O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


terça-feira, 30 de novembro de 2010

"Dá-me os óculos..." - últimas palavras de Fernando Pessoa, que partiu há 75 anos



"Dá-me os óculos..." - foram estas, segundo João Gaspar Simões, as últimas palavras de Fernando Pessoa, que partiu a 30 de Novembro de 1935.

A revista e o projecto Cultura ENTRE Culturas prestam a sua homenagem a quem viu o nada-tudo que há em nós e que, na linha de Camões e Vieira, seguido por Agostinho da Silva, semeou um Portugal-universo, cosmopolita e armilar, um Portugal trans-moderno livre da história e da geografia, refundado nas consciências e aberto a todos os que, portugueses, lusófonos ou não, se deixem inquietar pela terrível e esplendorosa estranheza de existir.

O 3º número da Cultura ENTRE Culturas ser-lhe-á dedicado.

Programa de TV (Parte IV e última)

finalizando...


Entra o apresentador, olha em redor como se fosse animar as hostes no casamento do amigo, mostra cumplicidade. Depois de parecer amigo, sê-lo-á.

O público não vai querer outra coisa, pedirá a 5ª série do programa, petições, abortos espontâneos, 6ª temporada, episódio meio gordo.

-- Epá, mas continuo a cismar... como é que se inventam piadas com piada?

-- Que pergunta!, isso é o mais fácil, não tens de te esforçar porque a gente tem o mesmo tipo de humor da malta.

Se reparares há um senso de humor comum, vais ver.
Ao início esforças-te por agradar e, por isso, não terás tanto público. Quando já só disseres o que todos dizem, sem esforço - tu no dia a dia com os amigos - aí é que vêm os seguidores que se sentem em casa.

-- Ah, então é como se estivéssemos em casa e convidamos uns amigos, é isso?

-- Sim, mas com brilho e ruídos correspondentes às palavras ditas.

Dizes “bebé” e ouve-se logo um bebé a chorar, isto ajuda a associar os objectos às palavras que os respresentam, como na Rua Sésamo.

Barulhos, portanto.
Falas em polícia, ouve-se tinoni's, falas em amor, aparece uma cabana.
Associação das palavras ao som, nova aprendizagem.
E rubricas outra vez, muitas rubricas, assinaturas, espaços especiais personalizados em cada novo programa que cabe a cada apresentador.
Sons com palavras, palavras com som, sempre, senão os putos dispersam-se.

Agora, com a roca e a caixa de música, mantêmo-los lá. Sempre.

Inverno

a natureza reclama em silêncio  a mudança do tempo presente.
as abelhas morrem antes do tempo, neste inverno que se prolonga.
o sol nasce timidamente, o dia despede-se cedo

é surdo o lamento do tempo 

ganhou o inverno saudade do tempo, quer ser inverno sempre.
nasce a flor de laranjeira, fora de tempo
anuncia a sombra o espanto
deste tempo que recusa a ser tempo
tão fora do tempo está

o velho declara amor eterno à beira da morte 
a velha sorri no leito do amado
muda o tempo e eu permaneço neste inverno que se prolonga teimoso.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

À MEMÓRIA DE 3 MÁRIOS


são similares os processos
diferentes não são as línguas
- morreste à míngua de excessos
eu morro ao excesso de mínguas

Barradas
Cesarinny
de Sá Carneiro

semente

natureza apetecida,
doce, molhada
semente somente

natureza reconhecida
no teu corpo presente
suado, molhado
semente somente

entre nós e ela
o oceano índico
o Tejo somente
semente

alonga-se o tempo
na esperança 
de outra esperança
semente
Quem sou? Muitos eus, muitos mins, muita variedade 
de procurar, achar, traduzir a morte mais bela

domingo, 28 de novembro de 2010

Baxio

cala a gargalhada, solta o pranto, soluça baixo o escárnio, dança sem modos o canto.
desagua o rio quando nasce. ri quando chora, cala o pranto.

grita em silêncio o engano.

voa a gaivota outro canto. branco tão branco

mar ou rio, salgado ou doce, nada o peixe

não ri

não chora

nada









nada/oco/vazio

espanto/branco

dor/sem cor/sabor

amargo/azia/azedo

medo/começo/morto

terra/semen/fértil-estéril

ventre/entre/mente/

vazio/oco/nada



cala a gargalhada - nada
solta o pranto - oco
Soluça baixo o escárnio - vazio
dança sem modos - branco
nada o peixe - ventre
caminha - mente

nada/oco/vazio

grita em silêncio o engano
baixio/lodo/lama/lótus


nasce a lua na noite

despe o sol o dia

morre a poente

no colo do ausente

Serpente Emplumada: Baxio

Serpente Emplumada: Baxio

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

ela pediu-lhe que pusesse as mãos no fogo,
e ele pegou numa agulha em cada mão
e pôs-se a bordar pássaros de água

Somos isto ou aquilo?

Ao nascer e morrer, na alegria e na dor, no medo e no desespero, no amor e na revolta, na generosidade e no egoísmo, ao dormir e acordar, ao comer, beber e defecar, somos portugueses, ingleses ou marroquinos, mexicanos, chineses ou tibetanos, cristãos, islâmicos ou budistas, de esquerda ou direita, do Porto, Benfica ou Sporting, cultos ou incultos, ricos ou pobres, modernos ou tradicionais, velhos ou novos, homens ou mulheres?

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

 
óleo sobre tela, Mário Cesariny

em uma entrevista
organizada pela ensaísta italiana Maria Bochicchio
...  


"A poesia é um segredo dos deuses. 
Não é trabalho, 
embora às vezes se possa morrer de trabalho. 
Creio que sou um poeta inspirado, 
no sentido romântico de «daimon» - génio. 
Até ao momento em que o poeta se fecha e parte, voa. 
E depois fica igual aos outros." 

em Autografia II, poema, primeiros versos

E era uma vez este homem
que era um chevrolet
casado com uma mulher de vidro
que era uma colher de prata
Tempos depois sobreveio uma zanga
que era uma criança nua
entre umas tábuas de passar a ferro
e dois elevadores lindíssimos

Metrónomo (disseram eles)

Verdadeira saudade pernilonga
o pára-raios pôs-se a esfalfar romanticamente o toldo
de uma máquina de escrever disposta para o amor às quatro no interior
de um quarto
que era uma planície redonda semeada de vírgulas e violeta
com um pequeno garfo nas costas
que era o amanhecer que é uma árvore
na boca de uma mosca de veludo rosa
(...)

"E note que quando digo poeta não digo fazedor de
poemas, digo poeta, figura bem mais vasta do que
andam a dar a ler aos tipógrafos."


Mário Cesariny de Vasconcelos, pintor surrealista

Fonte | excertos da dissertação de Diana Isabel Fontes Vasconcelos | 
|O Poeta Mago – Presenças da Magia na Obra Poética de 
Mário Cesariny de Vasconcelos|


quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Entre-vejo,
Ao longe,
A invisibilidade dos seres
Encerrados no seu próprio casulo,
Emaranhados nas mais finas teias
Da sua esmagadora infinitude.

Ante-vejo,
Ao longe,
Os vagantes, doces e leves,
Em todos os caminhos paralelos
Que a tragicidade existencial replicam.

Entre-Vivo,
De perto,
No Universo insólito
De um mundo sonhado,
Que da realidade terrena se afasta.

Ergo-me, então,
Para os límpidos céus,
Para a harmonia musical
Das divinas esferas,
Encobertas pela vil hipocrisia.

Afasto-me dos homens.
Paira a simplicidade
Do cosmos dos Anjos,
Guardiões
Das consciências apoquentadas,
Auditores
Dos pensamentos inconscientes,
Mensageiros
Dos insondáveis segredos
Das mentes abnegadas.

Isabel Rosete

Programa de Tv (Parte III !)

continuando...


-- E reacções do público, tens alguma ideia?

-- É assim: ninguém vai perceber o que a gente vai dizer, mas isso é por estarem também a rir-se.

Estaremos todos na mesma sala de fumo, respiramos mesmos ares que não vai ser preciso falarmos!
No entanto há palavras que temos de dizer, porque senão um programa de televisão sem palavras saía pela porta fora denunciado.

A ideia é fazer o tráfico e o consumo cá dentro enquanto cantamos músicas de amor à divindade cá fora. Seita seremos, viciados ficarão. Seremos nós o irmão que nunca tiveram, o igual.

“Cada programa tem o público que merece.”

O esquema é simples. Vês as pessoas na internet? Não conseguem estar só num sítio, pois não?
Há pop ups, pop offs, informação em 3 janelas em 3D, não conseguem senão levar com cócegas, bonecos, som, luzes, acção.

No programa é assim também, quase conversa de surdos como os comentários uns aos outros no computador.
Depois mais tarde com o tempo podemos institucionalizar à vontade a surdez entre parladores.

Imagina-te agora como apresentador:

Se a plateia tiver conhecimento que a tua frase - por exemplo “sexo na banheira é uma asneira!” - pede um grito de guerra do género“YAÚ!”, estará sempre atenta ao teu programa para corresponder com o grito.

Jamais deixam de participar naquilo se para aquilo foram convocados.
É esta uma boa forma de ter a plateia na mão, alegre, expectante, olha que vem biscoito, atentos!

-- E não achas que os apresentadores se vão cansar com a estridência? Afinal de contas isto é para durar, e tanta carga, cor e movimento só pode gerar grande entopimento.

-- Claro, mas quanto mais cansados melhor, mais tensos, mais repetitivos, mais psicóticos, mais pessoa do dia a dia. Nota-se-lhes o sorriso amarelo que já não descola. Queremos criar-lhes hábitos.

Quanto muito cansado estás, passas a barreira do cansaço, não é?
Deixas de poder descansar, já não consegues, ficas mais desperto que nunca, lúcido ou não, não interessa.
Sempre em pé e imparável verborreico sim.

Greve, sobretudo, aos malabarismos!

Contra a submissão da Natureza face às fantasias do Número!

terça-feira, 23 de novembro de 2010

GREVE


você
em contestação

mesmo no meio da multidão

não é um
- é um milhão

dueto, o nós

não questiones a sintaxe
olha-te para lá do verbo
sê livre como um livro a galgar caminhos
como as águas rebentadas de uma gravidez

não queiras ser suporte de uma lâmpada
nem a luz redonda que fica no chão do teatro
escreve o nós como se o nós
fosse a vida diante do espelho
ou como aquele profeta que foi à morte e voltou
apenas com o pretexto de repetir a cena

caminha para o poema
pelo centro da dor das palavras
agita-as numa vontade de mar
até veres no fundo da música
os pássaros brancos


***

Vejo que nunca te disse como escuto música e, fico assim, a pensar nessa forma de caminhar, quando não me vês, de poder tocar-te sem que me sintas e, por vezes a escrever-te longas cartas em mar alto. Este quadro preso por trás de ti, sensibiliza o arrepio de saber o sabor-a-ti nos teus instantes de lembranças, tão objetivos a escorrer pelos traços negros e finos. Ouve-me com teu corpo? Ouve-se a música. Pinto os meus quadros quando escrevo-te inteira na palavra intocada sem restringir tudo o que não se esquece, como aqueles pássaros de água na qual pintaste com dedos, contornando as asas como quem depositas segredos. É assim que crio os alicerces, pelas páginas que me dedicas. Nada como amanhecer em chuva e, perceber que no pensamento arrisca distraidamente o que não cabe nas entrelinhas; o casulo onde me recrias.

(dueto)

feliz natal e bom ano novo


Fumarada néon estanho acabrunha
toda esta tantra cara ikea idêntica
acotovelando-se por uma morte de algodão.

Apontam, comem-se,
partilham recaídas de couro
como nenúfares de granito em forma de pipoca
jogando à cabra cega
formada pelo conservatório
em pandeireta contemporânea.

É a solidão que me vicia a observá-los.

Já não há rolo a revelar
ou semente a regar,
é tudo automático
como tinta invisível
ou nascer daltónico;
obtuso sapateado liquefeito
pela satisfação
de cada troféu oferecido ao patrão
ser extorsão
à qual um dia daremos razão,
enforcados pela disenteria
duma censura às flores.

Estou sentado com um rabo na minha cara
imaginando quão taciturno tudo seria
sem a linguagem?
Fervoroso paludismo kamikaze
ziguezagueando na baba e lama
em lugar de bar aberto com espumante
e tiques nervosos lipoaspirados.

Lombriga de luto concentrada
no seu lacinho lilás que
tem de levar para o trabalho
e apresentar à turma;
pontapeio tal feto
de nojento júbilo que sou
e espero ser como dantes;
sem paciência para o som.


GREVE GERAL

24 de Novembro é dia de Greve Geral. Sim, façamos Greve Geral. Paralisemos todas as nossas actividades, como protesto contra um país mal organizado, mal governado, eticamente decadente e social e economicamente injusto, cada vez mais vergado à grande finança internacional, à ganância dos especuladores e ao consequente desprezo pelas necessidades básicas da população. Paremos totalmente, como protesto contra um país refém dos grandes grupos e potências económico-financeiras em todas as áreas, do trabalho à saúde, educação e política.

Façamos pois Greve Geral, em protesto contra todos os governos e oposições que, não só agora, mas desde a fundação de Portugal, contribuíram para o estado em que estamos. Todavia, façamos Greve Geral sobretudo em protesto contra nós próprios, que maioritariamente votamos sempre nos mesmos ou nos abstemos de votar e, principalmente, de criar alternativas à classe política e aos partidos em que desde há muito não acreditamos. Façamos Greve Geral, sim, mas também à nossa passividade e conformismo cívicos, à nossa preguiça e indolência, à nossa tremenda indiferença. Façamos Greve Geral ao nosso hábito inveterado de criticar tudo e todos e nada fazer, ficando sempre à espera que alguém faça, que os outros resolvam, que D. Sebastião apareça. Façamos Greve Geral à ideia de que basta fazer um dia de Greve Geral exterior, em prol de mudanças sociais, económicas e políticas, deixando tudo igual nos outros dias e dentro de cada um de nós. Sim, façamos definitivamente Greve Geral à demissão de sermos desde já, sempre e cada vez mais a diferença que queremos ver no mundo, em todas as frentes, sem exclusão de nenhuma: espiritual, cultural, ética, social, económica e política.

Façamos pois Greve Geral à nossa cumplicidade com o rumo de uma civilização que caminha aceleradamente para a sua perda, à nossa colaboração com a ganância e futilidade da hiperprodução e do hiperconsumo que violam a natureza e instrumentalizam e escravizam os seres vivos, homens e animais, em nome de um progresso e de um bem-estar que é sempre apenas o de uma pequena minoria de senhores do mundo. Façamos Greve Geral à intoxicação quotidiana de uma comunicação social que só deixa passar a versão da realidade que interessa aos vários poderes e contrapoderes. Façamos Greve Geral à imbecilização colectiva de muitos programas de televisão e seus outros avatares informáticos, que nos deixam pregados no sofá e nos ecrãs quando há crianças a morrer de fome, mulheres apedrejadas até à morte, velhos abandonados, defensores dos direitos humanos torturados e a apodrecer nas prisões, trabalhadores explorados, povos vítimas de agressão militar e genocídio, animais produzidos em série para os nossos pratos e a agonizar nos canis, matadouros, laboratórios e arenas, a natureza e o planeta a serem devastados… Façamos Greve Geral a todas as nossas ilusões e distracções, a todo o fazer de conta, a toda a conversa fútil no café, telemóvel, blogues e facebook, a todo o voltar a cara para o lado ante a realidade profunda das coisas e toda a nossa hipócrita cumplicidade com o que mais criticamos e condenamos.

Sim, e sobretudo façamos Greve Geral à raiz de tudo isso, a todos os nossos pensamentos, emoções, palavras e acções iludidos, inúteis e nocivos a nós e a todos. Greve Geral a todos os juízos e opiniões que visam sempre autopromover-nos em detrimento dos outros. Greve Geral a colocarmo-nos sempre em primeiro lugar, a nós e aos “nossos”, familiares, amigos, membros da mesma nação, clube, partido, religião ou espécie, em detrimento dos “outros”, sempre a menorizar, desprezar, combater, dominar ou abater. Pois façamos Greve Geral, total e radical, não só um dia, mas para sempre, a toda a ignorância dualista, apego e aversão e à sua combinação em todo o egocentrismo, possessividade, orgulho, inveja e ciúme, avareza e avidez, ódio e cólera, preguiça e torpor. Paremos para sempre de produzir e consumir isto, cessemos de poluir mental e emocionalmente o planeta e deixemos espaço para que em nós floresça e frutifique a sabedoria, o amor, a compaixão imparciais e incondicionais, a paz e a alegria profundas e duradouras.

Façamos Greve Geral, agora e para sempre! E deixemo-nos contaminar pela Revolução doce e silenciosa de uma mente desperta e sensível ao Bem de todos os seres sencientes, que nada pense, diga e faça que não o vise, a cada instante, seja em que esfera for, também na economia e na política. Desta Greve Geral sai um Homem e um Mundo Novo.

Paulo Borges
23.11.2010

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

conferência por Paulo Borges em Barcelos

Mente, meditação e despertar da consciência: a redescoberta de um intemporal paradigma". Apresentação também do livro "Descobrir Buda" e o nº2 da revista Cultura ENTRE Culturas.



fotos gentilmente cedidas por: http://vamosfeirar.blogspot.com/

domingo, 21 de novembro de 2010

3ª feira, 23, 21.30, Clube Literário do Porto, "Descobrir Buda" e nº2 da revista Cultura Entre Culturas





Estarei no Clube Literário do Porto, na Rua da Alfândega, 22, na 3ª feira, dia 23, pelas 21.30, para uma conferência com o tema "Descobrir Buda" e para apresentar o meu último livro, com o mesmo título (Lisboa, Âncora, 2010), bem como o nº2 da revista Cultura ENTRE Culturas, dedicada ao tema "Encontro Ocidente-Oriente".
Perdida de paixão, a cor inventa o carmim. Azul, adormece serena. Negra, a cor se perde.


Livre ama a cor o branco. Sem cor.

Os olhos quadrados, míopes e estrábicos,

Proliferam por este mundo da anarquia intelectual

E do des-atino axiológico.


A Razão não é mais distribuída

De igual forma por todos os homens,

À beira da falência da Humanidade

Que não mais os habita!


O que esperamos desta Humanidade

Assim transviada?


O que esperamos deste Mundo cruel,

Indigno para os seres-puros?


O que esperamos da ausência de senso

Dos que, pressupostamente,

Comandam as nossas Vidas?


Esperança! Mas, que Esperança?

A da mudança do caos para a ordem?


Instalado o Caos, como ordem,

Apenas nos resta permanecermos

No vislumbre de qualquer expectativa,

Quiçá, possível?

I R

sábado, 20 de novembro de 2010

MENTES PÁLIDAS


Há um Espírito errante que nos percorre,

Que cobre as nossas faces desprotegidas,

Que invade a nossa morada

Nunca a salvo de qualquer perigo.


Por entre a seiva da Vida

Corre o esgoto

Das mentes pálidas,

A podridão do horror,

O enfado do tédio,

A escuridão, cega e surda,

Das franjas deixadas ela inveja.


Despimo-nos do tédio,

Enfrentamos as multidões, dispersas,

Invisíveis aos olhos maledicentes

Das bocas preservas.

Agouros pronunciam,

Em nome do desespero egoísta

Que lhes corrói as entranhas.

Isabel Rosete

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Filosofia: Mente, meditação e despertar da consciência

Filosofia: Mente, meditação e despertar da consciência: "O Ciclo de Conferências 'Consciência e Religião: perspectivas' prossegue no próximo dia 19, 6ª feira, pelas 21.30, no Auditório da Câmara Mu..."
pediram-lhe que amasse, e ele amou
pediram-lhe que sofresse, e ele sofreu
perguntaram-lhe quem era Deus, e ele sangrou pelas narinas

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Caros amigos,
É com muita satisfação que vos convido para as comemorações do "Dia Internacional da Filosofia"/10ª sessão de apresentação do meu livro "Vozes do Pensamento" - "Da Filosofia e da Poesia no Feminino", 19/11/2010, 14.30h, Escola Secundária José Falcão, Miranda do Corvo.
A vossa presença e participação é fundamental!
Saudações poético-filosóficas,
IR

Programa de tv - Parte II

– Escreves aí umas piadas tipo Jay Leno e tipo outros todos, que isso já é prata da casa.


Ninguém se satisfaz sem entrances de abertura, não interessa a piada, basta a entoação que lhe dão, entoação que não têm de aprender ou ensaiar.
Confia em mim, estes apresentadores “são assim”, “dentro da casa é igual ao fora de casa, pode crer que sim”.


A piada cairá no goto porque não te esqueças que temos a população a achar piada ao mesmo, a rir-se da mesma coisa, é só observares as pessoas na rua, grupos, dois, telemóvel, puxa palavra, Avenidade da Liberdade, Pontinha, Valongo, vais ver do que se riem umas com as outras e como puxam outras para a risota, é assim que se faz a cumplicidade.


Ouve-as só, não precisas de olhar para todas, podes ir de costas para elas e de walky talky na mão.
Terás um programa.


-- E os convidados?


-- Os convidados são os que vão ou foram aos outros programas. É um mundo pequeno, sabes como é. E quem tem disponibilidade para um programa terá por supuesto para outro. Mais um, menos um. Aqui a diferença é que não entrevistamos propriamente a pessoa.


-- Ah não? Atão?


-- O convidado faz parte do cenário como mobília ou amigo da casa.


O convidado quando entra é impelido, como se tivesse bebido um licor das índias, a apertar a mão com fervor ao apresentador, e vais ver que a estupidez contagia, sempre ouvi dizer.


Mandas uma coisa para o ar e o convidado responde só a um bocadinho da coisa ou outra coisa qualquer diferente da coisa que lhe puseste.


Esperas meio minuto, na “Regi” gritam-te “Passa para outra coisa, põe-te a andar, foge, roda o palco!”, tipo pop up, estás a perceber?
É isso que deixa um gajo a olhar para este programa.


Além disso, o convidado sabe ao que vem. Se não sabe é estúpido e isso é um ponto a nosso favor.


A seguir espetas com uma rubrica ou um jogo de perguntas e respostas cronometradas, 1 minuto, sem esquecer o separador de cada rubrica para o espectador saber ao que vai e para saber que se vai passar algo completamente diferente do emitido até àquela altura do programa.


Entretanto palmas e gritos de guerra do lado da plateia.


Hás de reparar que até políticos que não vão a programas de entretenimento,
Hás de vê-los a vir a este, como iam ao gato fedorento tudo camaradagem em fila para entrar, unanimidade gostosa.
É que, se não fossem lá, iam ostracizados!


Vais ver se não hão de entrar nesta modernice tão oficial e cavalheira.
Rtp2, meia noite, directo, queres o quê?
Só pode ser prestigiante uma aventura calculada para pôr no currículo.


-- E reacções do público, tens alguma ideia?





[A Parte I do Programa de tv encontra-se há sete posts]

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

domingo, 14 de novembro de 2010

Porque passamos a vida agarrados?

Porque agarra o recém-nascido tenazmente o dedo que lhe estendem? Porque agarra o moribundo intensamente a mão que lhe estendam? E porque, entre o nascimento e a morte, não cessamos de nos agarrar avidamente a tudo, desde a chucha às outras chuchas que são brinquedos, pessoas, casas, carros, carreiras, poder, prestígio, riqueza, prazer, experiências sensoriais ou espirituais? Porque passamos a vida agarrados? E porque é incómodo pensar nisto?

Disse o poeta

A borboleta cheira a flor e morre sem pudor,

Longa é a noite antes do amanhecer.

Se eu soubesse, mostrava a cor do Inverno em cada manhã.

O sino da Igreja toca todos os dias antes do meio-dia. Não sei se anuncia a morte ou uma vida agora nascida.
Diz-me o poeta que não fale de amor. Dou milho aos pombos, procuro o segredo antes do tempo.
Chove na minha rua, abro a janela antes que o tempo se vá e eu me esqueça.
Vi o sol de manhã, mal despertei. Perdi-o assim que acordei.
Se eu soubesse, mostrava a cor desse amor que o poeta anunciou.

Sei dele quando me perco.

sábado, 13 de novembro de 2010

"A solução do problema que vês na vida é uma maneira de viver que faça desaparecer o problema"

- Ludwig Wittgenstein, Observações mistas, 1937.

Os meus avós

Era Páscoa e ela levantava o cálice da avó  em tributo da terra prometida. Da cor do vinho doce era a vontade daqueles que motivados pela mesma vontade estampavam o sorriso na face. No decorrer das tardes as canções ninavam as crianças ainda de colo e ela aprendia a cantar porque o futuro prometia bem-estar.
Os velhos contavam histórias de uma terra sem nome onde o homem mata outro homem, sem nunca saber porquê.
Na minha infância, minha mãe falava da guerra, da dor e miséria dos homens sacrificados. Antes de morrer cantavam.
No fim da rua a padaria vendia pão ázimo. Na esquina o rabino apertava o passo em busca da esperança.
Meu avô vendia relógios, de porta em porta. Minha avó ajustava a vida, dia a dia.
As escadas da escola cresciam a cada degrau consumido. As brincadeiras de roda prometiam um namorado casamenteiro.
As mulheres eram putas porque o país que as acolheu dava o pão em troca da fornicação.
Os homens vendiam chapéus de chuva em pleno Verão, esperando a colheita no Inverno seguinte.
À noite fechavam as mãos em cada mão, faziam uma roda e riam da vida que a miséria não assistia.
Cantavam o hino da terra que sonharam em busca de paz.
O mundo sabia de cor,  a cor da dor de quem nunca teve a sorte de nascer imperador.
O peixe era doce e cru. A beterraba avinagrada.
A vontade de ser feliz era tanta como a tua agora que acabas de nascer.
O jejum era dos pobres que o faziam dia após dia.
Na rua Newton Prado moravam os meus avós. Vizinhos da vida viajaram sem regresso com um sorriso que não esqueço.
O homem mata o homem e nunca sabe porquê.
As mulheres vendem o prazer em troca da vida apetecida.
Bendita a memória que me assombra com um sorriso sem fim.
Nasce o dia agora, promessa de outro dia que nasce outra vez.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Paraíso Perdido

Canto IV 356-375

Quer onde o Sol, em todo o giro diurno,
De luz e de calor os campos enche, -
Quer onde a sombra de contiguas ramas
Lindos passeios ao mei’dia tolda.
Este sitio feliz todo era encantos;
De perspectivas mil se matizava:
Aqui, formando deleitosas ruas,
Sempre florentes arvores destilam
Preciosas gommas, balsamos cheirosos;
Brilham de outras alli pendentes fructos
De casca de oiro, de sabor insigne,
Realizando-se alli, alli somente,
Quanto as Hesperias fabulas divulgam.
Eis se interpõe um valle, uma planície
Onde alva mansa grei pasce a verdura;
Ou crespo oiteiro de suberbas palmas;
Ou regadia várzea em que amplas moitas
Das todas a ufania ostentam,
Entre as quaes sem espinhos se ergue a Rosa.                
  
Milton. 1884. Paraíso Perdido. David Corrazzi – Editor. Lisboa. pp 123-124

 à Poetiza dos Jardins 
e ao seu canto de Saudade

mater.monial

Pousados soberanos
reparam em mim, pousada contemplando-os,
a jarra de flores, os candelabros, as arcadas;
em nós a doce respiração e a fulgência da noite com que tudo se casa.

Programa de tv - parte I

- A gente põe 5 macacos a apresentar um programa diário em directo, cada macaco no seu galho ou dia útil, horário nocturno, assim mais para o tarde, já sabes que de início não nos vão dar primazias de mais cedo, vamos ver como corre.


Na rtp1 não há espaço para coisas modernas mas descansa que a rtp2 é mais escondida, e quanto mais escondido mais vão à procura, para além de dar estatuto de alternatividade ao projecto que chama muito jovem, sobretudo jovens adultos.


Vá, calma aí antes que comeces com a história do target. Digo-te já que a prioridade é os jovens, são eles o público alvo, e quem é que não é jovem? Ninguém.
Segue-se os jovens velhos de espírito jovem que vão atrás dos primeiros jovens até deixar de haver jovens e velhos para haver uma grande comunidade de PEOPLE a ver-nos e que é todo o público que a esta hora costuma estar no youbook mirando filmagens. Vão estar cá todos batidinhos para o nosso lado, temos programa.


Pronto, é este o formato, depois o conteúdo é enchê-lo como às almofadas.


Apresentadores é cada um no seu dia à sua maneira, percebes? Personalizar os dias, pôr cada dia diferente na voz e no fato para o público querer papá-los a todos um a um, pois se cada cara de cada dia é diferente das outras caras dos outros dias. “O Ilusionismo da novidade”, como costumamos denominar aqui.


Cada dia um prato diferente como nas cantinas, repetindo-se os 5 pratos na semana seguinte. Vai lá tudo comer porque fica perto, têm fome e já se esqueceram.


Entre estes 5 apresentadores, 2 ou 3 são conhecidos ou algo familiares às pessoas; transmitirão por isso credibilidade devida também ao background de algum sucesso nacional ao nível da piada.


Podemos meter a apresentar um programa de tv pela primeira vez um comediante de profissão com carteira profissional que não desconte para o stand up for your rights há já muito tempo.


Portanto: um misto de caras conhecidas e caras novas, sim?
As novas, pouco ou nunca vistas pelo público, basta que tenham voz bem colocada, “espírito jovem, dinamismo, motivação por objectivos" e toda uma escola referencial de gosto igual à dos apresentadores conhecidos, um tá-se bem que não é difícil.


A propósito, o espírito jovem está velho ou, se preferires declamar, esta do espírito jovem já é velha.


Agora é ir para o ar e vamos ver.
No fim, todos abraçados, dizemos que foi um risco conseguido, conseguimos com o apoio de todos! e se não fossem vocês isto não acontecia.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

sobre a solidão

  "Essa senhora é uma malvada, que me persegue por entre as paredes vazias da casa. Para lhe escapar, venho para aqui. Acenar é a minha forma de comunicar, de sentir gente"

 João Manuel Serra, o senhor do adeus

luso-britânico

frog frog frog
canta a rã no charco
em manhã de fog

o que levou Van Gogh
a cortar a orelha
quando fazia a barba

ou estaria grog

?

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

para Ethel,




Que farei no Outono quando ardem
as aves e as folhas, e se chove
sobre o corpo descoberto que arde
a água do Outono,

Que faremos do corpo e da vontade,
e de o submeter ao fogo do Outono
quando o corpo se queima, e quando
o sono sob o rumor da chuva que se desfaz,

Tudo desaparece sob o fogo,
tudo se queima, tudo prende a sua
secura ao fogo, e cada corpo vai-se,

Prendendo ao fogo raso,
pois só pode arder imerso,
quando tudo arde.

de Gastão Cruz

terça-feira, 9 de novembro de 2010

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

liminares

em matéria de sexo
não há mais
do que eu me dar
e tu te dares

não há
e tudo é

preliminares
evita sal na comida, assim como críticos na tua ferida

XX Encontro Inter-Religioso de Meditação

A União Budista Portuguesa e a Escola Superior de Medicina Tradicional Chinesa convidam os membros de todas as confissões religiosas para o XX Encontro Inter - Religioso de Meditação, que decorrerá hoje, dia 8, das 19 ás 20h, na ESMTC, Rua D. Estefânia, 175
.
Este encontro está integrado no programa de actividades da Exposição das Relíquias do Buda e de Outros Grandes Mestres Budistas,que decorre neste espaço entre 6 e 14 de Novembro.

Este Encontro é dedicado ao objectivo da Exposição, a promoção do diálogo inter-religioso e a Paz no mundo. Como habitualmente,serão lidos curtos textos (1 a 2 m) de cada religião presente, seguidos de uma curta reflexão e de 25 minutos de meditação em silêncio, após a qual poderá haver diálogo e partilha de experiências.

Bem hajam pela vossa presença e divulgação destas iniciativas!

Façamos nossa a diferença e a Paz que desejamos no mundo !

domingo, 7 de novembro de 2010

Convites: apresentação de "Descobrir Buda", do nº2 da revista Cultura ENTRE Culturas, Colóquio Oriente-Ocidente e Exposição de Relíquias do Buda

Caras Amigas e Amigos

Venho por este meio convidar-vos para o lançamento do meu livro "Descobrir Buda" (Âncora Editora) e do nº2 da revista "Cultura ENTRE Culturas", dedicada ao tema "Encontro Ocidente-Oriente", respectivamente no dia 10, às 18 h, no Anfiteatro III da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e no dia 11, às 19h, na Sala do Arquivo dos Paços do Concelho (Câmara Municipal de Lisboa). O livro será apresentado pelo Prof. Dr. José Eduardo Reis e a revista por Luiz Pires dos Reys, seu Director Artístico, e pelo Prof. Dr. Carlos João Correia, membro do seu Conselho de Direcção (a confirmar).

Estendo este convite à vossa presença no Colóquio Internacional "Oriente-Ocidente: diálogos e cruzamentos", cujo programa encontram aqui: http://arevistaentre.blogspot.com/2010/11/10-11-novembro-programa-do-coloquio.html

Destaco a conferência do Professor François Jullien, eminente especialista do pensamento chinês, ensaísta de renome mundial e membro da Comissão de Honra da revista "Cultura ENTRE Culturas", no dia 10, às 19h, no Anfiteatro III da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Entrada livre.

Tenho o prazer de vos convidar também para visitarem a Exposição de Relíquias do Buda e de Outros Grandes Mestres Budistas, que decorre na Escola Superior de Medicina Tradicional Chinesa, Palacete da Estefânia, Rua D. Estefânia, 175, até dia 14. A exposição está aberta das 10 às 19h e a entrada é livre. Estará também no Funchal, de 19-21, e no Porto, de 26-28. A exposição é acompanhada de um vasto programa cultural, que podem consultar aqui: www.reliquias.uniaobudistaporto.org/

Que todos estes eventos contribuam para a Paz, interior e exterior, no mundo e para a construção de pontes e não de muros entre povos, nações, culturas e religiões. Por um mundo melhor para todos os seres sencientes.

Com saudações cordiais e universalistas

Paulo Borges

Editorial do nº2 da Cultura ENTRE Culturas, apresentado no dia 11, Sala do Arquivo dos Paços do Concelho (Largo do Município), às 19h



Editorial

Após o primeiro número, cujo tema foi o diálogo intercultural, a Cultura ENTRE Culturas dedica este segundo número ao diálogo entre Ocidente e Oriente, na circunstância oportuna da comemoração dos 500 anos da chegada dos portugueses a Goa. O diálogo Ocidente-Oriente, esses dois grandes pulmões do planeta, tem sido e é cada vez mais a matriz do que de mais significativo surge na história planetária do homem e das manifestações do espírito que nele e em tudo sopra. A cultura portuguesa tem ocupado (para o melhor e o pior) um lugar central nessa interlocução e a nossa revista pretende renovar essa tradição.

Abrimos com uma homenagem a dois vultos que recentemente partiram: Raimon Panikkar, membro da Comissão de Honra da revista e insigne colaborador que nela provavelmente teve a sua última publicação em vida; António Telmo, figura maior do pensamento português contemporâneo, que nos enviou um texto sobre a espiritualidade persa em Luís de Camões e do qual nos honramos por publicar também o seu derradeiro escrito, sobre Raymond Abellio e a descoberta portuguesa do trans-histórico (os nossos agradecimentos a José Guilherme Abreu). Panikkar é um ícone do diálogo Ocidente-Oriente, em particular na vertente europeia-indiana (assumia-se como “cristão-hindu-budista-secular”). Telmo representa a osmose entre filosofia portuguesa e Cabala hebraica. Aos dois o nosso sentido “Até sempre!”.

No que respeita aos ensaios, Carlos João Correia mostra, com o habitual rigor e clareza, como a questão da identidade pessoal, central no Ocidente e no Oriente, se antecipa na filosofia indiana clássica, bramânica e budista. Rui Lopo apresenta uma promissora visão panorâmica da sua investigação sobre a recepção ocidental do budismo (também na cultura portuguesa). Amon Pinho mostra a evolução do pensamento de Agostinho da Silva sobre o budismo e o cristianismo, no contexto de um progressivo ecumenismo paraclético. Paulo Borges assinala a fecundidade do entre em Fernando Pessoa, interpretando o poema “King of Gaps”, bem como as figuras de D. Sebastião e do Quinto Império na Mensagem, a partir da noção tibetana de bar-do (entre-dois, estado intermédio).

Na secção “Éditos e inéditos” a revista continua a contar com a colaboração de figuras de renome internacional. O cientista e monge Matthieu Ricard faz uma estimulante síntese do diálogo entre as neurociências ocidentais e a tradição budista, sob a égide do Dalai Lama, bem como das descobertas científicas recentes acerca dos benefícios da prática regular da meditação para o desenvolvimento pessoal e social. Françoise Bonardel oferece-nos um inédito onde pondera o lugar de Deus, dos deuses e do divino no (mono)teísmo e no budismo, reflectindo sobre as vantagens e riscos do encontro das duas tradições no Ocidente contemporâneo. Dzongsar Khyentse Rinpoche, carismático mestre espiritual tibetano, realizador de cinema e autor de O que não faz de ti um budista, adverte num estilo incisivo para os problemas da transposição do budismo para o Ocidente. Giangiorgio Pasqualotto presenteia-nos com uma entrevista inédita sobre o lugar do Oriente na sua vasta obra e sobre a sua proposta de uma “filosofia intercultural”, equidistante de qualquer centrismo, ocidental ou oriental. Ricardo Ventura transcreve um trecho de um manuscrito português do século XVI, que mostra o lugar pioneiro dos missionários portugueses no conhecimento da cultura hindu no Ocidente. A introdução ao texto também mostra, todavia, os preconceitos religiosos e proselitistas que presidiram a este encontro de culturas, contribuindo por(des)ventura para a paradoxal inibição dos Estudos Orientais no país que mais demandou o Oriente.

Numa secção com textos vários, a visão de António Telmo de um Camões interiormente persa articula-se com a reflexão de Sam Cyrous sobre religião e política na Pérsia antiga e no Irão contemporâneo. O escritor intenso que é Miguel Gullander medita sobre o “cadáver” e a “silenciosa testemunha em tudo o que acontece”. Duarte Braga problematiza o “orientalismo” na poesia de Gil de Carvalho e Abdul Cadre inicia-nos no Caminho de Santiago e nos enigmas dos dois decapitados, Santo Iago e Prisciliano, que bem nota haverem sido dois heréticos, respectivamente entre judeus e cristãos.

Quanto aos poetas, a sua voz surge “entre-calada” pela dos sábios e dos santos homens: será assim doravante.

Abre-se, desde logo – pela mão de Rumi (i.e.“o Romano”) – , com a grandeza da alma sufi, que nos mostra que o Mesmo, o Único, o Insondável, está em todos os corações e lugares; e tão plena e intensamente o está, a ponto de parecer “embriagado, intoxicado e perturbado” aquele que lhe seja lugar, talqualmente os apóstolos do Cristo, no dia de Pentecostes, a quem alguns criam “cheios de vinho doce”(At. 2,13). O Sem Nome, na verdade, tal como vinho, com nada tolera coabitar no coração do homem. É único, e por isso é Único o Único, que em tudo é detectável nesse divino jogo de escondidas que por toda a parte se/nos verifica.

A palavra de Vicente Franz Cecim, primordial e incantatória, virgem como o pulsar amazónico, convoca as “aves profundas” que sobrevoam as “pedras dos dedos da oração”. Ethel Feldman, voz intimista que se nos oferece com o rigor da vibrante lâmina do sentir, enuncia “o voo e via[gem]” do presente, “tempo de sempre / tão tempo de ser”. O verbo de Maria Sarmento, por seu lado, de orvalhada pureza sempre, ressoa ecos do raro “canto mudo das rosas e dos veleiros”: nele “sobe aos lábios um canto, [e] sopram-se segredos”. Sussurrantemente.

Longchenpa, um dos maiores vultos da tradição budista tibetana, fala-nos acerca daquela sabedoria não-dual que emerge da compreensão da natureza, originalmente pura, da mente: a ler como quem não lesse! Flávio Lopes da Silva, em poesia de frescura surpreendente, vai ao ponto de falar-nos de um, não menos surpreendente, “apostador que ao ler um poema dissesse: chega!”. Deixa-nos também um conjunto de vívidos aforismos a ler com todos os olhos.

Sylvia Beirute, que canta sob a luz mediterrânica os al-gharbs de ser viva voz, garante-nos “a certeza de não cabermos numa única possibilidade”; daí, talvez, a pertinência do seu “projecto de ser uma mulher de açúcar” e propor-se assim como “um exemplo de não exemplo”: voz a não perder. De Donis de Frol Guilhade nada se dirá, que sempre prefere nada se diga de quanto haja dizer. Simeão, cognominado “novo teólogo” pela tradição ortodoxa bizantina, exprime suas moções místicas mais abissais, perante o mistério paradoxal da proximidade e inacessibilidade do Divino. Como um selo lacrado a uma “voz já da cascata”, a palavra sábia e rigorosa de T. S. Eliot fala-nos do tempo, do não-tempo nele e do além-tempo em ambos, e em tais termos o faz, que mostra ser “[todo o] poema um epitáfio”. Onde a vida se celebra, a vida para sempre floresce e perdura: ali onde, num entrelaçar de “línguas de fogo” coroantes das crianças, “o fogo e a rosa [são de novo] uma só coisa.”

Raimon Panikkar mostra-nos, num curto mas belíssimo conjunto de nove aforismos (sutras), de que é feita a paz e de como é simples, ainda que não fácil, o fazê-la e o sê-la: texto de uma imensa sabedoria, que, estando a abrir um justo In Memoriam neste número, estaria aqui também no seu mais do que justo lugar. Rómulo Andrade, com a sua arte de primacial pureza, leva a cabo (nas palavras de Ruy Fabiano Rabello) uma “poética que desperta e sinaliza no rumo duma consciência mais clara e solidária entre as pessoas e a própria vida”: a ver, sempre. João Paulo Farkas, o fotógrafo convidado para este número, é senhor de um olhar sobre o homem e a Natureza que, dir-se-ia, nos faz sentir “desaparecidos”, lembrando aquela espantosa palavra de António Maria Lisboa, aliás algures citada na revista: “ver é desaparecer”. E é.

O diálogo entre as culturas e entre cada uma delas e o que a todas transcende e equipara é o grande desafio do nosso tempo. É dele que depende o universalismo autêntico, caminho do meio entre nacionalismo cultural e globalização homogeneizadora. É por essa via que seguimos, criando/descobrindo pontes, mediações, elos. No próximo número em companhia de Fernando Pessoa, comemorando ainda os 75 anos da passagem desse que é um dos expoentes maiores de um trans-Portugal armilar, cumprindo-se e superando-se na mediação de todos com tudo.


Paulo Borges
Luiz Pires dos Reys

arevistaentre.blogspot.com

sábado, 6 de novembro de 2010

sempre quis ser ilusonista, homem que tira sonhos por magia e, ao contrário de muitos, nunca tirou coelhos de uma cartola, nem vez alguma se desintegrou no espaço-ar. o seu talento era simples e incalculado: tirar do peito a criança que há em si.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

10-11 Novembro: Programa do Colóquio Internacional Oriente-Ocidente e lançamentos do livro "Descobrir Buda" e do nº2 da revista Cultura ENTRE Culturas





Colóquio Internacional Oriente-Ocidente:
diálogos e cruzamentos
(nos 500 anos da chegada dos portugueses a Goa)

10-11 de Novembro
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa / Câmara Municipal de Lisboa

Na circunstância oportuna dos 500 anos da chegada dos portugueses a Goa e da passagem em Lisboa, Porto e Funchal de uma Exposição de Relíquias Budistas, pretende-se reflectir sobre alguns aspectos centrais do constante, e cada vez mais evidente, diálogo e entrelaçamento Oriente-Ocidente.

Além de se dar voz a uma nova geração de jovens investigadores nacionais e estrangeiros, destaca-se a presença do Professor François Jullien, professor da Universidade de Paris VII, director do Instituto do Pensamento Contemporâneo e do Centro Marcel Granet. Eminente especialista da cultura chinesa, tem mais de 20 obras publicadas em cerca de 20 países sobre o pensamento chinês e o seu contraste com a filosofia europeia, repensando a essa luz a própria identidade cultural europeia-ocidental.

Uma iniciativa do Projecto “Filosofia e Religião”, do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa, da União Budista Portuguesa e da revista Cultura ENTRE Culturas.

Comissão Organizadora: Paulo Borges, Carlos João Correia, Carlos Silva

Programa:

4ª feira, 10 de Novembro – Anfiteatro III da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

9.30 – Abertura
10.00 – 10.25 - António Faria, Teosofia, Sāṁkhya-Yoga e Buda Dharma
10.25 – 10.50 - Filipa Afonso - O despertar do prisioneiro e a libertação do sonhador: a consistência do real no neoplatonismo do Pseudo-Areopagita e no Advaita Vedanta de Sankara
10.50 – 11.15 - Ricardo Ventura, «A Breve noticia dos erros, que tem os Gentios do Comcão na Índia», atribuível a João de Brito, no contexto dos tratados seiscentistas sobre o "gentilismo"

11.15 – 11.45 – Debate e intervalo

11.45 – 12.10 – Paula Morais, O feminino no Yoga primordial e no século XXI
12.10 – 12.35 - Fabrizio Boscaglia, A sabedoria de Omar Khayyâm entre Oriente e Ocidente
12.35 – 13.00 – Antonio Cardiello, Perspectivas de intercultura filosófica em Nishida Kitarō

13.00 – 13.15 – Debate e intervalo para almoço

14.30 – 14.55 – Beatriz Lobo, Ecos do Oriente na obra wagneriana
14.55 – 15.20 – Dirk Hennrich, A noção do Oriente em Vilém Flusser
15.20 – 15.45 – Rui Lopo, Budismo, niilismo e orientalismo. Ismo?

15.45 – 16.15 – Debate e intervalo

16.15 – 16.40 – José Eduardo Reis, Quadros de uma exposição ideal do Oriente na Literatura Portuguesa
16.40 – 17.05 – Bruno Béu, Eu metafísico e âtman: a suspeita de Vergílio Ferreira sobre a orientalidade do "seu" eu.
17.05 – 17.30 – Paulo Borges, Fernando Pessoa no Tibete: Bar-do e “King of Gaps”

17.30 – 18.00 – Debate e intervalo

18.00 – 19.00 - Apresentação do livro Descobrir Buda, de Paulo Borges, e pré-apresentação do nº2 da revista Cultura ENTRE Culturas, dedicada ao tema Encontro Ocidente-Oriente.
19.00 – 20.00 - François Jullien, Quel dialogue philosophique entre la Chine et l’Occident?


5ª feira, 11 de Novembro – Sala do Arquivo dos Paços do Concelho (Câmara Municipal de Lisboa, Largo do Município)

15.00 - Abertura com a presença da Exmª Srª Vereadora da Cultura, Drª Catarina Vaz Pinto
15.30 - 16.00 - Carlos João Correia, Oriente/Ocidente: a questão da identidade pessoal (presença a confirmar)
16.00 – 16. 30 – José Carlos Calazans, Comunidades e Migrações entre Índia, África e Europa
16.30 – 17.00 - Ana Cristina Alves, Metamorfoses do corpo sagrado nas biografias de Jesus Cristo e do Buda Histórico

17.00 – 17.30 – Debate e intervalo

17.30 – 18.00 - Miguel Real, “Viagem à Índia” de Gonçalo M. Tavares
18.00 – 18.30 - Carlos Silva, Sob o signo da dualidade: paralelo do Sâmkhya com o dinamismo de Anaxágoras

18.30 – 19.00 – Debate e intervalo

19.00 – 19.30 – Apresentação do nº2 da revista Cultura ENTRE Culturas, dedicada ao tema Encontro Ocidente-Oriente, pelo Director, Paulo Borges, pelo Director Artístico, Luiz Pires dos Reys, e pelo Prof. Dr. Carlos João Correia (a confirmar)

arevistaentre.blogspot.com

Organização: “Projecto Filosofia e Religião” do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa
Apoios: Câmara Municipal de Lisboa / União Budista Portuguesa / Revista Cultura ENTRE Culturas

Exposição de Relíquias do Buda e de outros grandes mestres budistas – www.reliquias.uniaobudistaporto.org

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Manifestação pela liberdade na China - Mosteiro dos Jerónimos - 6 Nov. - 14-18.30

Caros amigos/as

O Presidente da China, Hu Jintao, estará em Portugal nos dias 6 e 7 do corrente mês, a convite do Presidente Cavaco Silva.

Pretendemos aproveitar esta visita para chamar a atenção para os inúmeros detidos na República Popular da China, por delito de opinião.

Pediremos, em cartazes e em abaixo-assinados, a libertação do Prémio Nobel da Paz 2010, Liu Xiaobo, e o fim da detenção domiciliária de sua mulher, Liu Xia. Também chamaremos a atenção para a situação de alguns outros prisioneiros condenados por pedirem o fim da corrupção e o respeito pelos direitos humanos, entre os quais se contam um cineasta tibetano e um jornalista uigur.

Pediremos, em abaixo - assinado, que o cidadão português de etnia chinesa, Lau Fat Wei, residente em Macau e condenado à pena de morte em Cantão, tenha a sua pena comutada em pena de prisão.

Para isso realizaremos, em conjunto com a União Budista Portuguesa e o Grupo de Apoio ao Tibete, uma manifestação em frente ao Mosteiro dos Jerónimos, no próximo sábado, dia 6 de Novembro, entre as 14h e as 18h 30m.

Por favor compareçam, informem e levem os vossos amigos.

Maria Teresa Nogueira
Amnistia Internacional

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A essência da vida

Acreditando ter entendido sobre a essência da vida, um monge deixou o mosteiro ainda jovem para viajar pelo seu país. Depois de muitos anos reencontrou seu velho mestre, o qual lhe perguntou... "Diga-me sobre a essência da vida..." O monge respondeu: "Quando não há nuvens sobre a montanha, a lua penetra as ondulações do lago". O mestre olhou o seu antigo discípulo, com raiva: "Está a ficar velho, o seu cabelo, é cinza, restam-lhe apenas alguns dentes na boca e passado todo este tempo, ainda não compreendeu a essência da vida." O monge baixou os olhos, com as lágrimas a escorrem-lhe pelo rosto. Depois de alguns minutos em silêncio, o monge perguntou: "Por favor, você me diria sobre a essência da vida...?". "Quando não há nuvens sobre a montanha", respondeu o mestre, "a lua penetra as ondulações do lago…"

autor desconhecido

andou anos a fugir do tempo; e outro tanto a persegui-lo. esta é a biografia de um homem que atirava os olhos para a paisagem

...

quis lavar a alma como se lavasse a roupa. usou a ironia em vez de pau-de-sabão. usou todos os argumentos em vez de tira-nódoas. conclusão: não obteve a transparência

A transfiguração meditativa em Teixeira de Pascoaes, que escolheu o dia de ontem para seu simbólico aniversário

"Quantas vezes, vou só, por um caminho adiante,
A meditar nas coisas.
E meditando, eu torno-me distante
Das suas aparências mentirosas.

Meditar é subir àquela altura,
Onde a gota de orvalho é um astro que alumia;
E onde é perfeita e mística alegria
a humana desventura.

Por isso, eu amo tanto
As horas de saudade em que medito,
E julgo ouvir misterioso canto
E me perturba a sombra do Infinito.

Ouço uma voz dizer, em mim: eu sou alguém...
E sinto que essa voz não é só minha; eu sinto
Que dimana de tudo o que me cerca e tem
Ermo perfil, nas trevas, indistinto.

[...]

Que estranha simpatia
Me prende às pobres coisas da Natura!

[...]

E vejo a intimidade, o laço oculto,
Que as almas todas casa;
meu coração erguendo, em sonhos, o seu vulto,
É pedra, nuvem, asa.

Horas em que medito e me disperso,
Por tudo quanto existe.
[...]"

- Texieira de Pascoaes, "Meditando", in Sempre.