Os sonhos vão erguer-se sobre as patas traseiras
e as árvores vão gritar o seu direito ao voto
não mais o banquete de sanguessugas
a sugarem o sangue do soldado
ou a abocanharem o calcanhar do homem
a perseguir-se no arfar de um sonho
com asma de comboio atrasado.
Não mais pasta amarela de tiranos na boca
não mais bilis de deus não mais veneno
no copo da carícia preferida
não mais nasceremos para corda de roupa
íntimas peças de morte penduradas
a todo o comprimento de puxarmos
a carga insone de uma alheia vida.
Não mais frauqe de pedra de corpos espiados.
Vai ser o tempo de florirem as letras
no livro de mulheres perfeitamente nuas.
Não mais ignorantes como sábios
os sonhos vão soltar seus pombos de água pura
o rio de Anaíta a molhar-nos os lábios.
Vai ser o dia de despejo dos ilustres
a quarta-feira de cinza dos solenes
o Maio da Matrona vai ser a Páscoa dos amantes
que vão trepar a música das árvores
até que o céu se banhe na nascente dos seus lustres
até que um cuco saia do relógio das veias
anunciando que a bilha do teu sono se quebra
e outra vez te espalhas poeira de diamantes
oh luz que te levantas com braçadas de ovelhas
Anaíta oh vontade de sermos semelhantes.
Vai ser o ano dois mil soluços do teu filho
Oh Madre de algodão nas feriadas de esfera
primavera de naves à velocidade riso
vai ser o estado Anaíta da matéria.
Natália Correia - Mátria (1968)
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