terça-feira, 22 de janeiro de 2008

O irreal social

Está na moda falar mal da sociedade de consumo. Fica bem, dá um certo estilo. Quando vemos Mercedes e Ferraris a passar fazemos aquele ar superior e dizemos: «Ah! O consumismo!» Mas, o que é que aqueles seres, que se passeiam de Jaguar, são menos que a anchova, o pêssego, o camarão, o papa, o buda? Ah!! Se calhar não têm tantos estudos, falta-lhes "compaixão" uma espécie de conexão com o cosmos, uma "comunhão".

Pobrezitos!

Andam de Jaguar, compram LCDs de 60 polegadas e vivem em mansões com marinas e heliportos, mas falta-lhes a compaixão e por isso são muiiiito infelizes...

E a nós? Que compaixão seria preciso para perdoarmos a estes seres divertirem-se tanto com telenovelas, não saberem sequer o que é a falta, vibrarem dia e noite com o "supérfluo"?

É que é uma diversão e um prazer... O tipo que tem todas as "secretárias" ao seu dispôr, a amante ou esposa rica que pode viajar por todo o mundo e alimentar-se de Gucci e das atenções desmedidas de quem tenta agarrar a gorjeta... Dá Gozo! Dá Prazer! E a empresária que mostrou a tudo e a todos até onde pode ir?

Pois!! Mas "eles" não vêem a pobreza que há à sua volta! E nós? Não somos riquíssimos comparados com oitenta por cento da população mundial? Não dirão "eles", os do terceiro mundo, que morrem à fome, que até nós os filósofos e artistas somos ricos egoístas, mergulhados no nosso próprio rio de abastança? Tão cheios desses pequenos prazeres, da filosofia, da música, da boa comida, da boa roupa, das boas conferências, desse tempo passado a contemplar o futuro e os mistérios do tempo e do para lá do tempo, que nos esquecemos que há pessoas no mundo que sofrem, e pássaros e ácaros e formigas, esmigalhadas por pés que nem as sentem, as suas pequenas patas esmigalhadas, os seus pequenos seres destinados à maceração...

Ou talvez não! Talvez uma dessas formigas tenha "compaixão". Talvez uma dessas formigas olhe para nós e pense: "estes tipos não sabem o que fazem, vivem aprisionados num circo de fantasias, mas são (qualquer coisa impossível e muito para lá do Belo), e portanto, são Divinais, Belíssimos".

Talvez esta formiga, cheia de Beleza da vida, prenha de Beleza, de Cosmos, consiga ver o que nós só sonhamos: que o Mundo é plenamente Belo, sem custuras, sem falhas, sem pontos em falta... Que mesmo o mais consumista, o mais sádico, o mais rotineiro frequentador do Colombo Shopping Center, é tão belo como a mais bela flor e tem em si o entrondoso Esplendor da estrela Sirius (na verdade são duas em namoro), e vibra com o hifi, e vê o brilho da nova aparelhagem da Marantz e do novo telemóvel Nokia que até serve como agenda!

Ah! Ohh! Eles não brincam aos mesmos jogos que nós!! tss tss, não, não lêem os mesmos livros, até se riem com desprezo se lhes falamos disso. Ah! Mas, ohh!! Vibram!!! Vibram e vibram e vibram, e vieram para vibrar, pois então!

O orgasmo de ter o novo Nokia NX3701 com comando à distância da piscina e da tv, capaz de 33 mil biliões de chamadas por minuto, ai, o Orgasmo, a Altivez, tem GPS: estou no céu!

Não será a poesia de Thoreau! E depois!? Vão matar-se nas guerras dos fiéis e infiéis? Vão descobrir novas bombas ainda mais potentes que as nucleares?, serão as armas biológicas que vão exterminar a espécie humana? Ou continuaremos, daqui a milhões de anos, ainda lembrando vagamente a nossa história? O que interessa isso se não há via, nem de onde, nem para onde? É tudo brincadeira, filósofos e artistas e amantes de telemóveis e de cintos de ligas e de astros e poemas e ideias e comunhão com Oh! Deus, tanto faz! Porque ninguém é mais nem menos divino.

Há apenas êxtase, o êxtase da formiga que olha o sapato que a esmigalha e pensa e vê: que belo couro!

É claro que também posso estar bêbado, de alguma coisa que me faz Sonhar coisas impossíveis e ...

e... sem saída!! (^_^ desculpem qualquer coisinha)

Boa noite a todos!! Se for de dia ... as estrelas já aí vêm!! Ah não! Já lá estão, sempre estiveram, deram-nos vida e continuam a agasalhar-nos... Mesmo quando estamos distraídos e não as vemos, são os nossos olhos, a nossa mente, as nossas mãos e tudo, tudo o que somos, apenas partículas, que elas, grávidas, expulsaram e delas nos criaram... pequenos fantoches, mas felizes, oh, e tão vibrantes e vivos... aqui e agora, na infinidade do tempo, nem aqui nem agora, na eternidade... sem tempo.

Claro que, se isto for verdade, não há nada para fazer, ninguém para salvar, nenhum sítio para onde ir, ai ai... e então o que é que eu ando para aqui a fazer? Se o mundo não precisa de ser salvo... estou em grandes apuros!! Porque então sou apenas mais uma gota de águia, entre tantas outras gotas, incapaz de fazer a diferença, aliás, até é indesejável fazer a diferença: o que se pode fazer num mundo que já é perfeito?

Bem, vou-me deitar! Ai, ai!! Tantas estrelas, tanto mundo e tão pouco para fazer... Não há missão, não há missionário, só infinita Beleza em todas as direcções, e eu quero participar nela, ai, Abra-se o meu Coração às Estrelas e aos homens e aos esquilos e às árvores e aos pêssegos e melões... que eu quero não mais esconder-me da incrível Beleza que se esconde em cada coisa, homem, vegetal ou animal... Cordilheiras de montanhas, Desvendem-se, Desvelem-se, Abram-se à minha presença, deixem-me viajar por esses interstícios onde todo o Ser se encontra em múltiplos orgasmos de prazer...

8 comentários:

  1. So ... Now besides becoming pornographers, you are also getting into political stuff, huh?! Making fun of our generous effort to bring Democracy to that wretched land Irak and now even making fun of all the plenty that Democracy brought to your very own country and homes! All thanks to the help of the United States of American, in the person of generous and God-fearing men such as Henry Kissinger and Ambassador Frank Carlucci, who saved your ungrateful selves from Communism!!! What will you do next? Making fun of us saving your short-sighted selves from the Nazis? Some satirical poem making fun of D-day?

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  2. You can fight, you can love, you can die through hatred (Hitler) or by bringing love to the world (those that died in the battle for some ideal), but it will *always* be just a play... I play it too, and I *like* it, I like it a lot!! I just don't take it very seriously, because, in the history of planets and infinite worlds, it is something so light...

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  3. Este texto é um hino ao que uma tradição que muito prezo chama Grande Perfeição (Dzogchen) ! Claro, tudo é infinitamente belo e perfeito, incluindo o não se ver isso !... Mas não se ver isso (seja-se consumista, espiritual, intelectual, revolucionário ou alternativo, tudo formas do mesmo engano de se ser isto ou aquilo) impede o gozo da tal Grande Perfeição e é portanto uma chatice. Logo, sempre há qualquer coisa a fazer: Despertar para o que já é/somos ! O que é, naturalmente, contagiante. Como este texto.

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  4. Só que, como as portas estão todas abertas, e como a EXISTÊNCIA já é infinitamente transbordante de todo o tipo de ajudas, só podemos concluir que quem não vê não é por falta de ajuda, é devido ao Gozo, ao Imenso Gozo e Plenitude de Bailar nesse Baile de Máscaras que é o Amor...

    E por isso dizem: sou um sacrificado, sou uma vítima, sou um Herói, sou um Amante, mas é tudo o mesmo: é só o GOZO de Bailar e se ver reflectido nas máscaras polidas dos outros. O mundo é perfeito e o meu Gozo é vê-lo assim!

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  5. Bom... mas esse Gozo - ou melhor, o apego a ele, por não se ver a sua vacuidade - é então o problema !... O "meu Gozo", não o Gozo sem sujeito nem objecto, vejo-o como fonte de todos os "nossos" tormentos...

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  6. Tudo o que brilha é opaco! Cada estrela tapa o universo à sua volta. Cada palavra tem tanto de libertador como de aprisionador.

    A única perfeita transparência seria a total invisibilidade. Mas é claro que não posso SER isso.

    Enquanto existo, sou todas as limitações, e compreender isso faz parte da vacuidade...

    A inevitabilidade d(e aparecer com)o "ego"

    Abraço! ^_^

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  7. Como pode ser clara a ausência de perfeita transparência !? Porque temos de supor que somos ou existimos ? Porque será mais evidente a aparência do visível do que o invisível que a engloba e permite ? Porque falamos de limites como se não fossem limiares ?

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  8. 1) viajando para lá do espaço e do tempo...

    2) não temos, podemos viver o mistério...

    3) será ou não, conforme seja o espírito ou o humano a confirmá-lo...

    4) uns falarão de limites, outros de limiares, conforme lhes der mais Gozo ^_^

    Estas são as estradas, tão ou mais óbvias para ti do que para mim! Mas perguntarás talvez porque é que algumas pessoas as percorrem e outras não? E como as poderíamos ajudar a percorrê-las?

    Mas eu nem sei se isso lhes interessa em primeiro lugar... Porque a resposta a este primeiro "porquê?" já não é óbvia para mim. Eu só sei o que sei com este cérebro de macaco falante, o que na prática se resume a "só sei que nada sei", e a inspiração traz-me apenas fragmentos de paisagens que nunca saberei contar, nem a mim próprio. Por isso não sei, nem mesmo em relação a mim, porque escrevo o que escrevo, porque transgrido o que transgrido, porque percorro estes caminhos... Em relação aos outros, o mistério é igual. Até posso senti-lo, ou pressenti-lo, mas não se me apresenta claro ao espírito esse tipo de porquês.

    Penso que alguém que não sabe, como eu, dificilmente pode ser assertivo em relação a outro. Se não tenho ideia definida do que é bem e mal, se não sei de onde venho e para onde vou, se não sei o que é desejável ou desprezível (a não ser para mim, neste contexto e momento), então o que me faria interferir com a liberdade de outro de criar o seu próprio sentido para tudo, de percorrer o seu próprio caminho com máxima liberdade e alegria? Só se fosse uma grande paixão.

    É claro tenho uma ideia do que move as pessoas, mas é uma ideia tão geral que não serve para lhes indicar caminhos ou soluções. Dira que é o Desejo, quer dizer, é por Liberdade que nos mantemos encadeados neste mundo e olhamos o fragmento como se fosse o todo, esquecendo o infinito. Mas, estando rodeados de Eterna e infinita Beleza, falta-nos apenas aprender a sorvê-la o melhor possível, ou seja, a Gozar sem obstáculos ou limites a experiência de cada encontro e afastamento.

    E quando finda o Desejo fica a aceitação, abrimo-nos à real infinidade do que antes quiséramos modificar/modelar: e a "perfeita transparência", tão intensamente ausente, vai-se tornando como uma segunda pele, ao mesmo tempo que muitas outras maravilhas, que estavam e não estavam mesmo ao alcance do nosso olhar, se revelam; a mim, se alguma vez estivesse nesse estado, espantar-me-ia a perfeição omnipresente de tudo...

    Seja como for, se é por Desejo e Liberdade que todos nos movemos, então o melhor, se queremos ajudar, é não interferir, pois de facto não sabemos o que fazemos e a nossa vontade e beleza é tão válida como outra qualquer; tenho para mim que agir então nunca!, a não ser por imperiosa inspiração, a não ser por desejo, um desejo interior, cheio de fragrâncias, a não ser por Liberdade. É claro que podemos desimpedir caminhos (dar liberdade de acção, clarificar, etc), é claro que podemos lançarmo-nos nesse Abismo de inspiração, nesse quadro de coisas belas, a usufruir por todos. Talvez "Deus" (isto é, até a senhora do supermercado) se digne assim por uns momentos a contemplar a magia que por vezes se digna a perpassar por esta face...

    Mas a ânsia de ajudar, de fazer a diferença, por vezes faz coisas cómicas, como a de num dia salvar o urso que morre à fome trazendo-lhe um peixe e, noutro dia, salvar o peixe que o urso tenta apanhar!

    Mas se souberes algo mais em relação aos porquês e sentido íntimo de tudo ensina-me que eu nada sei e estou sôfrego de Aprender... ^_^

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