Hoje é segunda-feira e as velhas contam histórias de quando eram crianças.
Há buracos no asfalto a dar conta da terra que um dia foi fértil.
Não há andorinhas a cantar no meu quintal. Os galos estão presos, longe da capoeira.
É segunda-feira, sempre à segunda-feira.
Não há um relógio parado a dar conta do tempo sem hora marcada.
Nasce um pinguim sem hora de parto. Morre um falcão sem atestado deóbito.
Todos os dias, em cada dia, centenas de papeis determinam a vida.
Um homem sofre de amnésia e decreta que o tempo é ausente.
Tão próximo do velho que diz que a morte é presente. Encontra o sorriso de um dia que já não existe.
Todas as segundas-feiras nascem e morrem à segunda-feira.
O tempo de vida de uma borboleta.
O homem fraccionou o tempo. Desprezou o instante fugaz de um sopro que se desdobra noutro.
Adormece a noite na esperança de um novo dia.
Segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado, domingo e segunda outra vez.
Um espaço para expressar, conhecer e reflectir as mais altas, fundas e amplas experiências e possibilidades humanas, onde os limites se convertem em limiares. Sofrimento, mal e morte, iniciação, poesia e revolução, sexo, erotismo e amor, transe, êxtase e loucura, espiritualidade, mística e transcendência. Tudo o que altera, transmuta e liberta. Tudo o que desencobre um Esplendor nas cinzas opacas da vida falsa.
segunda-feira, 27 de maio de 2013
sexta-feira, 17 de maio de 2013
julgava que tinha perdido um Trabalho
Prático de MÉTODOS QUALITATIVOS DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL - 9º.
semestre -
Universidade de Évora, sendo Professor
da Cadeira o distinto Mestre Prof Adrião (ou Adriano - o senhor que
me perdoe) Rodrigues.
além dos Métodos Qualitativos, que me
agradavam sobremodo e onde colhi nota, também já não sei se 17 se
18, fundamentalmente com base no tal poema que julgava perdido na
voracidade dos anos e encontrões da vida
Arrancava com o seguinte título:
A INSTITUIÇÃO REPRODUZ A SOCIEDADE
sendo a instituição uma Fábrica de
Tomate onde eu trabalhava
" não sei até que ponto é
possível/desejável planificar o trabalho. A
planificação, a racionalidade do
trabalho, a burocracia ao fim e ao cabo, só dão má qualidade à
vida:
devíamos aceitar esta situação como
transitória e ver de que modo poderia ser:
e penso que o exemplo está na maneira
como algumas crianças brincam. É daí que o trabalho dos adultos
tem que partir.
(da entrevista de MariaIzabel Barreno a
" o Jornal de Letras Artes e Ideias - edição de 26 de Maio de
1981)
O PRAZER DA FÁBRICA
penso que o prazer na Fábrica
só é possível na ganga suja de óleo
nas mãos amolecidas
da pasta cor-de-carne dos pimentos
da carnação da massa que escorrega
por
túneis de metal Inox
serve as naves como artérias
de ladrilhos
e transborda se derrama
como um corte de faca
e é sangue na limpeza do piso
e cor nas batas muito brancas das
mulheres
possível o prazer da Fábrica
só dentro do vapor das nuvens brancas
que nascem nas caldeiras de alumínio
de onde emergem figuras ferrugentas
mas alegres
bons adamastores
que têm cão
mulher e filhos
por cima das bancadas dos mecânicos
por gosto
elas próprias omelette- au- rhun dos
óleos entornados
da massa consistente que aplacenta as
peças
vindas dos cacifos
sopa-de-cavalo-cansado onde se encostam
por gosto
os cotovelos
nas tarefas exatas feitas com amor:
conduzir camiões enroscar parafusos
mudar as flores das jarras rotular
produtos
nas tarefas exatas feitas alegria
no colher das amostras no rigor das
análises
na limpeza doméstica
das tulhas e dos silos
prazer na Fábrica
não mais na datilógrafa que luta por aumentos
não mais na datilógrafa que luta por aumentos
no capataz que exulta
quando o chefe pelo Natal
o presenteia com um mágico envelope
A FÁBRICA
a Fábrica é cercada
com arame farpado
tem uma entrada que é um portão enorme
com a casa- dos- guardas frente ao barracão das bicicletas
e um pastor-alemão que é tão simbólico
tão apenas simbólico
como a vedação de arame-farpado
e a casa-dos-guardas frente ao barracão das bicicletas
sim
que a vedação de arame-farpado é fácil de transpor
nada custa franquear o portão enorme
o pastor-alemão nunca morde
nem ladra a ninguém
os guardas
estão invariavelmente bêbedos
mesmo no momento em que se rendem
parece então
que seria mais coerente plantar flores
quando o chefe pelo Natal
o presenteia com um mágico envelope
A FÁBRICA
a Fábrica é cercada
com arame farpado
tem uma entrada que é um portão enorme
com a casa- dos- guardas frente ao barracão das bicicletas
e um pastor-alemão que é tão simbólico
tão apenas simbólico
como a vedação de arame-farpado
e a casa-dos-guardas frente ao barracão das bicicletas
sim
que a vedação de arame-farpado é fácil de transpor
nada custa franquear o portão enorme
o pastor-alemão nunca morde
nem ladra a ninguém
os guardas
estão invariavelmente bêbedos
mesmo no momento em que se rendem
parece então
que seria mais coerente plantar flores
e árvores em redor
retirar o ar de manicómio
de parada militar
de campo-de-concentração que toda aquela
simbologia podre lhe empresta
assim os operários
chegariam contentes para exercer o seu trabalho
retirar o ar de manicómio
de parada militar
de campo-de-concentração que toda aquela
simbologia podre lhe empresta
assim os operários
chegariam contentes para exercer o seu trabalho
e não para o cumprir
teriam pássaros em volta
e não os tecnocráticos pardais
( há pardais nos Quartéis nos Hospitais
nos Pátios dos Tribunais
nas Paradas das Prisões
nas estátuas dos generais
nas frinchas dos saguões)
pássaros dizia em volta
teriam pássaros em volta
e não os tecnocráticos pardais
( há pardais nos Quartéis nos Hospitais
nos Pátios dos Tribunais
nas Paradas das Prisões
nas estátuas dos generais
nas frinchas dos saguões)
pássaros dizia em volta
os esquivos melros os térreos piscos
tímidos
andorinhas domésticas fariam
ninhos nos ângulos das naves
os cartaxos brincariam nas peças
não é possível o prazer na Fábrica
onde as coisas engrenam porque são determinadas
comandadas por senhores de batas
ninhos nos ângulos das naves
os cartaxos brincariam nas peças
não é possível o prazer na Fábrica
onde as coisas engrenam porque são determinadas
comandadas por senhores de batas
- que produzem a ORDEM
reprime-se em nome dessa coisa
ameaça-se com despedimentos
quem não tome a pílula vendado
produzir é o lema - produzir conforme os cáculos das máquinas
segundo estalecem
compromissos exteriores
:
Ces ; EFTAs ; outras siglas
tão acrílicas tão ásperas
tão “made in”
- filhas dessa coisa
a que chamavamos ORDEM
A ORDEM
vem sempre de cima
tal qual a chuva as trovoadas os coriscos
compromissos exteriores
:
Ces ; EFTAs ; outras siglas
tão acrílicas tão ásperas
tão “made in”
- filhas dessa coisa
a que chamavamos ORDEM
A ORDEM
vem sempre de cima
tal qual a chuva as trovoadas os coriscos
a caliça dos tetos
as cagadelas incómodas dos
pombos
mais de cima sempre mais de cima
mais de cima sempre mais de cima
mais do que por mais de cima se consiga
imaginar
em última instância
a ordem vem de Deus
então não se discute
o chefe-de-fabrico é deus em relação ao capataz
frente à sua imagem
este se recolhe
genuflete
a ordem vem de Deus
então não se discute
o chefe-de-fabrico é deus em relação ao capataz
frente à sua imagem
este se recolhe
genuflete
persigna-se
perturba-se
recolhe-se a si próprio
toma a Ordem como quem toma a hóstia
toma a Ordem como quem toma a hóstia
entrelaça os dedos transpirados
semicerra as pálpebras
com os olhos
melancolicamente virados ao vazio
adivinha
para além daquilo que lhe é dado:
deus diz dez
- o capataz já sonha vinte ou trinta
DEUS
deus não dorme
melancolicamente virados ao vazio
adivinha
para além daquilo que lhe é dado:
deus diz dez
- o capataz já sonha vinte ou trinta
DEUS
deus não dorme
não come – alimenta-se de
néctar
algum néctar do Olimpo
rodeado de anjos e arcanjos
algum néctar do Olimpo
rodeado de anjos e arcanjos
- que raramente são
seus filhos ou mulher
manda pôr na conta
e ordena que enderecem
ao economato celestial
não toma bica
manda pôr na conta
e ordena que enderecem
ao economato celestial
não toma bica
nem bagaço
-liba
- não defeca
nem micta
- segrega
os operários veem deus
de baixo para cima - respeitam-no num código
- que se chama de há milénios
- mandamentos
- dos quais o primeiro é o seguinte
:
amar ao chefe sobre todas as coisas
e os restantes
de um teor mais ou menos semelhante
assim é de facto:
o chefe é o sustentáculo da Fábrica - enquanto unidade de produção
do operário enquanto peça dessa
máquina
por inerência
sustentáculo das famílias todas
por inerência
sustentáculo das famílias todas
de todo o operário que há na
Fábrica
há pois
que amar ao chefe sobre todas as coisas
o POTLACH
há pois
que amar ao chefe sobre todas as coisas
o POTLACH
a mulher-da-limpeza é quem
tem menos para dar e quem dá mais
porque o faz diariamente a todos
tem menos para dar e quem dá mais
porque o faz diariamente a todos
para receber de todos (se possível)
um poucochinho mais – que cada um
isoladamente tem para lhe dar
a secretária pede-lhe do Bar um Trinaranjus
se as coisas correm bem a nível da chefia
um poucochinho mais – que cada um
isoladamente tem para lhe dar
a secretária pede-lhe do Bar um Trinaranjus
se as coisas correm bem a nível da chefia
o Trinaranjus que lhe traz a
mulher-a-dias serve
se as coisa correm mal
se as coisa correm mal
- não serve
porque tem borbulhas – se a mulher-a-dias trouxe com borbulhas
porque não tem borbulhas
se a mulher-a-dias trouxe
um Trinaranjus sem borbulhas
é pretexto pra a reprimir de maneira violenta
decisiva
dita exemplar
podem apontar-lhe a rua
o retorno à enxada
guardada na pequena dependência do quintal
a mulher-da-limpeza é meiga
solícita
servil
subserviente
vendível
desodorizada assética
- um produto
dá quanto pode dar
à Secretária da Administração
que por seu turno porfiará em dar
aos seus administradores
alguma coisa ainda
às suas companheiras de trabalho
todos nós – operários
técnicos administrativos
podem apontar-lhe a rua
o retorno à enxada
guardada na pequena dependência do quintal
a mulher-da-limpeza é meiga
solícita
servil
subserviente
vendível
desodorizada assética
- um produto
dá quanto pode dar
à Secretária da Administração
que por seu turno porfiará em dar
aos seus administradores
alguma coisa ainda
às suas companheiras de trabalho
todos nós – operários
técnicos administrativos
prodigalizamos em ofertas diárias
aos nossos superiores
que lambem os beiços
e tudo nos devolvem
que lambem os beiços
e tudo nos devolvem
numa grandiosa festa pelo Natal
há festões
e árvores enfeitadas em todos os recantos
há festões
e árvores enfeitadas em todos os recantos
prendas em caixinhas decoradas para os
nossos filhos
e mesas recheadas de leitões assados
-secos como múmias – em postura
de esfinge de Giseh
são nomeadas as pessoas
que recebem os prémios
galardoados os assíduos
os produtivos
e mesas recheadas de leitões assados
-secos como múmias – em postura
de esfinge de Giseh
são nomeadas as pessoas
que recebem os prémios
galardoados os assíduos
os produtivos
em suma – os integrados
quiçá os colaboradores mais íntimos
os tratadores
quiçá os colaboradores mais íntimos
os tratadores
dessa pomba cinzenta
a que chamámos ORDEM
esta a grande Festa o supremo Ofício
esta a grande Festa o supremo Ofício
a grande celebração
- o Facto Social Total
em que os deuses se misturam com os homens
- o Facto Social Total
em que os deuses se misturam com os homens
o nosso merecido
reconhecidamente
POTLACH
assim de há anos – desde que a Fábrica respira
até que outro processo nasça
na raíz do sistema cariado
penso por exemplo em produção
POTLACH
assim de há anos – desde que a Fábrica respira
até que outro processo nasça
na raíz do sistema cariado
penso por exemplo em produção
à maneira (simples)
de como (algumas)
crianças brincam
de como (algumas)
crianças brincam
António J. C. Saias
nº. 94 - 9º semestre
nº. 94 - 9º semestre