segunda-feira, 7 de abril de 2008

Fado embarcadiço

Quando eu voltar,
sei que os meus pés vão pegar fogo,
e que o meu coração vai desdobrar-se em mil braços,
os seus dedos desenhando mudras
que são os contornos do mapa
onde se cruzam as geografias do mundo
e da alma.

Sei que os meus olhos vão medir o tempo
contemplando os matizes das horas que passam
sobre as àguas do Tejo,
e que os meus lábios vão contar o quanto o mundo é belo
quando visto através dos olhos de terra
que, encobertos, julgam só ver
o derrocar de tudo.

Olhos de serpente
que parecem olhos predadores
a quem perdeu a fé num mais-além
e se enclausurou nas misérias da sua carne,

olhos alquímicos
de oceânica esmeralda,
que desencombrem o seu tenebroso esplendor
a quem tem pés de pólvora
e o peito em permanente combustão.

O teu brilho viperino expulsou-me da vida mansa,
e a ti me há de fazer voltar
quando descobrir o centro sagrado
onde que os pontos cardeais se encontram,
e o riso universal floresce nas espirais de luz
que esperam nas partículas de cada ser.

Providence, RI, EUA, 07/04/2008

5 comentários:

  1. O teu brilho viperino trouxe-me até aqui, ajudado pelo comentário no Estórias de A.V. Pode ser este o centro sagrado onde nos continuaremos a encontrar. :)
    António

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  2. Fado embacadiço II
    Quando tu voltares
    Vai haver festa na alma
    E o esplendor de todos os sóis
    Vai incidir nas pedras incendiadas dos teus passos
    De regresso, trarás contigo nas asas da viagem
    Tatuadas de sol, a flor do sal…
    O rosto dos navios
    Desenhará sombras
    No teu coração cansado
    De embarcadiça
    E como um marinheiro bêbado
    Trocarás o passo do enjoo da terra firme;

    Daqui lançaremos as runas
    Para que o caminho se abra e nasçam rosas
    Nos caminhos do céu
    E quando chegares ao labirinto,
    Ao corpo falante da serpente
    Decifrarás o enigma do Sem Nome.
    Os signos serão para ti linguagem clara
    Que no chão florirá em novos astros
    Decifrarás os mistérios e não perguntarás:
    - Quem da minha vida soltou a ligação das páginas
    E rasgou a solução dessa charada?
    - Quem derrubou os versos na sala escura
    E desprendeu a linha
    Que juntava as palavras às ideias?

    Daqui te responderão
    Que a palavra semeou no teu peito
    Como em campo lavrado
    Um brilho novo
    De redivivo renascer
    Daqui se pedirá à lua, nossa irmã
    Que seja no tecido do céu
    Esfera de fogo e plena
    Se abra em clareiras
    Para a tua saudade
    Se embebedar de luz.
    Daqui te esperarão impérios de alma
    De asa abertas, águias sobrevoarão
    O céu de Lisboa
    E os pássaros não temerão o seu voo.
    Num círculo de asas
    Teus olhos poisarão no chão da terra firme.

    Um movimento de ondas lamberá os teus pés
    E renascida
    Como Vénus serás, Ó Margarida!

    :-)

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  3. "a vida mansa". Agostinho da Silva tambbém falava da vida mansa.
    Está muito bonito, Ana M. (mas o teu outro estilo, rapper e das epopeias nórdicas não ficam atrás)

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  4. Muito obrigada pelo lindissimo poema, obscuro, e pelas carinhosas palavras, Joana:-)!

    Um forte abraco para os dois.

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