Comentava o outro dia que Ali Rustam Çiçek deixou um poema numa chaikana um mês antes da sua morte. Não há dúvidas de que se trata do último poema escrito mas não há acordo quanto ao momento da sua realização. Há quem diga que foi escrito cinco anos antes, quando deixou de escrever. Outros inclinam-se por datá-lo justo nesse mesmo dia em que o deixou sobre a mesa da casa de chá, nas mãos de um jovem que gostava de ir conversar com ele. Seja qual for a verdade, o poema fala sem necessidade de ajuda. Ele tem a sua própria entidade. O tempo da alma não é o tempo dos historiadores nem dos críticos, felizmente.
E já que estou aqui a escrever quero dizer que estou a viver uma curiosa “inquietação” com todos os amigos que aqui colaboram, declarados ou ocultos. Prefiro não ser muito explícito mas remarcaria as palavras: Que interessante! Não só pela qualidade, pelos pensamentos, pela procura mas por “algo mais”. E fico por aqui, pois não quero parecer um poeta obscuro. Há um, e muito bom. Algo realmente espantoso.
Por certo, a palavra “cadaleito” é galega e significa o mesmo que ataúde ou féretro.
ADEUS, AMIGOS.
adeus amigos e adeus poemas
a tarde cai tão leve e tão sincera
que tiro o lenço duma lágrima serena
e finjo um sudário de flores e de areias
para outros mares navega o ataúde
barco puro de sonhos e de versos
e eu sinto o velho cadaleito
florir nas sobrancelhas e nas veias
adeus poemas e adeus amigos
pouco dizem as pinturas e as palavras
se o silêncio das tardes mais antigas
não soubermos ouvir sem partituras
deixemos que o vento traga novas
e rosas de inverno sem melancolia
deixemos amigos e poemas fóra
fóra da ilusão e da sagaz mentira
diga-se um adeus sincero e vivo
de amor e morte por igual nascido
adeus poemas, adeus amigos.
José António Lozano,
ResponderEliminarO poema que nos traz hoje, se este pensamento fosse concebível, reduziria o infinito (supondo a possibilidade deste ser mensurável(absurdo dos absurdos, paradoxo dos paradoxos... heresia e tudo...) a um punhado de galáxias. É verdadeiramente uma pérola que recolherei com carinho.
Obrigado
Partilho desse seu sentimento de inquietação...("a alma do Obscuro" não se deixaria inquietar tanto...)
Uma cantiga de amigo à Vida. E lindo o poema, a cantiga. Só os poemas dizem adeus. O podem dizer.
ResponderEliminaraDeus
ResponderEliminarObrigado, amigos. Nenhuma palavra ou gesto pode limitar o ilimitável. Gostaria de passar a aquilo que paira nessa inquietação. Seria algo assim como a "Sobre contrução real de barcos".
ResponderEliminarEstarei ausente no fim de semana.
Grande poema, meu. E grande despedida, também. Ou talvez entrada...
ResponderEliminarSaúde.