Para um galego a apresentação do Mullah Nasrudim é quase inevitável. A figura do parvo-louco-sábio tem muito da nossa Galiza. De facto muitas das suas histórias já as tinha ouvido dos lábios do meu avô mas tendo como protagonista ao inefával e saudoso Pir-i-Lampo, um protótipo de ares celtas e gaitas ao vento. Quiçá a única diferença seja certo quixotismo meigo do nosso Pir, algo ensonhador demais e com certas teimas metafísicas que ele próprio se encarrega de boicotear à beira de um copo de vinho Amandi e uma lareira perdida nas montanhas do Courel. Lá, perto d’O Cebreiro (onde se diz que está escondido ainda o Santo Graal) ouvi as suas sentenças e flechas enquanto encenava para mim umas anedotas vestido à moda dos bobos da corte medievais. Mas, enfim, essa é uma história que algum dia contarei, mas é agora outra história e deve deixar-nos aqui. Vejamos algumas das iluminadas histórias do INCRÍVEL E IMCOMPARÁVEL MULLAH NASRUDIM que segundo me contaram anda pelo Brasil e de lá não quere sair. Enfim, como ele diz: “Desfruta ou tenta aprender, chatearás alguém. Não o faças e chatearás alguém”
Como Nasrudim criou a verdade
"Estas leis não tornam melhores as pessoas", disse Nasrudim ao Rei; "elas devem praticar certas coisas de forma a sintonizarem-se com a verdade interior, que se assemelha apenas levemente à verdade aparente."
O Rei decidiu que poderia fazer que as pessoas observassem a verdade – e o faria. Ele poderia faze-las praticar a autenticidade. O acesso a sua cidade era feito por uma ponte, sobre a qual o Rei ordenou que fosse construída uma forca. Quando os portões foram abertos ao alvorecer do dia seguinte, o Capitão da Guarda estava postado à frente de um pelotão para averiguar todos os que ali entrassem. Um édito foi proclamado: "Todos serão interrogados. Aquele que falar a verdade terá seu ingresso permitido. Se mentir, será enforcado."
Nasrudim deu um passo à frente.
"Aonde vai?"
"Estou a caminho da forca", respondeu Nasrudim calmamente.
"Não acreditamos em você!"
"Muito bem, se estiver mentindo, enforquem-me!"
"Isso mesmo: agora sabem o que é a verdade: a sua verdade!"
O Tolo que era Sábio
Todos os dias o Mullah Nasrudin ia esmolar na feira, e as pessoas adoravam vê-lo fazendo o papel de tolo, com o seguinte truque: mostravam duas moedas, uma valendo dez vezes mais que a outra. Nasrudin sempre escolhia a menor. A história correu pelo condado. Dia após dia, grupos de homens e mulheres mostravam as duas moedas, e Nasrudin sempre ficava com a menor. Até que apareceu um senhor generoso, cansado de ver Nasrudin sendo ridicularizado daquela maneira. Chamando-o a um canto da praça, disse:
Sempre que lhe oferecerem duas moedas, escolha a maior. Assim terá mais dinheiro e não será considerado idiota pelos outros.
O senhor parece ter razão, mas se eu escolher a moeda maior, as pessoas vão deixar de me oferecer dinheiro, para provar que sou mais idiota que elas. O senhor não sabe quanto dinheiro já ganhei, usando este truque. Não há nada de errado em se passar por tolo, se na verdade o que você está fazendo é inteligente. Às vezes, é de muita sabedoria se passar por tolo e é muito melhor passar por tolo e ser inteligente do que ter inteligência e usar fazendo tolices.
Afastando tigres
Certo dia ele estava jogando migalhas de pão em torno de sua casa. Um vizinho que passava perguntou:
Mullah, porque você está fazendo isso?
Ah, eu faço isso para manter os tigres afastados, explicou Nasrudim.
Mas não há tigres nesta região!
Casamento
Nasrudim estava proseando com um conhecido , que lhe indagou:
Mullah, responda-me, você nunca pensou em se casar?
Sim, claro que já. Quando eu era jovem, determinei-me a achar o meu par perfeito. Cruzei o deserto, cheguei em Damasco, e conheci uma mulher belíssima e espiritualmente muito evoluída; mas as coisas triviais, do dia a dia, a atrapalhavam.
Mudei de rumo e lá estava eu, em Isfahan; ali pude conhecer uma mulher com dom para as coisas materiais, da vida caseira, e além disso se mostrou muito espiritualizada. Porém, carecia de beleza física. Pensei: o que fazer?
E resolvi ir ao Cairo. Lá cheguei e logo fui apresentado a uma linda jovem, que também era religiosa, boa cozinheira e conhecedora dos afazeres do lar. Ali estava a minha mulher ideal.
Entretanto você não se casou com ela. Porquê?
- Ah, meu amigo. Entretanto ela buscava o seu homem ideal.
O anúncio
Nasrudim postou-se na praça do mercado e dirigiu-se à multidão:
Ó povo deste lugar! Querem conhecimento sem dificuldade, verdade sem falsidade, realização sem esforço, progresso sem sacrifício?
Logo juntou-se um grande número de pessoas, com todo mundo gritando:
- Queremos, queremos!
Excelente! Era só para saber. Podem confiar em mim, que lhes contarei tudo a respeito, caso algum dia descubra algo assim.
O sermão de Nasrudim
Certo dia, os moradores do vilarejo quiseram pregar uma peça em Nasrudim. Já que era considerado uma espécie meio indefinível de homem santo, pediram-lhe para fazer um sermão na mesquita. Ele concordou. Chegado o tal dia, Nasrudim subiu ao púlpito e falou:
Ó fiéis! Sabem o que vou lhes dizer?
Não, não sabemos
Enquanto não saibam, não poderei falar nada. Gente muito ignorante, isso é o que vocês são. Assim não dá para começarmos o que quer que seja - disse o Mulla, profundamente indignado por aquele povo ignorante fazê-lo perder seu tempo.
Nasrudim começou a pregação com a mesma pergunta de antes. Desta vez, a congregação respondeu numa única voz:
Sim, sabemos
Neste caso não há porque prendê-los aqui por mais tempo. Podem ir embora.
E voltou para casa. Por fim, conseguiram persuadi-lo a realizar o sermão da Sexta-feira seguinte, que começou com a mesma pergunta de antes.
Sabem ou não sabem?
A congregação estava preparada.
Alguns sabem, outros não.
Excelente - disse Nasrudim - então, aqueles que sabem transmitam seus conhecimento para àqueles que não sabem.
E foi para casa.
O barco e o homem letrado
Em dada ocasião, Nasrudim estava em um barco com um homem letrado, quando o Mullá disse algo que contrariava as regras gramaticais:
Você nunca estudou gramática? - perguntou o estudioso.
Não, nunca - respondeu Nasrudim.
Nesse caso, metade de sua vida se perdeu - retrucou outro.
Nasrudim ficou em silêncio durante algum tempo, quando finalmente falou:
Você nunca aprendeu a nadar? - disse o Mullá ao homem letrado.
Não, nunca - este respondeu.
Então, nesse caso, toda a sua vida se perdeu. Estamos afundando.
É.
ResponderEliminarEstas piadas so Mullah Nasrudin sao umas autenticas perolas;).
ResponderEliminarDeveria haver um curso em todas os cursos de todas os liceus e universidades so dedicado ao estudo da obra do Mullah Nasrudin.
O problema e que isso poderia levar muito psicoterapeuta e muito catedratico ao desemprego;) ...
Mais um episódio desse herói da Pérsia:
ResponderEliminarDesejos
«A festa reuniu todos os discípulos de Nasrudin. Comeram e beberam durante muitas horas, sempre a conversar sobre a origem das estrelas e dos propósitos da vida. Quando já era quase de madrugada, preparavam-se todos para voltar para as suas casas. Restava um belo prato de doces sobre a mesa. Nasrudin obrigou os seus discípulos a comê-lo. Um deles, porém, recusou:
- O mestre está-nos a testar. Quer ver se conseguimos controlar os nossos desejos.
- Estás enganado. A melhor maneira de dominar um desejo, é vê-lo satisfeito. Prefiro que vocês fiquem com o doce no estômago do que no pensamento, que deve ser usado para coisas mais nobres.»
«É.»
Desculpem lá só mais esta:
ResponderEliminarNasrudin e o Ovo
Certa manhã, Nasrudin colocou um ovo embrulhado num lenço, foi para o meio da praça da sua cidade, e chamou aqueles que estavam ali.
- Hoje vamos ter um importante concurso! A quem descobrir o que está embrulhado neste lenço eu dou de presente o ovo que está dentro!
As pessoas se olharam, intrigadas, e responderam:
- Como podemos saber? Ninguém aqui é capaz de fazer esse tipo de previsões!
Nasrudin insistiu:
- O que está neste lenço tem um centro que é amarelo como uma gema, cercado de um líquido da cor da clara, que por sua vez está contido dentro de uma casca que se parte facilmente. É um símbolo de fertilidade, e lembra-nos dos pássaros que voam para seus ninhos. Então, quem é que me pode dizer o que está aqui escondido?
Todos os habitantes pensavam que Nasrudin tinha nas suas mãos um ovo, mas a resposta era tão óbvia, que ninguém resolveu passar vergonha diante dos outros. E se não fosse um ovo, mas algo muito importante, produto da fértil imaginação mística dos sufis? Um centro amarelo podia significar algo do sol, o líquido em seu redor talvez fosse um preparado alquímico. Não, aquele louco estava a querer fazer alguém passar por ridículo. Nasrudin perguntou mais duas vezes, e ninguém respondeu.
Acho que é bom que o humor não nos seja retirado pelos nossos debates. As pessoas ficamos um pouco alterados às vezes e o nosso "eu" embarulha-se consigo próprio. Para além de isso, são histórias muito "iluminadoras". Há técnicas de estudo do sufismo baseadas na assimilação destas histórias. E até são utilizadas para explicar conceitos na física quântica. Nasrudim é muito Nasrudim.
ResponderEliminarSomos amigos e os nossos egos são os nossos inimigos, não o esqueçamos.
Por certo, gostei muito das considerações sobre o "amor fati" de Isabel Santiago.
Um abraço do vosso amigo, amigos.
Chiqui, talvez tenha sido gralha, mas acho deliciosa a ideia do "eu" se "embarulhar" consigo próprio... Um Abraço !
ResponderEliminarNa verdade é isso: andamos todos "embarulhados" connosco próprios ! Magnífico: uma mistura de embaralhados, embrulhados e cheios de barulho (ruído, conflito e confusão)... A Luz vem da Galiza, ó José Lozano !
ResponderEliminarA partir de hoje adoptarei "embarulhar" no discurso. Aliás, já aqui à minha volta se está a embarulhar tudo e todos! A palavra é LINDA! Tem assim ar de palavra tecida na imaginação de Mia Couto, mas essa fusão de embaralhar e ruído, essa sim, é mesmo muito bem conseguida. Por exemplo, a realidade à minha volta neste momento é embarulhada, mas ter descoberto esta palavra é já, José António, um raminho bem dourado para o dia. Obrigada!Para além do Amor que haja humor! Sempre...
ResponderEliminarSó agora encontrei esta pérola:
ResponderEliminarNão há nada como rir, obrigada José!
Também sou uma grande apreciadora da criatividade linguística... ainda que hoje em dia não a exerça. Viva o verbo embarulhar!
Na verdade Paulo, não foi gralha por embrulhar. Ia escrever "emaranhar" e finalmente mudei de opinião. Mas achei muita graça ao neologismo involuntário (acho que são galegadas do Nasrudim). Em galego existe barulho como figuração de embrulho. A palavra existe em castelhano por empréstimo do galego. Emfim!
ResponderEliminarO descobrimento de Portugal desde a Galiza foi na minha adolescência uma revelação. So posso dizer que como galego sinto por Portugal uma gratidão impagável. É mágoa que na Galiza não se ensinem Gil Vicente, Camões, Sá de Miranda, Pessoa como clássicos do galego. Lembro como li um conto de Eça de Queiroz à minha avó e ela percebia tudo, sem problemas.
A mina outra avó traduzia directamente os jornais portugueses ao espanhol sem problema algum.
Um forte abraço a todos!
amigo Jose, o seu amor por Portugal honra-nos muito.
ResponderEliminarUm forte abraco.