O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


terça-feira, 30 de julho de 2013

GRANDES SÓ A MINHA ALDEIA
E EU

vivo no campo
- a 2 quilómetros da Aldeia 

da minha Aldeia 

a 7 da Vila
a 20 da Cidade
vivo a não mais de 150
quilómetros de Lisboa

- que é a capital de Portugal

como o Mundo é pequeno
- acabo de confirmar:
não mais de 200 países como Portugal

a despeito da China e da Índia
e da Rússia
e dos Estados Unidos da América
- não mais de 200 países como Portugal

há quem já os tenha percorrido a todos
dado a volta ao Mundo

onde cabem estes 200 países
é aquilo a que chamamos
World
Earth (?)
Monde

Mundo

uma frágil bolinha de sabão
pronta a esvair-se
ao menor grão de areia
que lhe surja no percurso

já Universo é coisa bem maior

é noite
-paro o carro junto à casa onde moro
como sempre virado para Norte

à minha frente a Ursa maior
um pouco à direita
à minha mão direita
a menos de um metro de distância
a simpática W/Cassiopeia

atrás de mim - nem preciso olhar para saber -
um extenso ligeiramente encurvado rabo-de-gato - a nossa Via Látea-

com ninguém sabe quantos milhões de estrelas como o Sol
não sei quantos milhares de milhões
de planetas
como este nosso a que chamamos Mundo

ainda à direita - e mais alto do que o binómio
Ursa Maior-Cassiopeia
o caracol de Pastelaria
a que em boa hora deram o nome de
Andrómeda

que eu já vi
duas ou três vezes
enrolada na sua bela pequenez

sem sair do carro
penso em como tudo isto é belo
e ridiculamente pequeno apesar de tudo

não há Lua
Marte fulge
por cima da cumieira do Monte

abro a porta do carro
saio

viro-me rigorosamente para Norte
sou intransigento nisso

abro o fecho-eclaire das calças

esboço um sorriso

mijo

segunda-feira, 29 de julho de 2013

MERCANTILISMO

formado nos "Mercados"
e nas Feiras

depois dos Submarinos
Portas apostava agora
nos
Torpedos

tem razão o homem
:
não há uns sem outros

como de nada servem
mãos
que não tenham

dedos

sexta-feira, 26 de julho de 2013

FISCALIDADE


que impostos
não estariam ainda pagando
Reis

Caeiro

Soares

Campos

à conta de Fernando

domingo, 21 de julho de 2013

ERAM SEMPRE NOVE À HORA DA COMIDA

sete fêmeas e dois machos

- elas, duas brancas
três tartarugas
uma indefinida e uma preta

eles, machos,
um amarelo tigrado
o outro - pardo

dos machos
com o andar do tempo
veio um branco não sei de onde
que após muita porrada
expulsou em definitivo
o pardo
e o amarelo

passaram
a ser só oito à hora da comida

só oito
até que uma das tartarugas deu à luz
3 amarelos

outra tartaruga
pariu 4 brancos - com as extremidades amarelas
- um dos quais desapareceu
nas múltiplas mudanças
a que a mãe os sujeitou

a preta pariu três
-cada um de sua cor - um preto
um branco
um amarelo

há ainda uma tartaruga
e uma branca por parir

de qualquer modo
são agora 9
mais 9 além dos nove iniciais
(8 desde que o branco chegou
e expulsou o pardo e o
amarelo)

são agora portanto
- para mal de meus
orçamento e vida -

17 gatos
à hora
da comida


quarta-feira, 17 de julho de 2013

APONTAMENTO URBANO
(no Jardim das Canas)


o cão
sobre a relva

cheira o pé
da árvore

alça a perna
e mija

assina a sua tela
que se chama

TARDE

segunda-feira, 8 de julho de 2013

POEMA DE AMOR EM TARDE QUENTE


teu corpo
códice dourado
escrito em braille

que aprenderei a ler

sem vírgula que escape

sem verbo
que atrapalhe

domingo, 7 de julho de 2013

gosto

gosto do teu abraço
gosto do teu sorriso
gosto quando lês em voz alta
gosto quando falas de história
gosto quando me dás a ler 
gosto quando me levas ao cinema
gosto quando te irritas
gosto quando me dizes não
gosto de ver o tejo contigo
gosto do que não gosto 
gosto da tua impaciência
gosto da tua generosidade
gosto da tua resistência
gosto da tua janela florida
gosto dos teus livros espalhados
gosto da tua musica
gosto da tua mão nos meus ombros
gosto do teu beijo na minha testa
gosto de ti assim
como és

sábado, 6 de julho de 2013

lagartos ao sol

Um grupo de restaurantes vazios decoram a praia urbana. Uma família numerosa de prédios com varandas fechadas e parques de campismos com roulotes instaladas há anos completam o cenário.
As mercearias concorrem derrotadas com os mini-mercados.
Um casal cuja faixa etária parece-se com a minha, pergunta:
- Os bancos estão abertos aos sábados?
Responde o merceeiro
- Só em Paris...
Na Costa da Caparica, há brasileiros e portugueses, velhos e jovens, brancos e pretos, gordos e magros e gordos de novo. Um hamburguer ao modo Mc Donald's custa menos de 2€.
A caminho da praia encontro Rosa com a família. Chapéus de sol, sacos com comida e bebidas tornam a bagagem do fato de banho pesada.
É com esforço que damos um abraço, as nossas mochilas atrapalham. Resignadas sorrimos.
- Como estás? Há tempo tempo! Não envelheces...
- Nem tu!
Ambas sabemos que mentimos. Do meu lado intactas restam as sardas, do lado de Rosa, os mesmos ombros magros contrastam agora com a gordura acumulada nas ancas.
- Mas como estás?
- Desempregada...
- Mas fora isto, está tudo bem?
...
O nosso olhar vagueia. Pede um mergulho. O mar está povoado de banhistas como se fossem peixes - na rede boa presa.

Na areia - lagartos ao sol.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

desejo

redondo, quase sem forma, viaja do pescoço ao dorso
ganha ânimo na despedida, quando no ventre faz ninho
roubando ao tempo o que tempo não dá
é assim o desejo que teimoso regressa
tempestade serena que a vontade alimenta
euforia que se escapa, foge e acorda
até que com ele a morte case.

terça-feira, 2 de julho de 2013

alentejo II

é teu
o sabor que 
me embriaga
encontra amor
meu corpo
no teu

alentejo

Pedi ao céu que não
e fico nua
Febril em mim, habitas
Antes,
a antiga sorte
da tua ausência.
Agora sem ti
sou tua