"Se fosse possível alguém situar-se fora do mundo, este seria para ele tão invisível como um ponto inextenso" - Nicolau de Cusa (1401-1464), De ludo globi.
Não creio que tal seja possível, mas antes que é efectivo (para não dizer "real"). Com esta precisão: "algo" em cada um de nós transcende "nós" e "mundo", "dentro" e "fora". É isso que, sem se poder ver como isto ou aquilo, permite que vejamos "nós" e "mundo" ou, conforme a perspectiva, nada vejamos. O sentimento disso, isso sentido, é a saudade: entranha estranha.
Caro Paulo Borges,
ResponderEliminarpermita-me um exercício de reflexão, tentando acompnhar o seu post:
Conversa pensada - verdade intelectualmente sã?
1. «O que desejamos é saber que ignoramos» é a douta ignorância. O inextenso, o infinito permanecerá desconhecido, para além do número e da proporção?
Termos consciência dos limites da razão, não pode impossibilitar o conhecimento... «todo o universo é uma "explicação" de Deus e, por isso, o homem deve perseverar no estudo do mundo natural…»
2. Nicolau de Cusa também crê que um intelecto «num amplexo amoroso» pode conhecer a verdade. É isso que «permite que «nós» e mundo» seja visto, ou seja, que possamos abraçar a verdade de o não sabermos... «Saudade» pode ser essa visão unificadora?...
Um abraço
...então a saudade é o sentimento de uma coincidência ontológica do que é "alguém" com o que "não é alguém", é ninguém? É a dissipação na invisibilidade e na inextensão? É uma forma de cegueira? Viver é a descoincidência consigo e com o que nos transcende...a saudade é o sentimento que, instalado na fenda da descoincidência, abre para um não-tempo e para um não-lugar e para uma estranheza entranhada que é sermos trnascendentes e o transcendente nos habitar? A saudade é a Graça que Weil pensou, não é? A saudade é a espera de deus e de nos tornarmos deus/deuses?Pode a saudade ser afim à Graça, ser a Graça, um estado de graça? O que pode ser a mais entranhado e estranho em nós do que a Graça, saudade? Não é o poema que está acima uma manifestação dessa saudade e de um estado de graça? Porque nele a linguagem é sem peso e sem gravidade e foi verbalizado numa linguagem que não é comunicação mas aspiração a um recuo último, no qual as palavras são as velas brancas com que Deus, um deus-Egeu espera que voltemos do labirinto que é a vida? Não sei...mas agora a partir deste texto, a sério, a saudade teve o mesmo rosto que a Graça. Pois teve, mas se eu vir com atenção...parece que dentro de mim tem cada vez mais. Vamos ver se passa. Deve ser porque há muita luz no blogue ...
ResponderEliminarMas que 'algo' transcende? e se está 'dentro e fora' como pode transcender? não é um movimento que se alcance num sentido só..não transcende então...intercomunica-se, quanto muito interdepende-se..será a saudade? resta-nos ainda saber o que queremos dizer com isso...não em termo corriqueiro mas em termos filosóficos...
ResponderEliminarQuando a filosofia discorre... o poeta retira-se silenciosa e humildemente :)
ResponderEliminarPegadas na neve, o vento as desmanchará...
vislumbro agora névoa saudosa e purificadora, radiante de luz...
Como oleiro que ergue a peça
à altura dos olhos
assim o sol
atira os seus raios
às várias faces que a terra lhes mostra...
A minha alma é um ponto
Um lugar
Um porto
De onde partem e chegam
Todos as miragens
Saudades do Marão
:)
Estranha forma de vida
ResponderEliminarFoi por vontade de Deus
que eu vivo nesta ansiedade.
Que todos os ais são meus,
Que é toda a minha saudade.
Foi por vontade de Deus.
Que estranha forma de vida
tem este meu coração:
vive de forma perdida;
Quem lhe daria o condão?
Que estranha forma de vida.
Coração independente,
coração que não comando:
vive perdido entre a gente,
teimosamente sangrando,
coração independente.
Eu não te acompanho mais:
para, deixa de bater.
Se não sabes onde vais,
porque teimas em correr,
eu não te acompanho mais.
Vives na Serra do Marão, obscuro?
ResponderEliminarSaudade é saber que há sem nunca ter visto...fechar os olhos e tudo ver...abri-los e cegar.
ResponderEliminarVivo no Marão da alma, Margarida.
ResponderEliminarNessa passagem, nesse tempo inaugurado e inundado, banhado de encontros e de saudades do céu...
Na memória das asas
inscrevo a minha sede
de infinito
No movimento circular
humano e divno
Que ave desenha no ar
a perfeição?
a graça natural
que não busca definição
e em si mesma cabe.
Ana Moreira,
ResponderEliminarCumprimento-a e admiro-a pelo seu comentário. Elevadíssimo, simples e verdadeiro.
Saudades do que ainda não vivi, mas que conheço e sinto e me invade o ser.
ResponderEliminarCamões coloca o Gama e Tétis, após a união amorosa, no lugar sem lugar de que fala Nicolau de Cusa ("Os Lusíadas", X, 76-81). Com uma vantagem: o mundo não lhes é visível nem invisível, mas transparente. Transparente do divino que o engloba. O divino cujo "lugar" a sua visão ocupa e que "ninguém [...] entende". A saudade a beirar a sua morte ?
ResponderEliminarAcabou de ser publicado em Portugal um livro importante de Peter Sloterdijk, "O Estranhamento do Mundo", que pode ajudar à compreensão filosófica da saudade e das questões a ela inerentes.
ResponderEliminarTambém saiu um outro, na mesma editora (Relógio d'Água), muito interessante, para compreender o nosso tempo: "Palácio de Cristal. Para uma Teoria Filosófica da Globalização".
Filosofia, arte e poesia são o nosso modo de imitar os deuses, enquanto a nós e a eles a morte não devore ! Para quando distrairmo-nos das distracções ?...
Não será a transparência ou o último desvendar característica da mente desperta ou iluminada? Não será a saudade esquecida neste derradeiro encontro? Finda-se o fado e a sede.
ResponderEliminarObrigada pelas suas palavras Obscuro, também eu aprecio muitíssimo a sua poesia.
ResponderEliminarDecerto, Ana. A saudade é o véu a rasgar-se, o obscurecimento a iluminar-se e dissolver-se. Na verdade, mais do que desejar matar saudades, ansiamos por matar a saudade. A saudade anseia devorar-se: Uroboros farto de ser pescadinha de rabo na boca, esfomeado de se consumir e desaparecer ! O Caminho da Serpente...
ResponderEliminarUm blogue feito acima de tudo, verdade seja dita, por e para intelectuais. Intelectuais que não gostam nada de serem vistos como intelectuais, e que se afirmam como não-intelectualizantes. Académicos e intelectuais que acham que não têm nada a ver com as academias e com os intelectos. Não há mal nenhum em ser-se académico e intelectual, mas assumam-se como tal, não se apresentem como anti-intelectais quando no fundo são hiper-intelectuais! Este bolgue é só para alguns, disso não há qualquer dúvida, só quem tem bastante bagagem intelectual é que vos pode acompanhar e participar. Repito, não vejo nenhum problema em relação a isso, mas então façam o favor de serem coerentes com a vossa proposta: o que se passa aqui é extremamente restrito para que se possa apresentar com o estandarte do Espírito Santo. O Espírito Santo é do Povo, do grande Povo, é de todos sem excepção, de todos e para todos! Pão, sopa e vinho para todos. No Espírito Santo não há castas, isso é absolutamente impossível, e este blogue é uma casta bem definida e delimitada. Não se façam passar por quem não são. Assumam-se como a élite que vocês próprios têm pudor de serem!
ResponderEliminarconcordo consigo, anónimo, aqui o culto popular do Divino Espírito Santo foi transformado no privilégio de uma élite bem élitista...
ResponderEliminarCaros Anónimos, isto não é um blogue do Espírito Santo, do Povo ou de élites: é disso e de todas as coisas que cá forem trazidas por quem quiser participar ! Como está anunciado, é um blogue aberto: basta manifestar o desejo e quem quiser será convidado. Nesse sentido é uma Festa para a qual todos são convidados, como a do Espírito Santo ! Mas uma festa livre, onde têm lugar todo o tipo de discursos e estilos, como podem ver pela diversidade de posts e comentários desde o início. Onde há lugar até para o ressentimento, pelos vistos...
ResponderEliminarAnónimo
ResponderEliminarCamélia
Saudade do "amor" sem limite... encontrando o essencial em todos, a ideia de Deus.
A saudade é mais do que um sentimento... a propria saudade dá saudade do outro em mim que se busca e nem sempre se encontra.
Aoa anonimos: E muito perigoso dizer que tal ou tal fenomeno cultural/espiritual e elitista.
ResponderEliminarNos ensaios que vem no livro "Folia", do Paulo Borges, nota-se que e dificil tracar uma fronteira entre a contribuicao popular, paga para o culto do Espirito Santo e aquela feita pela elite Templaria.