terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Razao, Intelectualidade e a banalidade do mal


Agradeco ao "Antony" por me ter chamado a atencao para a letra desta musica dos 'Antony and the Johnsons":

Hitler in my Heart
http://www.youtube.com/watch?v=0WFlbywF4NU

As I search for a piece of kindness
And I find Hitler in my heart

And he is whispering"
As sure as love will spring
From the Well of Blood in Vain, oh Jew!
The Well of Blood in Vain!"
La la la la la la

And I fell into a deeper precipice
With mouths of rapists
Jaws dropped down
Jaws dropped down
Jaws dropped

Don't punish me
For wanting your love inside of me
Don't punish me
For wanting your love inside of me

And I find Hitler in my heart
From the corpses flowers grow

And I find Hitler in my heart
From the corpses flowers grow

And I find Hitler in my heart
From the corpses flowers grow
Flowers grow
From the corpses flowers grow
Flowers grow

Pois cada um de nos, sem o saber, tem um "Hitler" no coracao, que pode vir ou nao ao de cima consoante as circunstancias.

Algum de voces leu um livro de Hanna Arendt intitulado "Eichmann em Jerusalem"? E sobre o julgamento de Aldolf Eichman, um alto quadro da burocracia Nazi, pelo governo Israelita.

E um livro deveras impressinante e que mostra o que pode haver de mais aterrador na mente humana e no seu uso. Lembro-me de, no ano passado, ter feito uma leitura aprofundada deste texto numa aula de Teoria Sociologica de que fui assistente. A professora com quem eu trabalhei para ministrar esse curso e uma jovem Israelita que deve ter no maximo uns 35 anos.

O que mais me impressionou no texto foi o facto de o Holocausto ter sido impossivel se nao fosse a ciencia, a tecnica e a organizacao burocratica modernas. No fundo: A racionalidade ocidental.

Eichman nao era um monstro. Nao mostrava sinais de ter perturbacoes mentais significativas. No entanto, era ele que fazia a "contabilidade" de todos os Judeus, Ciganos, Mesticos, resistentes politicos, homossexuais, Catolicos progressistas, espioes, etc. que eram enviados para os campos de concentracao. Fazia as contas de quantos seres humanos era preciso gasear e cremar por semana para manter espaco para continuar o envio de novos presos. Fazia tambem as contas de quantas minorias etnicas, resistentes e "decadentes" restavam em cada cidade e quantos comboios e quanto carvao eram precisos para os transportar.

Eichman disse que nao fez mais nada do que "obedecer a ordens". Como grande parte dos Alemaes da sua geracao, foi educado de uma forma rigida, autoritaria, hierarquica, destinada a produzir um filho e um aluno obediente que por sua vez se tornaria num empregado e cidadao obediente a autoridade, pelo simples facto de que e autoridade.

Alem do mais, Eichman nao fazia mais nada do que trabalhar com numeros. Nao via o medo e o sofrimento nos rostos dos seres humanos que eram levados em fila para as camaras de gaz. Nao ouvia os gritos lacinantes. Nao via os cadaveres amontoados. Nao os queimava.

Segundo varios autores, o que tornou possivel o funcionamento dos campos de concentracao foi o facto de ter havido uma divisao racional do trabalho entre os recrutas Nazis, de uma forma muito semelhante aos modelos Taylorista e Fordista empregado em industrias a volta do mundo. Cada recruta fazia apenas uma pequena parte do "servico". Um punha os prosioneiros em linha. Outro anotava os nomes. Outro empurrava-os para dentro das camaras de gaz. Outro fechava a porta. Outro girava a manivela que fazia o gaz entrar. Outro levava os corpos para o crematorio. Outro ligava o crematorio. E outro recolhia as cinzas.

Assim tornava-se dificil para cada "peca" na "engrenagem" desta chacina compreender toda a dimensao do que estava a fazer e assim sentir empatia pelo sofrimento de outro ser humano.

Tudo estava feito para apelar ao mental, ao lado racional do ser humano. Feito para maximizar o rendimento das capacidades mentais de cada burocrata e oficial dos campos de concentracao. Feito tambem para nao tocar de maneira nenhuma na capacidade que cada ser tem de sentir.

De facto, o sistema estava montado para anestesiar todo e qualquer sentimento.

E preciso ter em conta que todo este sistema aterrador foi montado por cientistas, intelectuais. Existiu gracas a ciencia moderna, que nos deu a penicilina, as viajens inter-continentais, o computador o blog onde escrevemos e trocamos ideias.

No entanto, o Holocausto e prova de que a razao e a ciencia podem ser usadas para o mal mais absoluto.

Uma coisa e certa: Tive o privilegio, gracas a muito trabalho e a uma generosa bolsa de estudo, de me tornar doutouranda numa universidade considerada "de topo" nos EUA. Toda a gente a quem eu falo disto diz "que privilegio. Deves estar a conhecer gente interessantissima. Sim, e verdade, estou a conhcecer gente muito interessante. E tambem a perder o que restava da minha inocencia.

Algumas das pessoas mais "inteligentes" e "intelectualizadas" que eu tenho conhecido por aqui sao tambem aquelas que tem menos capacidade de sentir empatia e de amar o seu semelhantes. Pessoas que sentem pouco. Riem pouco mas tambem quase que nao choram. Nao sentem grande prazer mas tambem nao sentem grande dor. Tal frieza permite-lhes ter um controle muito grande sobre o seu ambiente. Escolhem cuidadosamente as suas amizades e os seus amores, calculando os beneficios que lhe podem trazer e a conveniencia da sua presenca na sua vida. Sabem detruir quem quer que seja que lhes faca frente com duas ou tres palavras cortantes. Sabem fingir simpatia e interesse nos momentos certos com as pessoas certas. Tal controle sobre a sua parca capacidade de sentir leva-los-a longe neste sistema insano em que vivemos, neste sistema burocratico-racional.

Nao e uma questao cultural. Essas pessoas em quem eu estou a pensar sao ate estudantes estrangeiros, como eu.

Os EUA e os Norte-americanos, nao obstante os seus problemas (que pais e que povo nao os tem) sao um pais acolhedor e caloroso. Ja recebi de Norte-americanos expressoes de carinho e gestos de generosidade que raramente recebi de Europeus, inclusive Portugueses.

E questao das caracteristicas do sistema, e do tipo de personalidades que este constroi, premeia e catapulta para o topo. O Holocausto foi possivel nao por a grande maioria sofrer desse "deficit" de sensibilidade. Pelo contrario. Ao que parece, a maior parte dos burocratas, soldados e guardas da maquina infernal Nazi eram pessoas perfeitamente normais. Havia no entanto algumas figuras de tiopo que sofriam desse atrofiamento do sentir.

No entanto, o grnade problema nem eram as figuras de topo, mas sim a ultra-racionalidade do sistema, que fazia um ser humano perfeitamente normal participar no mais hediondo dos crimes por estar alienado da visao do "todo" para o qual os seus actos contribuem e do sofrimento humano que estes causam.

Tudo gracas a Razao, ao Progresso e a Ciencia.

Como cientista em treinamento, tambem eu alimento esta muito pouco santa trindade. Por isso e que muitas vezes, quando me olho ao espelho, nao gosto mesmo nada do que vejo.

Seguindo a deixa do Nuno, aqui vai mais uma cancao dos Coldplay (que eu adoro) e que e mesmo condizente com o tema:

The Scientist (Coldplay):
http://www.youtube.com/watch?v=V3Kd7IGPyeg

Come up to meet you, tell you I'm sorry
You don't know how lovely you are
I had to find you
Tell you I need you
Tell you I set you apart

Tell me your secrets
And ask me your questions
Oh let's go back to the start
Running in circles
Coming up tails
Heads on a silence apart

Nobody said it was easy
It's such a shame for us to part
Nobody said it was easy
No one ever said it would be this hard
Oh take me back to the start

I was just guessing
At numbers and figures
Pulling your puzzles apart
Questions of science
Science and progress
Do not speak as loud as my heart

Tell me you love me
Come back and haunt me
Oh and I rush to the start
Running in circles
Chasing our tails
Coming back as we are

Nobody said it was easy
Oh it's such a shame for us to part
Nobody said it was easy
No one ever said it would be so hard
I'm going back to the start

9 comentários:

  1. Que texto tão belo e acertado Ana! Também já senti tudo isso que dizes, a meu ver tem a ver com o "desligamento", o facto de não vermos o que está para lá do nosso umbigo, nariz, ideologia, etc. Por exemplo, há pessoas que acham que aquilo que acontece hoje com os animais é semelhante ao Holocausto (racionalidade fria que nos faz olhar para a carcassa de um vitelo como coisa de supermercado).

    Mas também há pessoas profundamente sensíveis que são incapazes de compreender o ponto de vista do outro. Por exemplo, é possível sentir uma grande empatia pelo grupo dos Xs mas ser incapaz de se pôr no lugar dos Ys (judeus/nazis, israelitas/palestinianos, vítimas 9/11 vs povos despojados da sua cultura ancestral em nome da "liberdade", leões / gazelas, serpentes /ratos, apetite / maçã, urso / salmão, etc, etc).

    A grande questão é colocar a nossa emoção, razão, alma, e até os impulsos mais básicos abertos a tudo. O problema não está na razão, está em limitarmos a razão (ou qualquer outra forma de comunicação) aqui ou acolá.

    O ser humano, quando não limitado, não é facilmente manipulável, dificilmente sofrerá sem sentido, por isso, dificilmente o apanharás nos contextos de que falas, apesar de haver excepções... (tive a sorte de conhecer algumas, mas muito poucas)

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  2. Já agora, têm-se escrito outros textos sobre o holocausto neste blogue e noutros sítios. É curioso lembrar que também em relação ao holocausto estivemos na vanguarda. Afinal os portugueses, ainda antes dos alemães, deram o exemplo! Queimaram e torturaram e deportaram judeus em grande festa, com grande sentido de missão. Os nazis e todos os seus horrores, não são novidade na história da Europa. Tivéssemos nós os seus meios na época e certamente teríamos sido igualmente brilhantes no nosso papel / máscara de Satanás movido pelo mais elevado ideal de um Espírito Santo que se quer purificar de todo o mal!

    Por exemplo, agora faz sentido explicar que aquele não era o verdadeiro Espírito Santo, era outro, o verdadeiramente Espírito, o verdadeiramente Santo. Aquele a que almejamos. Vamos purificar-nos de todas estas falsas concepções, vamos! Quanto mais puros melhor.

    Os verdadeiros Hitlers continuam hoje a existir, antes como hoje animados pelos mais elevados ideais. Hitler escreveu na sua carta de suicídio:

    "In diesen drei Jahrzehnten haben mich bei all meinem Denken, Handeln und Leben nur die Liebe und Treue zu zeinem Volk bewegt."

    acredito que fosse, tanto como os de hoje, sincero. Não foi a falta de amor que o cegou, foi a falta de realismo, de compreender que, tanto judeus como alemães, polacos e britânicos, precisavam igualmente da sua luz. Que mesmo na mais pequena parte da realidade está o filho unigénito de Deus.

    Mas a quem é que eu estou a querer purificar??? ^_^

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  3. Passaram três dias...
    O que é o tempo?

    Epístola do”Obscuro”


    Falei em corpo de sombra, agora falo em corpo de Luz. Não temos força no punho e na vontade para “levantar no ar a espada” que exorcize «os fantasmas» que vogam no Hades. Não sabemos se um novo renascer levará o carro do seu pai, com perícia e boa condução, para “as Ilhas Afortunadas”… Mas, se somos capazes de as vislumbrar, é porque em nós já vive a centelha que as iluminará. Essa Luz de que falo vive no interior de nós, na e pela imaginação.
    As experiências oníricas ou reais que vivemos no mundo, como ensina Leonardo Coimbra, são etapas do nosso conhecimento interior e da nossa meditação: «Ao grande Silêncio do mundo segue-se o imenso Silêncio da alma, como dois mares separados pelo beijo do Sol, um visível da sua luz moribunda, outro de amanhecente e invisível corpo […]. Nessa região, não há contrários, porque os opostos se anulam no próprio sonho que nos cria.
    «Quem é que nos sonha?» é a pergunta que muitos de nós fazemos. A palavra iluminada pelo espírito, que é imaginação, dissolve as fronteiras, deixando-nos ver “em sonho acordado” a natureza verdadeira dos fenómenos que, por não ter limites, nos aproxima de zonas e vivências mais espirituais; mais próximos do pensamento não cindido. Do lugar onde não há dentro nem fora, nem interior nem exterior, nem em cima nem em baixo, nem passado nem presente; aí, onde a visão é mais clara. Mas isso só é possível, se conhecermos a nossa «forma própria de viver e refractar», que é, afinal, um arquétipo universal em si mesmo. Como Álvaro Ribeiro refere em A Razão Animada: «a palavra e só a palavra, pode ser estímulo para a imaginação».
    A palavra é então salvífica? Sim. O Verbo e a Caridade. “E eu que não tenho a Caridade!” lamentava-se o obscuro Pessoa e nós todos, com ele… Por isso, inventou um mestre simples, que matou cedo, para vibrar em realidade, e dele extrair o antídoto para a sua inexistência povoada: natureza naturante e a natureza naturada da sua mesma ficção.
    Criação do mito: esse «Nada que é Tudo!»
    Morte é a vida que se nasce. Vida é a morte que se cumpre.

    Muita Paz

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  4. Para que se movem os astros no céu/Se eu não sou eu/Nessas horas em que a lua/Espelh no lago/O pensamento de que sou a sombra?/Antevisão do que serei/ Quando a realidade/Expiar o refelexo de um sonho/Abertas as janelas:/Uma de cada vez/Para a visão não cegar/No clarão de sse lume.//Para que movemos astros na terra/Se o fogo que apagamos/Nos dói no coração?

    «A viva flama, o nunca morto lume
    Desejo é só que queima e não consome.»

    A «sarça ardente.»

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  5. Obrigada pelas vossas lindas palavras, "obscuro" e "luar azul". Nem sabem o quanto as vossas palavras tornam os meus dias belos.

    Espero ter a alegria de vos encontrar em pessoa em Maio

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  6. Podíamos combinar um jantar nessa altura, também gostava muito de vos conhecer pessoalmente, amigos da Serpente.

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  7. A ideia de um encontro parece-me excelente, sobretudo se for para nos rirmos e brincarmos frente aos corpos carbonizados de courgettes, bróculos e lentilhas, que eu sou preferencialmente vegetariano e gosto de boa companhia!!

    Será um prazer conhecer-vos in the flesh e olhar olhos-olhos.

    Em relação ao Obscuro, queria agradecer pelo texto claríssimo, gostava só de acrescentar que, regra geral, é raro poder ajudar alguém, o mundo é todo uma fonte, uma porta aberta para o Paraíso, só não vai quem se esforça para não ir. Ir é sempre mais fácil, não exige esforço, mas mete medo. Por isso vamos pé ante pé, suportando a corrente. as ajudas são, quase sempre, empurrões e em geral nunca na direcção da corrente, mas da proximidade, que isto da solidão pesa. Incluo-me nestes ajudantes de carência, pois gosto imenso de "meter o bedelho" e de me sentir amado, útil, como se vê por aqui ^_^

    Até breve (não sei se estarei no país em maio!!) :)

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  8. Se não estiver em Maio também não estarei em junho, etc. Uns mesitos valentes. Sabê-lo-ei durante as próximas semanas. Escreve-me para o meu mail, é mais fácil explicar ^_^

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