Há muitas infâncias. Não só felizes e infelizes, mas pré-natais, etárias, preservadas ou recuperadas ao longo da vida, redescobertas na velhice e na iminência da morte. Há muitas infâncias. Delas nos falam estes excertos de Pascoaes (o sublime e desconhecido Pascoaes !) e Pessoa, entre muitos outros que aqui poderiam estar, como os elogios da infância de Agostinho da Silva. O sentimento agudo da preciosidade da infância marca particularmente a cultura portuguesa e é uma das chaves para a compreensão da saudade. No meu caso, passei a compreender melhor os sentimentos ambíguos a respeito da infância, bem como a saudade, a partir da leitura, tradução e estudo do Livro Tibetano dos Mortos. Para um aprofundamento da questão, veja-se "A Morte no Budismo. Da contemplação da impermanência à vida pós-morte e à descoberta da imortalidade", publicado no meu site e no da União Budista Portuguesa (a sair num número próximo da Revista Portuguesa de Filosofia). Há muitas infâncias: saibamos manter a eterna, sem traumas vindos da temporal !
“A infância não morre. O anjo que somos, nos primeiros anos, jaz, como enterrado, em nossa memória. Às vezes, acorda ao contacto duma voz familiar ou de qualquer lembrança, vizinha e contemporânea, casualmente reanimada”
“A infância vive sempre connosco. A inspiração do Poeta é ainda a sua infância sobrevivendo…”
“Na velhice, o Anjo da Infância aflora claramente. Torna-se leve e frágil a pedra do seu túmulo. A ressurreição aproxima-se”
“A infância não morre. É a Divindade da igreja que nós somos”
“Que a vida do homem seja um perpétuo regresso à infância, - ao estado angélico e perfeito”
“Sim: cultivai a vossa infância. Ide, através dela. Podereis entreabrir a porta que se fechou, sobre vós, na hora do nascimento…. E a claridade do Além deslumbrará o vosso espírito”
“Cultivai a infância. Aproximai-vos da vida anterior, isto é, da morte.
Se conseguirdes atingi-la, ireis ao próprio seio do Futuro”
"O além-berço e o além-túmulo são dois Paraísos que se tocam e fundem um no outro. Ali, ficam os campos elísios das Almas. Ali, o Mistério tem presença luminosa; e é dali, que ele nos dirige, às vezes, a palavra de silêncio, - a nós, que só o vemos, frente a frente, no primeiro e derradeiro olhar, através da primeira e derradeira lágrima”
“Os olhos das crianças conservam, por algum tempo, o espanto daquela aparição. E nos olhos dos grandes Poetas, esse espanto sobrevive à infância, persiste, dentro deles, ampliando-os num crepúsculo infinito de tristeza. E os seus cânticos nascem amortalhados nesse crepúsculo, pois eles sobem à luz da vida, como nós baixamos ao túmulo…”
- Teixeira de Pascoaes, Verbo Escuro.
ANAMNESIS
Somewhere where I shall never live
A palace garden bowers
Such beauty that dreams of it grieve.
There, lining walks immemorial,
Great antenatal flowers
My lost life, before God, recall.
There I was happy and the child
That had cool shadows
Wherein to feel sweetly exiled.
They took all these true things away.
O my lost meadows !
My childhood before Night and Day !
- Fernando Pessoa, Poesia Inglesa, I.
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