, obscuro, e pelas carinhosas palavras, Joana:-)!
ResponderEliminarUm forte abraco para os dois.