terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Canto-te... [fragmento]

"[...]

Canto-te tudo o que desliza e dança no rio do mundo
as auroras súbitas e as noites precoces
as rosas que florescem sobre os túmulos
as fontes que brotam nas grutas do coração
a murmurar sob a pele de estarmos aqui
os pressentimentos jovens de um despertar maduro
os sinais inequívocos do medo vencido
o drapejar da bandeira de todas as vitórias

Canto-te o diáfano manto da melancolia
a triste alegria que desponta das brumas
a morte que vem nas crinas do vento
a chamar-nos para a cinza dos dias
e o ébrio rompante que a tudo trespassa
o heróico canto que do imo do peito brota
e de eterno início em grinaldas sagra
o oiro jovem dos peitos inflamados

Canto-te estas coisas que entre nós pulsam
estes esplendores esta pujança este viço
tudo isto que se não sabe e nos emudece
num espanto que sobe das entranhas
a tremeluzir no uivo dos ventos
nos labirintos que pela terra serpenteiam
no segredo dos jardins mais íntimos
nas rodas vivas que no corpo giram
e imortal o transmudam

Canto-te tudo isto
pois tudo isto é o que nos soergue e nutre
tudo isto é o trono onde reinamos
olhos nos olhos
irados e doces
gentis e feros
unidos e separados
a dançar para além de sermos alguém
e a vestir todas as formas do possível

Assim te celebro no encanto de tudo o que nos envolve
ó tu que invoco do fundo maior que o real
ó tu que despontas, de ouro e prata coroada
adamantina, de mistério ungida,
ó Inigualável !

[...]"

- fragmento de um terma evocativo do jogo sagrado de Yeshé Tsogyal e Guru Rinpoche, oculto na terra de Oddyana, na língua das dakinis, pela força da saudade de um obscuro escriba entrevisto numa colina sobre o Tejo e traduzido em portuguesa língua na manhã do dia 6 de Dezembro de 2007

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