O que encontramos de mais sagrado neste mundo se não as pessoas, os seres vivos? Somos capazes de destruir a mais bela obra de arte por causa de uma pessoa. Entre uma ideia abstracta de um deus que alguém forme e uma pessoa, a pessoa é mais sagrada. As pessoas são mais sagradas do que os deuses que criam. Mas, afinal, Deus deveria ser o mais sagrado que existe. E, no entanto, Deus é sempre uma ideia e uma pessoa é algo mais do que isso. Em Deus temos apenas fé, numa pessoa temos a evidência. A vida é sagrada? Porquê? Talvez não o possamos justificar, mas temos, nós os vivos, maior consideração pela vida do que pela morte. Somos do lado da vida. Porquanto somos vida a morte é algo que nos é contrário à vontade.
Ainda assim, há quem escolha morrer, por forte sofrimento físico ou mental ou ambos. Poderíamos, no entanto, encontrar alguém que não sofresse e desejasse a morte, por diversas razões. Diríamos, possivelmente, que estaria alienado. E etc. Somos o mesmo que a vida em nós? Somos, todos nós, encarnações de algo que é a vida, uma entidade? Somos vida? A minha resposta é que sim.
Não há mais em mim do que a vida que sou. Eu não sou mais do que a vida que sou. Eu sou vida. Que veio ao mundo assim. Todos nós somos vida. Uma encarnação da vida.
A vida é sagrada porque eu sou sagrado, sagrada porque o eu é sagrado? A vida é sagrada porque cada um de nós se considera sagrado. E os que se não consideram não profundamente, consideram-se profundamente. Ainda assim, tal como pensámos no caso de alguém que destrói a maior obra de arte de sempre por causa de uma pessoa, por exemplo para salvá-la, podemos pensar no caso de alguém que abdica da própria vida para salvar uma obra de arte, actos heróicos. Mas já destruir a vida de outrem por causa de uma obra de arte seria perverso e mau. Damos a vida por virtudes, por exemplo morais, actos de coragem. A vida exalta-se com as virtudes, como a coragem. Pode optar pela morte quando encontra algo mais sagrado. Pode ser esse o caso de alguns bombistas suicidas que, aos olhos de muitos, são heróis e, aos de outros, vis terroristas. De combatentes de exércitos em geral, na guerra. Heróis e vilões.
Essas pessoas consideram que há algo mais sagrado do que a vida - mas só aparentemente - como podem ser os valores morais mas, geralmente, ao cumprirem as suas acções pensam que estão a ajudar muitas pessoas, vidas, ou simplesmente a aterrorizar aqueles que os mesmos julgam que os oprimem, caso em que são heróis do povo. A ideia é que ambos têm, em perspectiva, a vida como algo sagrado, ao ponto de abdicarem das suas para salvar mais, um acto heróico de dar a vida pela família ou pelos amigos. A ideia é que a vida é sempre do lado da vida, mesmo quando a vida por que lado é não é a sua.
Há algo mais sagrado do que a vida? Há algo mais profano do que a vida? Ela é o próprio sagrado e o profano. Se eu sou vida e nada mais do que vida, o que há de mais sagrado ou profano do que eu? Do que tu? À partida, somos todos igualmente sagrados. Mas poderá ser que o ser sagrado possa ser, tal como o profano parece ser, já que não estamos continuamente a pecar, algo em potência? Ou seremos sempre ou sagrados ou profanos? Ou será que somos sempre sagrados? Consideramos certos actos como profanos, homicídios horríveis, e parecem de facto ser. Já o que se poderá considerar mais sagrado, quanto à vida? Tudo o que diz respeito aos nossos direitos, alargado ao nosso corpo e mente. O respeito pelos mesmos. Por isso é que em regra geral repudiamos a guerra e a violência; pelo desrespeito pelos direitos fundamentais que há em guerras ou situações de violência.
O sagrado e o profano encontram-se no próprio mundo e propriamente na vida. As coisas mortas, só as consideramos, no máximo, do ponto de vista da utilidade, mas não nos importamos de as gastar desde que haja mais, o que não é o caso do petróleo e da água mas não os consideramos, discutivelmente, sagrados. Pode no entanto haver quem assim os considere, um homem do deserto. O que considerar como sagrado? Se a vida for o mais sagrado para todas as vidas, conscientes, pode haver no entanto algo mais sagrado do que ela, ao qual não podemos aceder enquanto sagrado, por sermos vida e por, intimamente, considerarmos a vida o mais importante, e o mais importante é o mais sagrado, sendo incapazes de conceber algo mais sagrado do que a própria vida. Torna-se, então, Vida.
Que pensamento tão estranho ! Nunca me senti Vida nem viva!... Que seria de mim sem a morte, sem a morte de que sou feita !? Que seriam os supostos seres vivos sem a morte que por dentro os trabalha e dissolve !? Como poderá algo viver senão morrendo continuamente !? E que seria de mim e da morte sem isso que nos não conhece !?
ResponderEliminarQue estranho pensar-se tudo do ponto de vista do ser humano !... Como se houvesse algum ser humano ou outro ! Em mim só vejo devir, metamorfose, criação-destruição de formas... e este informe que não vive nem morre...
Eu vivo e morro, e compreendo a ideia de que morremos e nascemos a cada momento, mas não concordo com ela, porque a (verdadeira) morte, aquela em que há corpos e funerais, é um acontecimento único na vida de qualquer pessoa. E acredito que existimos e que morremos, na verdade, uma vez na vida. O que é? O que nos acontece? Não sabemos.
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